Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da reforma política, destacando a questão da fidelidade partidária, a proibição da coligação partidária, a cláusula de barreira e o financiamento público de campanha.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Importância da reforma política, destacando a questão da fidelidade partidária, a proibição da coligação partidária, a cláusula de barreira e o financiamento público de campanha.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/2003 - Página 15122
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • REGISTRO, DEMORA, CAMARA DOS DEPUTADOS, EXAME, PROPOSTA, REFORMA POLITICA, ORIGEM, SENADO.
  • REGISTRO, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, BRASIL, EFICACIA, PROCESSO ELEITORAL, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, EXERCICIO, GOVERNO.
  • COMENTARIO, REFORMA POLITICA, REFERENCIA, FIDELIDADE PARTIDARIA, PROIBIÇÃO, COLIGAÇÃO, CLAUSULA, REFORÇO, PARTIDO POLITICO, LIMITAÇÃO, INFERIORIDADE, VOTO, FINANCIAMENTO, SETOR PUBLICO, CAMPANHA ELEITORAL.

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DISCURSO PRONUNCIADO PELO SR. SENADOR JOSÉ JORGE, NA SESSÃO NÃO DELIBERATIVA ORDINÁRIA DE 19/05/2003, QUE, RETIRADO PELO ORADOR PARA REVISÃO, PUBLICA-SE NESTA EDIÇÃO.

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O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como todos sabemos, a reforma política é um assunto de urgência máxima e importância incontestável para a sociedade brasileira. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional duas reformas constitucionais encaminhadas pelo Executivo: as reformas da Previdência e tributária. Temos também, nesta Casa, a reforma do Judiciário, que já tramitou na Câmara dos Deputados. Mas a reforma política, apesar de já haver tramitado, através de projetos de emenda constitucional, lei complementar e projeto de lei, no Senado, não recebeu, ainda, qualquer análise importante pela Câmara Federal.

A reforma política carrega em seu bojo uma conotação democrática muito grande - ponto de vista no qual já evoluímos bastante - haja vista que realizamos eleições com um número cada vez maior de eleitores, acrescentando novos personagens no processo eleitoral, como jovens entre 16 e 18 anos que exercem com alegria e elevado espírito de cidadania o seu direito de voto, ainda que facultativo, o mesmo se dando com os idosos; além dos analfabetos que também ganharam o direito de votar a partir da Constituição de 1988. Talvez o Brasil seja, hoje, o País que apura o maior número de votos, o que fortalece a democracia. Nossos últimos Presidentes têm sido de Partidos diferentes. Recentemente o Presidente Fernando Henrique Cardoso foi substituído pelo Presidente Lula, seu maior oposicionista. E essa substituição foi realizada sem qualquer anormalidade, nem mesmo na apuração dos votos. Portanto, a democracia já parece bastante consolidada.

Há, no entanto, casos recentes bastante controversos no cenário internacional quanto à escolha dos mandatários de alguns países importantes como a eleição do Presidente George W. Bush, nos Estados Unidos, na qual houve grande confusão na apuração. Na Argentina, um dos candidatos renunciou ao segundo turno. Talvez o candidato eleito, dessa maneira, tenha maior dificuldade em impor sua autoridade, por prescindir de legitimidade. Enquanto que, aqui no Brasil, praticamente em todo o território nacional, o sistema de apuração dos resultados eleitorais é completamente informatizado, transparente e eficiente, dando excelentes resultados.

Então, a nossa democracia está consolidada, mas é preciso consolidar a governabilidade, ou seja, a possibilidade do Presidente eleito ter efetiva condição e maioria parlamentar para governar de forma tranqüila e aprovar os seus projetos. Não tivemos isso no tempo do Presidente Fernando Henrique nem o temos agora com o Presidente Lula. No mandato de Fernando Henrique Cardoso, apesar de sua base ser formada pelo PSDB, PMDB, PFL, PPB, com mais de 400 deputados, na verdade, havia sempre dificuldades nas votações na Câmara e, com menos razão, aqui no Senado.

Agora, o Presidente Lula também, com uma base eleitoral menor, e conseguindo pouco apoio de outros Partidos, está aliciando Deputados de Partidos da Oposição, como é o caso do PSDB e do PFL, que não fazem parte da base do Governo. Já há casos de Deputados dos PSDB e do PFL que se filiam a Partidos menores para apoiar o Governo do Presidente Lula. Isso já aconteceu com cerca de 70 Parlamentares em menos de um semestre de funcionamento do Congresso na nova legislatura.

