Discurso durante a 74ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação de S.Exa. com o aumento dos índices de violência contra a mulher em Goiânia.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. FEMINISMO.:
  • Preocupação de S.Exa. com o aumento dos índices de violência contra a mulher em Goiânia.
Aparteantes
Leonel Pavan, Ney Suassuna, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2003 - Página 14925
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. FEMINISMO.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, GRAVIDADE, AUMENTO, INDICE, VIOLENCIA, HOMICIDIO, MAUS-TRATOS, VITIMA, MULHER, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE GOIAS (GO).
  • CRITICA, INSUFICIENCIA, NUMERO, DELEGACIA, ESPECIALIZAÇÃO, PROTEÇÃO, MULHER, INCENTIVO, IMPUNIDADE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, AMBITO, POLICIA, JUSTIÇA, SIMULTANEIDADE, CAMPANHA, COMBATE, VIOLENCIA, RESIDENCIA, FAMILIA, MULHER.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, consciente que sou de que, nesta Casa, cada um de nós representa os interesses do seu Estado, procuro diversificar minha atuação no sentido de contemplar o mais amplamente possível a defesa dos interesses de Goiás, o meu Estado.

Assim, muitas vezes, deixo de tratar de temas que digam respeito exclusivamente a um grupo populacional, preferindo me ocupar de assuntos que atinjam um universo maior. Mas é difícil, Sr. Presidente, sendo mulher, deixar de cuidar de assuntos do interesse prioritariamente feminino. Por um sério motivo: as mulheres, que cada vez mais contribuem para os avanços da sociedade brasileira, vivem em situação de grave inferioridade, assumindo mais e mais responsabilidades e até correndo riscos.

Por isso, ainda que ontem tenha me ocupado do grave aumento da nossa população feminina contaminada pelo vírus da Aids, hoje retorno para falar de um outro risco que correm as brasileiras: o da violência doméstica. Trata-se de um tema bastante reprisado. Mas um problema ainda longe da solução.

Num momento de dificuldade como o que estamos vivendo, em que o desemprego e as pressões financeiras constrangem e humilham milhões de trabalhadores, a violência tende a crescer cada vez mais dentro dos lares. No meu Estado, por exemplo, é assustador o número de mulheres assassinadas ou vítimas de maus tratos físicos e psicológicos.

Somente em Goiânia, a nossa capital, a violência contra a mulher aumentou em quase 20% nos primeiros meses deste ano, em que a Delegacia da Mulher registrou 3.768 casos de agressão contra mulheres. Isso significa que, a cada hora que passa, uma mulher está sofrendo violência física em Goiânia, no mais das vezes dentro da sua própria casa.

A experiência nos ensina que a repressão policial e a punição pela justiça não são capazes, em si, de resolver esse tipo de violência. Mas, certamente, um Estado com uma população superior a quatro milhões e meio de habitantes não pode contar apenas com três delegacias especializadas na proteção da mulher, como acontece em Goiás.

O mais grave é que, além de poucas, as delegacias estão todas situadas numa única região, próxima à capital do Estado. Se não vejamos: em Goiás, as mulheres contam com três delegacias especializadas para sua proteção: uma em Goiânia, a segunda em Anápolis, a terceira em Aparecida de Goiânia.

A ausência da autoridade é um estímulo à impunidade. Se, onde existe uma delegacia da mulher, as vítimas da violência doméstica passam por grande conflito para denunciar maus-tratos sofridos em casa, imagine-se onde nem sequer uma delegacia existe...

E é tão grande o descaso em meu Estado para com a integridade física e psicológica das mulheres que, no site oficial do Governo, nas informações relativas à Secretaria de Segurança Pública, sequer as três delegacias existentes são divulgadas, com telefone e nome do titular. Quando se clica em “Delegacias Especializadas”, o site informa apenas a delegacia de Goiânia, deixando de lado as outras duas. O que bem demonstra desinteresse pelo destino das mulheres do interior.

