Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Elogios ao trabalho da recém instalada comissão parlamentar de inquérito temporária que analisa a exploração sexual da criança e do adolescente.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Elogios ao trabalho da recém instalada comissão parlamentar de inquérito temporária que analisa a exploração sexual da criança e do adolescente.
Aparteantes
Leonel Pavan, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2003 - Página 15783
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • ELOGIO, MANIFESTAÇÃO, APOIO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • APREENSÃO, PROGRAMA, TELEVISÃO, EXPLORAÇÃO, IMAGEM VISUAL, CRIANÇA, ANTECIPAÇÃO, SEXUALIDADE, INFANCIA, POSSIBILIDADE, INCENTIVO, VIOLENCIA, SEXO.
  • LEITURA, ENTREVISTA, JOSE BONIFACIO DE OLIVEIRA SOBRINHO, EX PRESIDENTE, EMISSORA, TELEVISÃO, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, QUALIDADE, PROGRAMAÇÃO, INSUFICIENCIA, INFORMAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, EMPENHO, CONGRESSISTA, EMPRESARIO, PAES, PROFESSOR, OFERECIMENTO, ALTERNATIVA, PROGRAMA, DESTINAÇÃO, CRIANÇA, INCENTIVO, APRENDIZAGEM, CRIATIVIDADE.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, indicada pelo meu Partido, o PMDB, faço parte da Comissão Parlamentar que, sob a presidência da ilustre Senadora Patrícia Saboya Gomes, vai apurar as situações de violência e exploração sexual de crianças e adolescentes. Acompanho o empenho e a dedicação da Senadora Patrícia Saboya Gomes, que, desde os primeiros dias do seu mandato, trabalhou para a instalação dessa Comissão. Conhecendo a carreira política de Patrícia, sei o quanto é profunda sua preocupação com a qualidade de vida de nossas crianças e adolescentes. Além disso, basta observar os nomes que compõem a Comissão para saber quanto de capacidade e experiência está ali reunido. Portanto, não tenho qualquer dúvida sobre o valor do trabalho a ser feito.

Digo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para deixar bem clara minha inteira adesão ao trabalho a que se propõe a Comissão. Mas, paralelamente, quero fazer uma reflexão que, tenho certeza, será também compartilhada por muitos dos meus Pares.

Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente, sei que vou pisar em terreno movediço, perigoso, mas é preciso ter a coragem de enfrentar os obstáculos e as conseqüências do que afirmamos, se o nosso desejo é avançar. Ficaram bem gravadas em mim as palavras do Senador Marco Maciel ao afirmar que a instalação dessa CPI “envolve o aprimoramento da democracia e a prática da cidadania, que começa na infância”.

Ainda na semana passada, em audiência pública na Subcomissão Permanente de Cinema, Comunicação e Informática, ouvi de um dos convidados que, em se tratando de comunicação, a ingerência do Estado é perigosa, porque pode atentar contra a liberdade de expressão. Num primeiro momento, essas palavras me soaram como um alerta, um sinal amarelo que adverte para o perigo iminente: “Atenção! Aqui é preciso muito cuidado”. Afinal de contas, a liberdade de expressão é uma reconquista recente da nossa história. É nosso dever trabalhar para que essa liberdade se fortaleça e para que nunca mais tenhamos de viver momentos de opressão, de silenciamento.

Mas, num segundo momento, Sr. Presidente, eu me perguntei: de que liberdade nós estamos falando? Da liberdade das empresas ou da liberdade dos cidadãos? Da liberdade de determinados núcleos de produção audiovisual voltados apenas para os interesses comerciais, ou da liberdade de todos os brasileiros? É, neste ponto crucial, a discussão sobre a quem pertence a liberdade de expressão, que situo o questionamento que faço agora.

Nas últimas décadas, os brasileiros, sejam parlamentares, membros do Executivo ou a sociedade organizada, têm colocado grande empenho na defesa das crianças e adolescentes. Leis, programas de governo, ações de organizações não-governamentais voltam-se para a libertação de crianças e adolescentes do trabalho escravo, para sua inclusão na escola, melhoria da qualidade de vida no presente e boa formação no futuro. Mas, paralelamente, assistimos a um poderoso empenho no sentido contrário. Trata-se, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, da erotização prematura de nossas crianças, um estímulo a todos os abusos.

