Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Expectativa em torno da administração do novo Presidente argentino, Néstor Kirchner, em especial a preocupação com a retomada do Mercosul.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Expectativa em torno da administração do novo Presidente argentino, Néstor Kirchner, em especial a preocupação com a retomada do Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/2003 - Página 15117
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, POSSE, NESTOR KIRCHNER, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, EXPECTATIVA, COMBATE, CRISE, ECONOMIA, ORDEM POLITICA E SOCIAL, POSSIBILIDADE, PARCERIA, BRASIL, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • ANALISE, HISTORIA, CRIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), INICIATIVA, JOSE SARNEY, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, RAUL ALFONSIN, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, SAUDAÇÃO, RETOMADA, CONSOLIDAÇÃO, INTEGRAÇÃO, POLITICA EXTERNA, ESTADOS MEMBROS.
  • SAUDAÇÃO, VISITA, BRASIL, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO. Sem registro taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a posse, no último dia 25 de maio, do novo Presidente da República Argentina, Néstor Kirchner, significa, além de todo o simbolismo de uma solenidade de tal natureza e magnitude, a abertura de uma animadora, necessária e impostergável perspectiva para o país e seus 38 milhões de habitantes e também para o futuro do nosso Mercado Comum do Sul. Para o Mercosul, especificamente, reintroduz a possibilidade concreta de um renascimento, que logo vai fortalecer, fazer crescer e, afinal, consolidar o bloco econômico que liga o Brasil ao Uruguai, Paraguai e Argentina.

Kirchner encarna uma profunda e oportuna renovação na prática política interna argentina e, em sua trajetória recente, soube perceber e vocalizar as inquietações que alcançam nossos vizinhos em seu cotidiano. Ao chegar à presidência da nação, tornou-se portador da esperança de seus conterrâneos, que reclamam a urgente reconstrução institucional, social, econômica e política daquele país. Como acompanhamos, atentos e consternados, depois da renúncia do Presidente Fernando de la Rúa, em dezembro de 2001, sucederam-se na Casa Rosada quatro Presidentes, em uma hemorragia estancada apenas pela liderança do ex-Presidente Eduardo Duhalde. No trânsito para o ano 2002, o país experimentava uma turbulência político-institucional aguda, precipitada pelo colapso econômico-financeiro. Uma situação virtualmente falimentar, de quebradeira geral, que impôs o abrupto empobrecimento da classe média local - tradicionalmente uma das maiores, mais estáveis, educadas e prósperas de nosso subcontinente -, além de transferir uma dose extra de perdas e sofrimento às classes mais pobres.

Néstor Kirchner, ainda há poucos meses, um político de expressão regional, consagrou-se como protagonista central da política argentina. Tem, nessa posição, ciência dos imensos desafios e obstáculos que a precária situação nacional e o instável panorama internacional impõem impiedosamente a inúmeras nações. Parece um homem obstinado e bem-intencionado, porém realista, capaz de vislumbrar com clareza e discernimento o conjunto de problemas que deverá equacionar, em negociações notadamente delicadas e difíceis, com as principais instituições oriundas de Bretton Woods, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Não ignora, tampouco, que um dos mecanismos decisivos na geração do empobrecimento social é a crise do emprego, lamentavelmente em expansão na Argentina, como de resto em todo o nosso continente, inclusive no Brasil. E trata-se de uma crise que não é conjuntural; antes, tem fundo estrutural, que dificulta e eventualmente inibe a sua rápida superação. Ademais, a economia, alheia às intenções e aos raciocínios daqueles que pretendem situá-la na categoria das ciências exatas, alimenta-se da subjetividade da percepção e das idiossincrasias dos agentes que formam o mercado. Por mais inacreditável que pareça, no mundo da nova economia, o Estado e seus principais agentes vêem-se constrangidos, cada vez mais, ao limitado papel de coadjuvantes.

Igualmente não é lícito desconsiderar a herança recebida por Kirchner e o pouco de alento que ela é capaz de produzir em cada um dos argentinos: no ano passado, a economia encolheu quase 11% - tendo chegado a 25% a queda do PIB em todo o período recessivo -, o desemprego ronda os 18% e quase 60% da população situa-se na faixa de pobreza.

Consciente de todas essas vulnerabilidades e reconhecendo, como fez em seu discurso de posse, que “o mercado organiza economicamente, mas não articula socialmente”, Kirchner sabe que o Estado “tem o dever de levar igualdade onde o mercado exclui e abandona”. Assim, será possível desfazer as graves distorções engendradas pela prevalência do interesse econômico sobre o social.

Um aspecto que julgo extremamente importante na pauta de preocupações do novo Presidente argentino, e quero aqui ressaltar, por coincidir com a agenda do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é a retomada do Mercosul. A história mostra como sofrem reveses e são longos os processos de integração econômica. Lembremo-nos da trajetória do que hoje conhecemos como União Européia, abarcando 15 nações às quais logo se somarão outras dez, do Leste europeu. Foi uma paciente tessitura de mais de cinco décadas, cujo processo de integração começou em maio de 1950, quando a França propôs oficialmente a criação da federação européia.

Ora, o nosso Mercosul, obra formidável da visão e da inteligência política do Presidente José Sarney, no Brasil, e de seu colega argentino, Raúl Alfonsín, com a Declaração de Iguaçu, que sepultou décadas de mútua desconfiança e recorrentes rivalidades, somente agora atinge a maioridade, pois tudo só começou em 1985. Abalado pela ciclotimia econômica e, muitas vezes, política dos diversos parceiros, o bloco econômico acusou, nos últimos anos, golpes quase mortais. Retoma, agora, gradualmente, os instrumentos indispensáveis para a sua plena recomposição contando, sobretudo, com a determinada e explícita vontade política dos líderes daqui e do Prata para o seu reerguimento.

Poucas vezes, na história de nosso relacionamento bilateral, Brasília e Buenos Aires estiveram tão afinadas - ousaria dizer irmanadas -, somando vontades e conjugando iniciativas concretas convergentes, como agora. Lula e Kirchner estão realmente dispostos a afastar os óbices e a superar as debilidades que ainda comprometem a proposta do bloco. Sabem os dois Presidentes que no mundo contemporâneo só conseguirão fazer seus países alcançarem o desenvolvimento sustentável pela via das alianças, pelo entendimento, pela descoberta e pelo respeito a culturas distintas, mas complementares. 

No momento em que recebemos a visita do ilustre Presidente argentino, expresso aqui minha grande e positiva expectativa em torno da administração de Néstor Kirchner. Que seja muito bem-sucedida na missão que lhe confiou o povo argentino. E torço, também, para que juntos, nossos países consigam materializar e tornar operante o Mercosul, com benefícios diretos para todos os brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/2003 - Página 15117