Como já disse, a simples repressão não resolve. No entanto, a instalação de uma Delegacia da Mulher num Município já começa a criar uma mudança de hábitos, uma transformação cultural. Tanto nas rodas masculinas quanto nos encontros entre mulheres, a existência de uma delegacia especializada na proteção à mulher é motivo de conversas e discussões.

Recordo bem o momento da criação da primeira Delegacia da Mulher, em Goiás, durante o Governo Íris Rezende. Se, por um lado, a nova instituição foi recebida com aplausos, também houve aqueles que trataram o assunto como objeto de piada.

É bom que se lembre, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que assuntos seriíssimos dessa ordem ainda encontram ressonância no que acabei de dizer: são motivos de piada. Porém, temos que levar em consideração que a segurança do cidadão, independentemente do sexo, é dever do Estado e, para isso, temos que adotar medidas que sejam realmente concernentes a essa ameaça.

As primeiras queixas referiam-se a casos sérios de perseguições, ameaças ou violências graves. Mas, logo, as lideranças femininas começaram a atuar, estimulando mais e mais mulheres a defenderem seu direito à vida, à integridade física e psicológica e, Srªs e Srs. Senadores, à paz dentro de casa.

Quando, no plenário desta Casa, trago este assunto à reflexão, não penso apenas nas mulheres que sofrem maus-tratos; penso também, Srªs e Srs. Senadores, nas crianças que testemunham atos de violência doméstica e, assim, são educadas a repetir o exemplo, perpetuando uma cultura anticidadã, em que vale o poder do mais forte, seja em casa, seja na rua.

Ontem e hoje, nesta Casa, mulheres parlamentares se encontram para discutir a melhor maneira de aumentar não apenas a participação feminina na vida política como também as formas de tornar mais eficiente esta participação.

Senador Suassuna, eu gostaria muito de ouvir o seu aparte.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senadora, creio que é da maior importância o referido assunto. Essa preocupação não é só das parlamentares brasileiras, tanto que esse encontro reúne parlamentares de muitos lugares. Destaco a afirmação de V. Exª segundo a qual em lares em que vivem famílias que não são ajustadas, em que há briga entre marido e mulher, cresce a semente da violência. O início é a palavra. As palavras vão perdendo o valor pela repetição; daí para o ato, é um pulo. A violência de casa que passa para a rua transborda e se transforma no que estamos vendo no Brasil. Segundo uma revista de circulação nacional, veiculada na semana passada, verificamos que o País, de ponta a ponta, está vivendo o clima da violência. E tudo se inicia com a palavra e com o desajuste em casa. Daí por que entendo que a missão de vocês, mulheres parlamentares é obrigação nossa, dos homens também. Mas vocês, que têm se revelado; vocês, que, neste século, têm conseguido mostrar o valor que estava recalcado, calado durante séculos e séculos de educação machista, vocês têm uma missão que, com certeza, refletirá em toda a sociedade. Parabenizo os organizadores da reunião, parabenizo V. Exª. Queira Deus que consigamos realmente cumprir esta missão, o que significaria o fim do plantio da violência no nosso País, no nosso mundo.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço-lhe pelo aparte, nobre Senador Ney Suassuna, porque a sua palavra, se não traz um conteúdo novo, traz a visão masculina dentro de um contexto que considero, neste momento, feminino.

É muito bom sentir que a nossa sociedade se conscientiza, que a nossa sociedade percebe que o que nós, mulheres, estamos pregando está muito além daquela condição que, muitas vezes, foi apregoada como uma luta de mulheres contra homens ou de homens contra mulheres que queriam conquistar o seu espaço.

V. Exª citou o que considero de mais grave e que procuro, no meu pronunciamento, também identificar. Hoje, há uma quantidade enorme de crianças perambulando pelas ruas. Eu, pessoalmente, como agente social, tive oportunidade, ao percorrer as ruas de Goiânia, de tentar trazê-las ao abrigo do Estado, porque é dever do Estado cuidar dessas crianças. Ouvi o depoimento de várias crianças que não queriam voltar para casa, e o argumento delas nos deixava praticamente sem palavras. “Não quero voltar, tia, porque, na minha casa, não tenho como viver”; “não quero voltar, tia, porque o meu pai e a minha mãe se batem, se combatem, brigam e, muitas vezes, tia, sobra para mim” - quando digo “tia”, refiro-me à linguagem do menino de rua.