Há mais de um século, desde Freud, a humanidade não ignora a existência da sexualidade infantil, mas, da mesma forma que um bebê de seis meses dispõe de um aparelho digestivo e, nem por isso, vamos oferecer-lhe uma feijoada, toda criança é sexualmente ativa, mas não podemos esquecer que é ainda uma criança. E, dessa forma, não pode, nem deve ser exposta e incentivada à prática do seu potencial erótico, porque ainda não tem a maturidade necessária.

Mas é isso, exatamente, que parte - fique bem claro - da nossa indústria audiovisual vem fazendo ao transmitir para a telinha da TV, em horário voltado para o público infantil, programas que exibem e exploram o erotismo, seja no comportamento, seja nos figurinos dos apresentadores e apresentadoras ou de quem quer que seja que ali compareça.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Ouço o aparte do Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Peço desculpas por interromper o brilhante discurso de V. Exª, que é altamente orientador, segue a linha de quem conhece a grande dificuldade por que passam a infância e a juventude hoje no País. Todos os meios estão à disposição das crianças. Ouvindo V. Exª, não pude deixar de me angustiar com o tema, que é tão importante e que cala fundo na nossa alma. Tenho nove netos, entre dezesseis a um ano de idade, e constato tudo aquilo que V. Exª está falando, o que eles estão passando e provavelmente sentindo ou recebendo como uma coisa normal, rotineira. É importantíssimo que essa CPI, para a qual V. Exª foi indicada por seu Partido, nasça da sensibilidade da mulher. A mulher tem um alcance muito mais profundo do que o homem naquilo que diz respeito à integração da família, que sofre a desestruturação por todos esses motivos que V. Exª está descrevendo. Menciono, como Diretor da Polícia Federal, que certa vez fomos entrevistados pelo Gilberto Dimenstein, jornalista que escreve muito sobre a exploração de menores em várias atividades criminosas e a exploração sexual de menores, e prestamos algumas informações. Havia, na região do Estado do Pará, alguns tipos dessas atividades. Fizemos algumas operações lá. É degradante, é angustiante, é terrivelmente antagônico a tudo que a sociedade e a cristandade podem ensinar. Meninas, não pela idade, mas pelo peso, eram vendidas para a prostituição. Doze, treze anos, não importava; eram vendidas por peso, Senadora, por peso! E havia o consentimento da família! Restituímos essas meninas, tirando-as das falsas boates, exploradas por bandidos, e as famílias iam revendê-las. Então, esse é um trabalho que tem que ser aplaudido, estimulado, e aperfeiçoado, mas, sem dúvida, tendo todo o apoio e interesse do governo, porque a CPI passa; ela faz, relata e depois o resultado foge a toda e qualquer possibilidade de participação de quem, com entusiasmo, com esforço, com sacrifício pessoal se integrou a essa atividade. Vou ficar acompanhando e quero ficar à disposição para tudo o que eu puder ajudar, porque é importante, vital para o futuro deste País preservar e garantir a estabilidade das crianças que hoje vivem numa situação difícil, tendo acesso a toda e qualquer informação, trazendo conseqüências graves para a família, como o uso de drogas. Além disso, há as crianças abandonadas ou que já estão delinqüindo desde os doze, treze anos de idade. Obrigado por permitir a minha intervenção, Senadora.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Sou eu quem agradece, nobre Senador, pelo aparte. Ao fazê-lo, V. Exª acrescenta e engrandece o meu pronunciamento.

Depois de ouvir o aparte do nobre Senador Leonel Pavan, vou continuar com esse tema delicado que diz respeito a imagens que recebemos diariamente em nossas casas. Muitas vezes não temos a percepção, pelo nosso dia-a-dia, pelas nossas ocupações, e nem a oportunidade de estarmos presentes à informação que a criança está recebendo, informação que muitas vezes pode deformar o seu caráter futuramente.

