Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do artigo do articulista de O Estado de S.Paulo, Sr. Washington Novaes, sobre o projeto de cessão, pelo Governo Federal, de imensas áreas de florestas na Amazônia a empresas privadas.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Registro do artigo do articulista de O Estado de S.Paulo, Sr. Washington Novaes, sobre o projeto de cessão, pelo Governo Federal, de imensas áreas de florestas na Amazônia a empresas privadas.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2003 - Página 14109
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, ANUNCIO, GOVERNO FEDERAL, POSSIBILIDADE, VENDA, AREA, REGIÃO AMAZONICA, EMPRESA PRIVADA, REGISTRO, CONVOCAÇÃO, MARINA SILVA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), ESCLARECIMENTOS, MATERIA, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, SENADO.
  • LEITURA, TEXTO, AUTORIA, WASHINGTON NOVAES, JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, GRAVIDADE, IMPACTO AMBIENTAL, CERRADO, REGIÃO AMAZONICA, CRITICA, DECLARAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CONCESSÃO, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, EMPRESA PRIVADA, DEFESA, CONSCIENTIZAÇÃO, NECESSIDADE, CONSERVAÇÃO, RECURSOS AMBIENTAIS, PLANETA TERRA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,o jornalista Washington Novaes, articulista de O Estado de S.Paulo e especialista em meio ambiente, lançou, nesta última sexta-feira, uma advertência diante do projeto que o Governo pretende levar a cabo na Amazônia, cedendo a empresas, mediante concessões, áreas imensas da Floresta Amazônica. O anúncio, como já denunciei desta tribuna, foi estranhamente feito no exterior, numa conferência sobre florestas em Genebras.

Por isso, também requeri a convocação da Ministra do Meio Ambiente, Senadora Marina Silva, para prestar esclarecimentos a respeito do assunto perante a Comissão de Assuntos Econômicos.

No artigo de sexta-feira, Washington Novaes lança, desde logo, uma indagação que fica no ar, em busca de uma resposta: “Quem poderá dizer o que acontecerá às cadeias da biodiversidade com as várias interferências em toda a área autorizada?”

Sr. Presidente, diante desse fato, solicito que o artigo do credenciado jornalista passe a integrar este pronunciamento e conste dos Anais do Senado, servindo, assim, de subsídio aos estudos a que somos chamados fazer.

É o seguinte o teor do artigo:

            AMAZÔNIA E CERRADO - INTERROGAÇÕES

            WASHINGTON NOVAES

Algumas notícias das últimas semanas sobre Amazônia e cerrado são preocupantes, principalmente no que se refere à manutenção de reservas legais em propriedades privadas e projetos de manejo florestal.

No cerrado, é assustadora a informação da Embrapa Monitoramento por Satélites de que restam menos de 5% do bioma com possibilidade de sobrevivência, se se tomarem como referência fragmentos de pelo menos 2 mil hectares, capazes de manter as cadeias genéticas e reprodutivas (embora haja cientistas que achem indispensáveis, para ter garantia disso, áreas contínuas de pelo menos 100 mil hectares - que são raríssimas). Mesmo considerando todos os fragmentos, tem-se hoje pouco mais de 20% do segundo maior bioma do País, que já ocupou mais de 2 milhões de quilômetros quadrados. Em 40 anos de expansão intensiva da fronteira agropecuária, o cerrado já está ameaçado de desaparecer. É um dos "hotspots" mencionados nos levantamentos internacionais.

Mas o cerrado é o berço das águas no Brasil, ali nascem mananciais que correm para as três grandes bacias nacionais - que enfrentam graves riscos sem a cobertura vegetal. Principalmente o da degradação de bacias hidrográficas pelo carreamento de resíduos de solo (centenas de milhões de toneladas anuais) em função da erosão eólica e das chuvas. Também nas profundezas do solo de vários dos Estados do cerrado está o Aqüífero Guarani, gigantesca reserva de água subterrânea - igualmente ameaçada pela infiltração de agrotóxicos e pela extração descontrolada de água. Sem falar em que um terço da biodiversidade brasileira está nos cerrados.

