Discurso durante a 73ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crescimento do número de mulheres pobres contaminadas com o vírus da Aids.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO. SAUDE.:
  • Crescimento do número de mulheres pobres contaminadas com o vírus da Aids.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2003 - Página 14855
Assunto
Outros > FEMINISMO. SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, CONTAMINAÇÃO, MULHER, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, MULHER CASADA, ADOLESCENTE, POPULAÇÃO CARENTE, APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÕES, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), MINISTERIO DA SAUDE (MS), CRESCIMENTO, VITIMA, DOENÇA TRANSMISSIVEL.
  • COMENTARIO, EFICIENCIA, PROGRAMA, AMBITO NACIONAL, APOIO, DOENTE, GRATUIDADE, DISTRIBUIÇÃO, MEDICAMENTOS, PRESERVATIVO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, ATENÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), GOVERNO FEDERAL, RISCOS, CONTAMINAÇÃO, MULHER, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, SEXO, AÇÃO COMUNITARIA, CONSCIENTIZAÇÃO, PREVENÇÃO, DOENÇA TRANSMISSIVEL, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, PODER PUBLICO, DESENVOLVIMENTO, POLITICA, DEFESA, MULHER, COMBATE, VIOLENCIA, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, MERCADO DE TRABALHO, REDUÇÃO, VITIMA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, coincidentemente, pronuncio-me desta tribuna logo após um médico, o Senador Mão Santa. S. Exª fez um relato - que considero da maior importância e merecedor da nossa maior atenção - com a propriedade de um profissional conhecedor do assunto. Ninguém melhor do que um médico para entender a situação de um paciente.

            Coincidentemente, Senador Mão Santa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, abordo um assunto também de saúde pública, e talvez até mais grave do que aquele que S. Exª aqui tratou. Não falo como médica, mas com o sentimento de solidariedade e conhecimento do sentimento feminino. Refiro-me à Aids, doença que, hoje, por meio de estatísticas comprovadas, chegamos à triste conclusão de que o grande grupo de risco, o que mais está sendo contaminado, infelizmente, é o feminino.

            Sr. Presidente, os programas brasileiros destinados à prevenção da Aids freqüentemente têm sido apontados como modelos para o mundo. Segundo os especialistas da área, o nosso País tem conseguido sucesso na diminuição de novos casos, graças às políticas públicas voltadas principalmente para a conscientização e educação.

Além disso, têm sido notáveis a redução dos custos de tratamento e o aumento da sobrevida dos pacientes. Isso foi proporcionado pelas decisões tomadas no Governo passado que permitiram a quebra das patentes dos principais componentes do coquetel de remédios anti-retrovirais, que passaram a ser produzidos em laboratórios públicos e distribuídos de forma mais eficiente.

Das 500 mil pessoas que têm acesso gratuito a medicamentos anti-Aids no mundo, 30% vivem no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. O Brasil é pioneiro na distribuição de preservativos femininos, popularmente conhecidos como camisinhas. Do total de 6 milhões de unidades produzidas anualmente pela Inglaterra - único país que fabrica preservativo feminino -, o Brasil importou 4 milhões no ano passado. Naturalmente, como a camisinha feminina é bem mais cara do que a masculina, a distribuição é feita para mulheres sob risco maior de contágio.

Recentemente, o Presidente da República e a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, inauguraram em Xapuri uma fábrica de biopreservativos. Aproveitando a oportunidade, sugiro que ali também passem a ser produzidos os preservativos femininos, diminuindo os custos com a importação e ampliando o número de mulheres protegidas.