Verificamos com isso que, na realidade, o sistema político não está funcionando a contento. No primeiro momento em que isso é possível, parlamentares saem rapidamente de seus partidos e agregam-se a outros que lhes possam oferecer alguma vantagem momentânea.

Gostaria de citar quatro pontos da reforma política que, de certa maneira, foram discutidos no Senado, aprovados e encaminhados à Câmara, onde ainda não foram votados. São os seguintes: primeiro, a fidelidade partidária; segundo, a proibição da coligação proporcional; terceiro, a cláusula de barreira e em quarto, o financiamento público das campanhas eleitorais. Farei um pequeno comentário sobre cada um desses pontos.

A fidelidade partidária talvez seja o ponto da reforma política onde é maior a dificuldade de proceder-se alterações na legislação, tendo em vista que, para modificá-la, teria que haver uma emenda constitucional, de difícil tramitação. Então, o Senado aprovou um projeto que amplia o prazo de filiação para as candidaturas nos pleitos. Por exemplo, atualmente, o prazo é de um ano para que qualquer pessoa possa candidatar-se a uma determinada função ou cargo. O candidato necessita de um ano de filiação partidária. A idéia do Senado foi exatamente de ampliar esse prazo, de preferência para três ou quatro anos, para aqueles que já têm filiação partidária. Isso é, quem já fosse filiado a um partido precisaria ficar, por três ou quatro anos, filiado a ele antes de poder trocá-lo por outro. Por exemplo, suponhamos que eu quisesse deixar o PFL para ingressar em outro partido: nesse caso, eu necessitaria ter ficado por três anos no PFL para poder mudar. Na prática, isso significa que toda vez que alguém mudar de Partido, fica impedido de disputar a próxima eleição, já que esta é de dois em dois anos se levarmos em conta as eleições nacionais e as municipais. Essa é uma maneira indireta de fazer com que os parlamentares ou todos aqueles que têm filiação partidária tenham um compromisso maior com o partido ao qual pertence, sem que haja necessidade de alterar a Constituição, visto que uma proposta de emenda constitucional tem uma tramitação mais complexa.

Quanto à proibição da coligação proporcional, hoje há mais de 50 partidos no Brasil, e muitos deles só funcionam em épocas eleitorais. Essa proliferação de agremiações partidárias que, muitas vezes, funcionam como legendas de aluguel, traz muita confusão à cabeça do eleitor, que não sabe em que partido está votando e quais são os partidos reais e efetivos existentes no País.

Há um princípio para coligações. Com a grande quantidade de partidos, é evidente que há necessidade de coligação entre os partidos para os cargos majoritários. Por exemplo, em Pernambuco, nas últimas eleições, o candidato a governador pertencia ao PMDB, o atual Governador Jarbas Vasconcelos, o candidato a vice-governador era do PFL; e os candidatos ao cargo de senador: o Senador Marco Maciel, vinha do PFL, e o Senador Sérgio Guerra, do PSDB. Os partidos se juntaram e formaram uma coligação necessária para a eleição majoritária que venceu a outra coligação, formada pelo PT, pelo PTB etc.

Pelas regras atuais, a coligação proporcional torna-se extremamente difícil para os candidatos filiados aos grandes Partidos, Torna-se difícil compor uma chapa de candidatos proporcionais para vereador, deputado estadual ou para deputado federal. Partidos pequenos, que muitas vezes se coligam com outros também pequenos, escolhem os candidatos entre aqueles que recebem muitos votos. Ou seja, escolhem o candidato pela capacidade de obter votos. Muitas vezes, um vereador necessita de três mil votos para se eleger por um desses partidos ou uma dessas coligações, enquanto precisaria de cinco, seis ou sete mil para se eleger pelo PT, pelo PFL ou pelo PMDB. Tal situação gera um clima de injustiça que causa insegurança àqueles que pretendem se eleger em uma eleição proporcional para vereador, deputado estadual ou deputado federal. Os candidatos, na verdade, escolhem o partido pelo qual vão se candidatar não pelo programa partidário, pela ideologia ou pela estrutura; mas porque o partido vai se coligar com partidos menores, o que permitirá ao candidato se eleger com menor número de votos.