Senador Ney Suassuna, agradeço-lhe muitíssimo pela contribuição.

Eu gostaria de ouvir também, nesta oportunidade, as palavras do nobre Senador Leonel Pavan e, depois, as palavras do Senador Paulo Paim.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Senadora Iris de Araújo, primeiro, quero dizer que as mulheres não estão avançando no País e no mundo apenas por terem esse direito adquirido por lei. A sua atuação no Senado, na tribuna, mostra o quanto as mulheres trabalham e o quanto elas defendem o povo do nosso País e do mundo. Elas se preocupação com as crianças, com os idosos, com a integração familiar, com a educação, com o social e com a saúde de suas cidades. V. Exª tem se destacado nesta Casa como uma mulher de brio, de luta e deixa para trás muitos e muitos Senadores com experiência de longa data na vida pública. Quero apenas registrar aqui que as mulheres, pelo menos em Santa Catarina, o meu Estado - o qual defendemos com todas as nossas forças - estão se destacando em todas as áreas: na área política, na área empresarial, e colocam-se à disposição sem exigir ganhos pessoais. São voluntárias e querem apenas ajudar a resolver os problemas do Estado e das cidades. Em Santa Catarina - cito, como exemplo, o meu Município, o Balneário de Camboriú -, todas as atividades sociais, todas reuniões têm sido, na sua maioria, formada por mulheres. E as reuniões políticas não são diferentes. No PSDB, Partido ao qual pertenço, a maioria dos filiados, ultimamente, são mulheres. Nas reuniões que o PSDB realiza por todo o Estado, o destaque maior é a presença das mulheres. Aqui mesmo, no Senado, verificando a atuação das nossas Senadoras, realmente, ficamos orgulhosos em ver que, ainda que em menor número, mas, com certeza, no destaque do trabalho, usam a tribuna e se sobrepõem aos homens. Quero cumprimentá-la pelo seu pronunciamento, pela sua luta e preocupação com as atividades sociais do nosso País. Parabéns.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço ao nobre Senador pelas palavras elogiosas, mas eu gostaria de dividi-las entre todas as mulheres, aquelas que procuro representar.

Neste plenário, já tive a oportunidade de dizer: “Tenho vez, estou aqui, posso discutir, votar as leis, ajudar este País; tenho voz”, mas gostaria de lembrar neste instante, Srªs e Srs. Senadores, aproveitando a oportunidade do aparte do nobre Senador, aquelas que não têm vez, aquelas que não têm voz. Tenho consciência da responsabilidade que assumi no momento em que pisei este local para representá-las bem, com dignidade, com honra, a fim de que, quando eu voltar ao meu Estado - e este dia está se aproximando -, possa dizer-lhes que combati o bom combate, que honrei a minha categoria.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Senadora, permite-me complementar meu aparte?

A SRª IRIS DE ARAUJO (PMDB - GO) - Pois não, Senador.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Goiás é um Estado privilegiado pelo exemplo que dá ao Brasil e ao mundo, pois temos duas Senadoras que trabalham incansavelmente: V. Exª, a quem acabei de me referir, e a Senadora Lúcia Vânia, que preside a Comissão de Assuntos Sociais com brilhantismo e orgulha o nosso PSDB, assim como V. Exª orgulha o seu Partido. Quero estender os elogios que acabei de fazer ao seu trabalho à Senadora Lúcia Vânia.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Concordo plenamente com V. Exª e gostaria de lembrar uma observação interessante da Senadora Lúcia Vânia. S. Exª dizia que Goiás, considerado um Estado machista, é o único que tem duas Senadoras da República.