O Brasil foi capaz de impedir a realização das previsões pessimistas do Banco Mundial, na década de 90, que apontavam a possibilidade de termos 1,2 milhão de soropositivos em 2000. Os dados do final de 2002 mostram que existem, no momento, aproximadamente 600 mil casos, portanto, a metade do previsto.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os especialistas em epidemiologia também estão apontando uma tendência para o desenvolvimento da doença que se revela muito preocupante para nós. Segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, essa tendência seria a heterossexualização, feminização, envelhecimento e pauperização do paciente. Isso significa que o paciente típico está se aproximando do brasileiro médio: mulher, heterossexual, de meia-idade e pobre. E, pior ainda, o único grupo que tem sistematicamente apresentado aumento de notificações acima da média nacional é - este é o dado que considero extremamente preocupante - o das mulheres casadas.

A tendência à feminização, ao que se sabe, não é nova. Entretanto, os programas de combate à doença ainda não foram capazes de alcançar esse público com a mesma eficiência que têm demonstrado entre jovens, usuários de drogas injetáveis, homossexuais e heterossexuais solteiros, que eram apontados como os grupos mais afetados. Segundo dados do Programa de Aids das Nações Unidas, Unaids, do total de pessoas com a doença no mundo, 50% são mulheres. O dado alarmante é que elas representavam 48% pouco mais de um ano atrás.

Os dados brasileiros também são assustadores. Nos anos 80, a proporção entre homens contaminados e mulheres era de 25 para 1. Hoje, essa proporção caiu para 1,7 homem para cada mulher. Em alguns casos, como na faixa etária entre 13 anos e 19 anos, a quantidade de mulheres contaminadas já é superior a de homens, contando 771 contra 714 casos no ano passado.

O Ministério da Saúde tem buscado abordar o problema da contaminação feminina, seguindo sua linha de atuação, por meio de parcerias com ONGs de mulheres, associações comunitárias e redes de saúde para a ampliação do Programa de Saúde da Família. Reconhece, contudo, que o desafio é grande em função da maior vulnerabilidade feminina, decorrente da cultura de gênero do nosso País.

As mulheres casadas, pobres, moradoras da periferia das grandes cidades ou das pequenas cidades não imaginam que seus parceiros têm comportamento sexual de risco, ignorando as medidas preventivas. Imaginam estarem ofendendo seus parceiros se exigirem a utilização de preservativos no ato sexual.

Eu gostaria de lembrar que não são somente as mulheres casadas pobres, moradoras das periferias das grandes cidades, que têm esse tipo de pudor. É realmente uma situação delicada, difícil até de se pensar como se fazer uma campanha de esclarecimento.

Entre as mulheres mais jovens, o problema é resultado da precocidade do início da vida sexual ativa, combinada com a inexperiência. Segundo dados do Ministério da Saúde, apenas 44% dos jovens utilizam a camisinha na primeira relação sexual. E o mais incrível é que esse é um número bom, se considerarmos que, no início dos anos 90, quando as campanhas maciças começaram, a estatística apontava em torno de apenas 5% de uso. Entretanto, à medida que a relação entre os casais jovens se estabiliza e se torna mais séria, cai a freqüência de uso. Noventa por cento dos jovens declaram só fazer sexo com preservativos, mas só 20% mantêm o hábito depois de algum tempo de relacionamento.

Se o Brasil não apresenta um quadro tão crítico como o de algumas regiões africanas onde, por exemplo, se crê que o estupro de jovens virgens é um remédio mágico contra a Aids, ainda assim os números são profundamente perturbadores.

O que pode ser feito? Quais são os caminhos a tomar? As ações atuais do Ministério estão completamente corretas? São suficientes para reverter o quadro? Convido os nobres Colegas presentes à reflexão.

Em primeiro lugar, existe um grande acerto no aumento das ações educativas tanto no âmbito das escolas quanto na utilização dos meios de comunicação em geral. Mas a abordagem direta, seja por agentes de saúde, seja com as parcerias de grupos comunitários e ONGs, é indispensável para atingir aqueles grupos que se sentem mais seguros, especialmente - deveria ser - as mulheres casadas.