Acredito que se o projeto for aprovado na Câmara proibindo a coligação proporcional, todos os partidos terão que funcionar de forma integral durante todo o período, para que possam ter uma chapa efetiva de candidatos e eleger aqueles que têm maior número de votos.

Quanto à cláusula de barreira, que também foi bastante discutida no Senado, houve até a idéia de incluir no projeto a possibilidade da criação de uma federação de partidos que funcionariam de forma integrada não só na eleição, mas também durante o funcionamento do Legislativo, para permitir que os menores partidos disputassem a eleição e pudessem funcionar no Congresso de forma integrada. Na verdade, a única maneira de fortalecer partidos efetivos é com a cláusula de barreira. A outra maneira, dificultar a criação de partidos, é antidemocrática de certa forma, porque todas as tendências devem estar representadas no Congresso caso recebam votos para isso. Se uma determinada tendência não está representada no Congresso, ela pode vir a escolher o mau caminho de partir para a guerrilha ou para o terrorismo, no intuito de externar suas opiniões. Se novas idéias vão surgindo, teoricamente devem surgir novos partidos que vão exatamente representar aquelas idéias. O Partido Verde, na Alemanha, por exemplo, demorou anos para ter representação no Congresso, até que, em determinado momento, atingiu o número de votos mínimo e hoje participa do Congresso e até mesmo do Governo, porque o Partido Verde hoje faz parte da coligação que está no poder. Então, efetivamente, se todos esses partidos pequenos formarem federações, eles poderão mais facilmente alcançar o número mínimo de votos em determinado número de Estados e ter uma representação efetiva no Congresso, sem que a Câmara fique, muitas vezes, com 15 ou 20 partidos diferentes sendo representados, quando, na realidade, alguns deles não representam nenhuma idéia, nenhuma parcela da população.

O último ponto é a questão do financiamento público das campanhas eleitorais. Sobre o assunto, que considero o ponto mais polêmico de todos, tendo em vista a legislação eleitoral que temos no Brasil, já foi aprovado um projeto no Senado e encaminhado para a Câmara. Os países que adotam o financiamento público das campanhas eleitorais têm outras formas de eleição dos seus candidatos proporcionais: ou são candidatos por lista, ou são candidatos através de distritos. Pois, quando se tem uma candidatura por lista ou através de distritos, tem-se uma eleição única, que é a eleição partidária. Por exemplo: o Estado de Pernambuco vai ter uma eleição para Deputado Estadual, uma para Deputado Federal, uma para Senador e uma para Governador. Se os Deputados Estaduais forem eleitos por lista, assim como os Deputados Federais, e temos as candidaturas majoritárias para Senador e Governador, então tudo isso é uma eleição só, ou seja, todos aqueles que vão participar da eleição estão incluídos numa única eleição, porque os candidatos a Deputados Federais vão ser votados todos numa única lista preparada anteriormente. A mesma coisa se a votação for por distrito, porque cada distrito vai ter um único candidato e, então, a eleição vai ser em todo o Estado. Quem for do PFL vai votar no distrito “a”, quem for de outro partido vota no distrito “b”, e assim por diante. Teremos uma eleição única. Porém, aqui no Brasil, com uma eleição para Deputados Federais e outra para Deputados Estaduais, realizando-se a votação nominal para cada deputado, é muito difícil haver financiamento público, porque não é uma eleição única a ser realizada.

Por exemplo, no Estado de Pernambuco ou do Amazonas, do Senador Mestrinho, quando houver uma eleição, haverá a de governador, de senador, que poderá ser uma eleição só, integrada. Mas para cada deputado federal é uma eleição diferente. Cada deputado federal tem que ter a sua estrutura própria, porque, às vezes, um deputado do PFL, por exemplo, disputa um eleitor até mais com um candidato do próprio partido do que com o de outro.

Se considerarmos que temos 27 Estados e se em cada um deles houver, por exemplo, 100 candidatos a deputado federal e 200 a deputado estadual, haverá milhares de candidatos, e ninguém sabe como se dividirá esse dinheiro.

Penso, na realidade, ser muito bom e muito útil que se faça o financiamento público de campanha aqui no Brasil. Mas, antes disso, temos de implantar um sistema de votação para deputado federal, estadual e vereador que mude a votação nominal, para aquela procedida por lista, ou, então, que seja distrital, para permitir que o financiamento vá diretamente ao partido.