Ouço, com muito prazer, nobre Senador Leonel Pavan, o aparte de V. Exª.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Quero cumprimentá-la, Senadora Íris de Araújo, pelo brilhante trabalho que vem fazendo no Senado em defesa das nossas crianças. Primeiramente, com o objetivo de contribuir, penso que deve haver um programa, uma ação mais forte, mais dura em relação à programação exibida pelas TVs do nosso País. Ficamos preocupados, quando ligamos a televisão, com a possibilidade de serem exibidas cenas provavelmente nada aconselháveis a qualquer família que quer o bem-estar de todos os seus membros. É preciso haver um trabalho muito forte em cima dos programas de televisão. Em segundo lugar, manifesto que poderemos resolver grande parte desses problemas municipalizando as ações. Não adiante fazermos projetos vigiados de cima. Precisamos de projetos em que o município, o prefeito, os vereadores, os Lyons, os Rotaries, as Ongs, a sociedade possa integrar-se, ajudando nesse trabalho de conscientização, nesse trabalho de formação de famílias. Mas para isso precisamos de recursos. Aí entra a União, que deve repassar os recursos para o município, pois é ele que conhece o seu problema. Quero dizer à nobre Senadora que às vezes a falta de uma política social, de investimento na educação, no lazer, na saúde, na habitação, no emprego, gera esses crimes, gera a violência. No Governo Fernando Henrique Cardoso tivemos inúmeros projetos que vieram em benefício da sociedade brasileira, que vieram em benefício dos nossos adolescentes, impedindo a evasão escolar. Por exemplo, a bolsa-escola, a bolsa-alimentação, o PETI, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, a bolsa-qualificação, o Agente Jovem, o Programa de Saúde da Família. Enfim, foram tantos e tantos projetos do Governo Fernando Henrique Cardoso que deram certo. Hoje, às vezes, fico preocupado, Senadora, quando vejo que estão desviando esses assuntos, querendo liquidar esses projetos sociais com intuito político apenas, dizendo que se vai criar outro. Não se pode mexer naquilo que está dando certo. Na minha cidade, Balneário Camburiú, onde o município cuidava das ações, Senadora, onde a sociedade, onde a comunidade, em parceria com o Poder Público, cuidava e cuida dos projetos com os idosos, com as mulheres, com as crianças, na área mais carente, consegue ser a primeira cidade em qualidade de vida de Santa Catarina, no IDH e no IDS, e a nona cidade em qualidade de vida do Brasil, graças a parcerias. Então, é preciso que o Governo Federal municipalize essas ações, enviando recursos para setores que possam empregar o dinheiro corretamente. Aí, certamente, teremos uma sociedade mais justa e igualitária. Parabéns pelo seu trabalho, com certeza o seu pronunciamento vai ecoar e vai conseguir apoio do Governo Federal e também dos governos municipais.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço ao nobre Senador pelo aparte que qualifica e engrandece o meu pronunciamento.

A par de tudo isso que V. Exª coloca neste momento, de ações, de programas de governo, que concordo plenamente, acredito que o que está dando certo não deve ser finalizado, deve ser continuado, porque há uma exigência da sociedade em que se faça mais e mais neste sentido. Mas especificamente, Senador Pavan, foi ótimo V. Exª tocar nesse assunto. É bom lembrar que, muitas vezes, apesar de todos esses programas, de todas as ações desenvolvidas por governos de épocas passadas ou do presente, temos de estar atentos ao que está acontecendo no Brasil em termos de imagem e de televisão.

No início, disse que tocaria num assunto perigoso. Seria praticamente estar andando sobre areia movediça. No entanto, continuo para esclarecer e chegar ao final do que pretendo com esse pronunciamento.