A discussão do problema deve ser ampla, pública, trabalhada em linguagem simples para que o entendimento seja mais generalizado entre a nossa população. No caso dos jovens, é necessário também debater o assunto com os pais deles. Nesse ponto a ação do Poder Público é bastante difícil, mas devemos encontrar um meio de envolver mais os pais de adolescentes. O problema das doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo, deve ser amplamente debatido por pais e filhos - aliás, deveriam debater todos os assuntos, assim, logicamente, a esse seria abordado de maneira natural.

Os pais precisam ser educados também para tratar desse problema, que não pode ficar a cargo exclusivamente da educação formal.

Outro ponto fundamental que deve ser profundamente discutido aqui é questão feminina no Brasil.

A principal razão de a mulher ser a vítima mais vulnerável no processo que permite o crescimento da epidemia de Aids é a própria condição feminina em nosso País. As ações públicas de saúde só serão realmente eficazes no grupo feminino se forem acompanhadas de uma série de outras ações, que têm menos a ver diretamente com a área de saúde do que com o reposicionamento da mulher em nossa sociedade.

É preciso ampliar e melhorar a educação feminina em geral e aumentar a participação da mulher no mercado de trabalho em condições de igualdade com os homens, assim como combater decididamente a violência contra a mulher, especialmente no ambiente doméstico, os preconceitos e a imposição da passividade às mulheres. É preciso também aumentar a visibilidade dos problemas e buscar mais intensamente as soluções para as questões decorrentes das desigualdades nas relações de gênero em nosso País. Tudo isso precisa ser feito.

Essas ações são necessárias para dar à mulher o poder de dizer “não” e a faculdade de defender a si mesma.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o trabalho de conscientização, desenvolvido de forma cada vez mais eficiente e eficaz pelo Ministério da Saúde, pode ser posto a perder.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Iris de Araújo, gostaria de participar do pronunciamento de V. Exª.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Senador Mão Santa, gostaria muito de ouvir o aparte de V. Exª, que, se não é um especialista em Aids, conhece mais o assunto do que eu. A informação de V. Exª será da maior importância para o meu pronunciamento.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Iris de Araújo, o pronunciamento de V. Exª enriquece esta Casa e educa o nosso povo. Fui ao México, quando era Deputado Estadual, fazer um curso de planejamento familiar. Naquele país, há o Ministro da População. A Constituição do México estabelece que “o homem e a mulher podem e devem acasalar-se. Entretanto, o Estado tem a obrigação de garantir os filhos que desejarem.” O Ministro da População garante todo o planejamento familiar. Por exemplo, conversando com um casal de noivos ele define o período em que podem ter filhos - no ano de eleição não dá certo. O Governo garante tudo, a ligadura de trompas e a vasectomia. Além disso, o Ministro da População é responsável pela educação sexual do povo e mantém um programa na televisão pública com esse objetivo. É muito oportuno o pronunciamento de V. Exª, que, ao trazer esse assunto, enfrenta, com coragem, um dos temas que a medicina mais teme hoje: a Aids. O nosso Governo se saiu bem - vamos reconhecer - graças, como sempre digo, à competência da classe médica no Brasil.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço o aparte de V. Exª. Como disse no início, ele muito contribui para o aprimoramento desse nosso alerta.

A conscientização muitas vezes não é suficiente num ambiente de dominação e violência, principalmente quando esses elementos são manifestados nas relações mais íntimas, no domínio privado, fora do controle do Poder Público ou, pior ainda, com a conivência dele.

A conscientização é apenas o primeiro passo. Mais do que isso, torna-se imprescindível a ação coordenada do setor público, nos vários campos de sua competência, visando estabelecer condições de igualdade que permitam à mulher recolocar-se na sociedade, no mundo do trabalho, na família, no relacionamento com seu companheiro e parceiro num estágio elevado de cidadania e dignidade.

No caso do combate à Aids entre as mulheres, podemos dizer, sem medo de errar, que ações realmente eficientes e eficazes para deter o avanço terrível desse mal são, literalmente, uma questão de vida ou de morte.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2003 - Página 14855