Imaginemos a situação atual em uma eleição no Piauí, por exemplo, Estado do Senador Mão Santa. O Partido de S. Exª, o PMDB, terá candidato a governador, a senador, 20 candidatos a deputado federal e 40 candidatos a deputado estadual. Quando o dinheiro do financiamento de campanha chegar, ele terá que ser dividido igualmente entre o candidato majoritário, o candidato a deputado estadual e o candidato a deputado federal.

Então, dessa maneira, a população não aceitaria a distribuição desses valores aos candidatos para que eles os usassem na sua própria campanha. Dessa maneira, nós voltaríamos ao pior dos mundos, anterior a esse sistema atual, em que não era permitido aos candidatos receberem recursos, mas a maioria deles recebia e não prestava contas. Hoje é permitida uma parte de financiamento público, que é repassado para os partidos através do fundo partidário, e se permite que a outra parte seja recebida pelos candidatos a senadores e deputados, de recursos próprios ou de terceiros, mas devendo-se prestar contas para que a população fique sabendo de onde esses recursos vieram.

Acho que essa questão do financiamento público de campanha tem que ser bastante debatida para que não fiquemos na difícil situação de não termos recursos públicos da campanha para todos, sendo financiados apenas os candidatos majoritários, por um lado, e, por outro lado, impedindo-se de se ter outras fontes de financiamento.

Dessa forma, tendo havido a deliberação desses quatro pontos no Senado, torna-se necessária a sua discussão e votação na Câmara dos Deputados, para que, caso haja alguma modificação na proposta, ela volte para esta Casa para que nós, definitivamente, possamos aprová-la.

Concluindo, quero dizer que nós, do PFL, estamos, há muito tempo, dando prioridade às questões da reforma política. Infelizmente, na legislatura anterior não conseguimos aprová-la. Agora, novamente, a reforma política não está recebendo uma tramitação prioritária por parte do Governo. A reforma da previdência e a reforma tributária são necessárias. Mas, sem sombra de dúvida, a reforma política é a mais importante. É ela que vai garantir a governabilidade do País sem a necessidade de colocar o Executivo, constantemente, em mesas de negociações pontuais, pessoais e individuais, causando um desgaste, tanto para o Legislativo quanto para o Executivo.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Pois não, Senador Gilberto Mestrinho.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Efetivamente, V. Exª tocou em um ponto importante: a necessidade da reforma política. Ela deveria preceder todas as reformas para que o País possa ter uma estrutura política capaz de desenvolvê-lo, para que os estamentos do Governo possam ser estabelecidos de acordo com os Partidos conseqüentes. A reforma política, sob o meu ponto de vista, deveria ser uma iniciativa do Congresso, nossa. Temos sempre a mania de depender do Governo. Esperamos que o Governo faça aquilo que quer, depois o atacamos pelos erros que cometeu. Cabe a nós formular um projeto que, efetivamente, dê ao País a estrutura política correta, organizada, consentânea com a realidade brasileira. Não podemos ter 30 partidos, muitos sem expressão, verdadeiras legendas de aluguel. Sobre a questão do sistema de financiamento público, se não houver previamente uma reforma política, uma boa estrutura partidária, vai ser muito difícil fazer financiamento público porque este só terá efeito no sistema de lista partidária distrital. De outra forma, dariam R$ 2 mil para cada candidato, o que não iria adiantar nada. Congratulo-me com V. Exª por abordar um tema importante e por dar a dimensão exata do que representa a reforma política para o interesse nacional. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Realmente, V. Exª tem grande experiência ao participar de dezenas de eleições para Governador, Senador e Deputado. Considero muito importante o aparte que V. Exª fez. Realmente, estamos na mesma linha: a reforma política deve ser a prioridade do Congresso. Concordo, também, que a reforma política deve ter sua origem no Congresso. No entanto, em um regime presidencialista, o Executivo é uma espécie de catalisador de opiniões. No Congresso, principalmente com a grande quantidade de partidos que temos, há uma tendência a nos dispersarmos em opiniões diferentes. O Executivo, no caso, tem uma capacidade muito grande de catalisar essas opiniões para que sigam em determinada linha. Ou seja, é necessário um trabalho efetivo do Congresso nessas reformas, mas também uma participação do Executivo, para que possamos discutir a linha de votação, favorável ou contrária, mas, de qualquer maneira, tendo o Executivo como catalisador.

Sr. Presidente, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/2003 - Página 15122