Gostaria, Senador Paulo Paim, de ouvi-lo também.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Iris de Araújo, quero cumprimentá-la pelo seu pronunciamento. Eu trabalho muito na área do direito dos trabalhadores, e é comum ouvirmos que a mulher, exercendo a mesma atividade que o seu colega, recebe um salário menor. V. Exª é uma estudiosa do assunto, mas hoje vai muito mais além. Eu falava para o Senador Garibaldi que V. Exª aborda uma questão fundamental, pois ao falar da violência contra a mulher, evidencia que essa violência acaba atingindo diretamente a criança, que presencia, muitas vezes, a espancamentos e outros atos de violência, infelizmente, por membros da própria família. O seu depoimento, mais uma vez, sensibiliza a Casa. V. Exª tem desenvolvido um trabalho excelente na Subcomissão do Idoso, assim como tem destacado suas posições na Subcomissão da Criança e do Adolescente. O meu aparte, neste momento, é mais um cumprimento a V. Exª, que faz com que este Plenário fique em silêncio para ouvi-la, porque traz uma mensagem positiva, uma mensagem das grandes mulheres.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço, nobre Senador, as palavras de V. Exª.

Neste plenário, Senador Paulo Paim, V. Exª tem assumido posturas e feito pronunciamentos muitas vezes não entendidos, mas eu entendo e percebo muito bem que V. Exª trabalha, luta e tenta identificar, por meio de uma discussão sadia no âmbito parlamentar - e é essa a nossa obrigação -, os problemas que dizem respeito à Nação. Sairei do Senado muito enriquecida em aprendizado. Agradeço as palavras de V. Exª.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao mesmo tempo em que saúdo o I Encontro de Mulheres Parlamentares da Língua Portuguesa, sinto um profundo constrangimento ao ver a distância que existe entre o mundo dessas bravas mulheres que buscam novos horizontes e o daquelas oprimidas, que não encontram sequer um socorro da autoridade na hora da dor e do sofrimento. Há uma distância muito grande entre eles. Ao todo, no Brasil, temos apenas 325 delegacias especializadas na proteção da mulher. Pouco mais de 300 delegacias para mais de 5.500 Municípios!

Durante algum tempo, acreditou-se que a miséria seria a principal causa da violência. Hoje, a maioria dos cientistas sociais aponta para as desigualdades sociais como geradoras da violência. Em rincões distantes, de extrema pobreza, nem sempre, Srªs e Srs. Senadores, a violência está presente, mas ela cresce nos locais onde os contrastes são mais evidentes, exatamente nos locais onde o luxo contrasta com a pobreza. E mostram também esses cientistas que nem sempre são as pessoas mais pobres, aquelas que sofrem com mais rigor da carência material, que enveredam pelo caminho do crime.

Já são repetidas as conclusões de pesquisas que indicam que um grande número dos nossos jovens criminosos vem exatamente dos lares onde a violência se faz presente. Nas gangues de adolescentes, é representativo o número daqueles que fugiram de casa porque não suportavam testemunhar cenas de violência. Muitas vezes, não só eram testemunhas, mas vítimas também, ao tentar defender a mãe ou a irmã.

Tenho acompanhado a justa preocupação dos meus Pares com a violência social, o crime organizado, o medo em que vivem grandes parcelas da nossa população. Concordo que precisamos de uma nova política de segurança e, principalmente, aumentar o percentual de crimes punidos, porque, se a impunidade é estímulo, certamente o exemplo do crime punido é capaz de refrear impulsos anti-sociais.

Paralelamente às ações no âmbito da polícia e da Justiça, são também imprescindíveis ações educativas de combate à violência dentro da própria casa. É preciso desarmar a bomba da violência doméstica, porque ela contagia ruas, escolas, locais de trabalho e de diversão.

Tanto quanto a existência da lei, é importante a sua aplicação prática e rotineira. Por isso, em relação à violência contra a mulher, convoco os meus Pares - Senadoras e Senadores - para que atuem junto aos Governadores dos seus Estados em prol da instalação de delegacias especiais de proteção à mulher.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2003 - Página 14925