Talvez se argumente que a legislação brasileira prevê a obrigatoriedade de manter pelo menos 20% de reserva legal de vegetação nativa em cada propriedade do cerrado. Mas esse dispositivo é uma ficção. Registra-se a reserva no órgão ambiental, transcreve-se no Registro de Imóveis (para ter financiamento de bancos oficiais e poder vender a propriedade). Mas praticamente não há fiscalização, não se verifica no campo a existência real da vegetação, muito menos se acompanha a conservação. Sem falar na brecha que é admitir a reserva em área diferente da que teria essa obrigação.

Também na Amazônia o panorama está confuso e preocupante. Já se comentou neste espaço a perplexidade diante da permissão para projetos de manejo florestal certificado sem manutenção da reserva legal de 80% da área, como exige a lei. A certificação é, sem dúvida, um passo adiante. Mas quem pode garantir o que acontecerá extraindo as melhores árvores de cada área - uma "seleção às avessas", como observou o almirante Ibsen Gusmão Câmara? Quem pode dizer o que acontecerá às cadeias da biodiversidade com as várias interferências em toda a área autorizada? Ao desmatamento ilegal (80%da madeira), ao desmatamento seletivo e à precariedade da fiscalização se soma mais essa preocupação.

Mas não é só. Não bastassem os problemas já existentes, a chamada "bancada ruralista" no Congresso articula mudança no Código Florestal para reduzir ou eliminar a reserva legal. Há quem fale até em "indenizar os proprietários" pela restrição de uso. Numa hora em que o desmatamento amazônico continua acima de 15 mil km2 por ano e já chega a 15% do bioma, cerca de 600 mil km2, dos quais quase um terço sem utilização econômica.

Apesar de todos esses problemas, informou este jornal (27/5) que o representante do governo brasileiro numa discussão sobre florestas apresentou em Genebra um programa de concessão de áreas para manejo florestal que abrangerão 25 milhões de hectares até 2010. Uma área equivalente à do Estado de São Paulo, que seria concedida por 25 a 30 anos, começando por quatro projetos pilotos. Não demoraram as críticas de entidades ambientalistas, lembrando que é preciso fazer o zoneamento ecológico-econômico da Amazônia antes de iniciativas desse porte. E saber quem fiscalizará, levando em conta as precariedades atuais. Quem cuidará da questão da biodiversidade em iniciativas desse porte.

Ainda não é tudo. Em recente reunião do presidente da República com alguns dos maiores empresários nacionais, estes mencionaram, entre suas preocupações, as exigências de ordem ambiental, que consideram excessivas, emperradoras, quando não impeditivas de empreendimentos econômicos.

Repete-se, invertido, o quadro de 2002, quando, diante de uma platéia empresarial, o então presidente Fernando Henrique Cardoso apontou como "birrentos" ambientalistas e membros do Ministério Público por causa das exigências para licenciamentos ambientais, principalmente de usinas hidrelétricas, naquele momento de "apagão".

Hoje já se conhecem melhor as incompetências (para dizer o mínimo) que determinaram o racionamento. Ainda assim, insiste-se na necessidade de uma formidável expansão da oferta de energia para exportar eletrointensivos, que fora daqui quase ninguém mais quer produzir por causa dos altos custos ambientais, sociais e energéticos. Mas nós até subsidiamos essa produção, à custa das tarifas pagas por toda a sociedade. E desprezamos a possibilidade de um programa mais do que viável que nos permitiria poupar mais de 20% do consumo de energia, sem sacrifício (o racionamento provou isso).

Tenta-se ainda ressuscitar megaprogramas de "eixos de desenvolvimento" (rodovias, hidrovias, gasodutos, pólos mineradores, etc.), passando por cima das conveniências ambientais e das melhores alternativas sociais.

Pela enésima vez, é preciso repetir: vários relatórios internacionais demonstram a insustentabilidade dos padrões de produção e consumo no mundo, que já estão além da capacidade planetária de reposição dos recursos e serviços naturais; nesse quadro, a relativa abundância brasileira (em recursos hídricos e seus serviços, solo, biodiversidade, nível de insolação, etc.) exige que a chamada questão ambiental ocupe o centro de uma estratégia nacional - e não o desperdício ou a inconseqüência.

Essa é a nossa questão central.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2003 - Página 14109