Basta olhar para as crianças nos shoppings e nas feiras populares. Grande parte de nossas meninas, às vezes quase bebês, vestem-se hoje como mulheres adultas, com roupas que destacam as qualidades eróticas do corpo humano. Essas crianças, no natural exercício da imitação que caracteriza a infância - a criança aprende pelo que vê e ouve -, são pobres clones de famosos ou famosas - “celebridades” que estão no comando da tela, simplesmente por terem conquistado a notoriedade. Não importa nem mesmo o motivo que as levou à conquista da fama, na maioria das vezes meteórica.

Observem, Srªs e Srs. Senadores, as danças que são ensinadas em programas de tevê no horário infantil. Sinceramente, aquele rebolar frenético, aquela exibição de seminudez, com a câmera focada em detalhes anatômicos... são imagens de preocupar qualquer educador!

Sou favorável à dança, inclusive nas escolas, à música, à iniciação artística das crianças. O balé clássico foi introduzido nas favelas do Rio de Janeiro com ótimos resultados educativos e artísticos.

Não me incomodo de ser vista como conservadora, porque é este mesmo o meu intuito: conservar a infância de nossas crianças. Sei que, ao criticar programas de televisão, entro numa área sensível, complexa, onde é fácil ser visto como censor. Mas corro esse risco e assumo minhas responsabilidades como mulher e como senadora.

Neste fim de semana, lendo a entrevista das páginas amarelas da revista Veja, percebo que não estou sozinha na minha avaliação de determinados programas da tevê brasileira.

Ouçam o que diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que, em parceria com o falecido Walter Clark, renovou a programação da nossa tevê:

A tevê brasileira está ruim, [afirma Boni] porque se instalou uma mentalidade imediatista nas emissoras. Eles pensam na programação minuto a minuto, entram em brigas de foice por um ponto de audiência e, nesse processo, acabam fazendo concessões desnecessárias ao mau gosto. Televisão não é só o imediato, nem mesmo do ponto de vista comercial.

E, mais adiante, acrescenta:

(...) o melhor espetáculo do mundo é o ser humano. Ele está sendo desprezado nesses programas policiais, nesses shows de auditório que lidam com o mundo-cão. Esprema um programa desses qualquer: sobram dez minutos de informação. O resto é gritaria e redundância. A atração é sempre um criminoso, é o sujeito que tem um desvio sexual qualquer, é o que destruiu a família. Enquanto isso, dá-lhe merchandising de creme para cabelo. Consumismo associado ao pior do ser humano: essa fórmula tem de parar.

Suprimi uma frase de Boni nesse trecho, que diz: “eu baniria todos esses programas da tevê!” Não é essa a minha proposta, até porque o profissional pode fazer esse saudável banimento de dentro para fora. O que não é papel de um senador. Mas é, certamente, nosso papel criticar politicamente esse tipo de programação. Primeiro, porque oferece a meninos e meninas uma imagem muito parcial do que seja uma mulher. Uma imagem do corpo reduzido a objeto. E isso todo santo dia, repetidamente, como uma lavagem cerebral.

E, assim, estamos fazendo um trabalho de Sísifo, levando a pedra até o cimo da montanha, para deixá-la rolar até embaixo...fazendo um esforço tremendo para melhorar os horizontes da nossa população infantil, enquanto setores da poderosa força da comunicação trabalham no sentido contrário, num estímulo constante à erotização precoce. Não é de surpreender que, de ano para ano, aumentem os números relativos à gravidez de adolescentes.

Não proponho censura, longe de mim. Nem proponho sequer novas iniciativas legais. Mas peço a todos, parlamentares, executivos, pais e educadores que, juntos, trabalhemos para oferecer alternativas melhores para nossos meninos e meninas. Produções como a respeitadíssima série do “Castelo Rá Tim Bum”, da TV Cultura, ou o “Sítio do Picapau Amarelo”, que já foi um grande sucesso e retornou novamente à telinha, são exemplos de espetáculos que respeitam a infância das crianças, trabalham sua imaginação, estimulam bons hábitos e criatividade.

Mas programas de televisão podem também ser uma forma de exploração e violência contra a infância, negando-lhe a cidadania pela qual tanto lutamos.

Basta da exploração comercial de nossas crianças!

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2003 - Página 15783