Discurso durante a 82ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de ampliação das campanhas institucionais de prevenção ao câncer de mama.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Necessidade de ampliação das campanhas institucionais de prevenção ao câncer de mama.
Aparteantes
Augusto Botelho, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2003 - Página 15978
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, INCIDENCIA, CANCER, MULHER, AUMENTO, NUMERO, DOENTE, MUNDO, DIFICULDADE, DIAGNOSTICO, DOENÇA, INSUFICIENCIA, INFORMAÇÕES, PREVENÇÃO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ORGANIZAÇÃO, CAMPANHA, CONSCIENTIZAÇÃO, NECESSIDADE, PREVENÇÃO, CANCER, MULHER, SOLICITAÇÃO, GOVERNO, FACILITAÇÃO, ACESSO, EXAME, AUMENTO, QUANTIDADE, EQUIPAMENTOS, CAPACIDADE, DESCOBERTA, DOENÇA.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, antes de iniciar as minhas palavras sobre o tema a que me proponho neste dia, eu não poderia deixar de fazer uma referência neste momento às palavras do nobre Senador Mão Santa. V. Exª conseguiu transmitir, de certa forma, um pensamento que toda a Nação neste instante comunga, Senador Mão Santa. Temos visto, o Senador Paulo Paim, o Senador Sibá Machado e todos os Senadores aqui presentes, a presença do nosso Presidente, procurando em várias ocasiões, falando à Nação, transmitir a confiança de que um projeto que se estabeleceu no momento em que ele se elegeu Presidente da República vai se tornar realidade.

Mas acredito também, Srªs e Srs. Senadores, que temos uma responsabilidade junto ao Presidente da República. Representamos toda essa base forte que o apoiou e que o elegeu, na esperança de que houvesse uma mudança neste País, e cabe a nós, Senadores - principalmente Senadores experientes, que foram Governadores de seus Estados, como, no caso, o Senador Mão Santa, que governou tão bem o Piauí, com projetos que renderam benefícios ao povo de seu Estado -, cabe àqueles que têm experiência de projetos vitoriosos apresentá-los aqui, levá-los ao conhecimento do Presidente da República, porque isso faz parte da responsabilidade que todos temos, pois a responsabilidade de governar não é apenas do Presidente, é de todos nós que compomos essa base de apoio, de todos os brasileiros que votaram e confiaram nele.

Nesse sentido, amanhã farei novamente um pronunciamento, apresentando um projeto de construção de casas, que foi feito em Goiás, que considero da maior importância, como nossa contribuição.

Hoje, o tema sobre o qual vou discorrer diz respeito a uma coisa que me toca muito. Tenho defendido desta tribuna, inúmeras vezes, as mulheres, porque eu as represento; tenho que defendê-las, tenho que buscar em cada olhar, em cada gesto, em cada expressão feminina um componente ou uma força para que eu aqui, desta tribuna, possa transformar aquilo que tenho dito para aquelas que não têm vez e não têm voz a voz e a vez.

Tenho dito sobre a violência, essa violência que corrói as estruturas familiares, leva nossos jovens ao vício e, quase sempre, resulta em danos irreparáveis.

Pois o tema que me traz aqui, hoje, não deixa de trazer embutida uma forte dose de violência. Não a violência das ruas - aquela do narcotráfico, dos assaltos, dos seqüestros; ou aquela que, por suas próprias características, mais facilmente nos leva à indignação. Na verdade, a violência contra a sociedade brasileira de que quero tratar neste momento é mais silenciosa, é mais sutil, é mais ardilosa, mas nem por isso menos danosa. Falo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, do câncer de mama - e aqui visto a camiseta da campanha contra o câncer de mama. Fiz, inclusive, ser distribuído aos Gabinetes de todas as Srªs e de todos os Srs. Senadores um folheto a respeito. Aliás, temos hoje aqui a presença de dois médicos, que, por serem especialistas, saberão entender que este é um assunto muito sério.

Trata-se de uma doença que, a cada ano, acomete - prestem atenção - mais de 36 mil mulheres no Brasil. Uma doença que, no mesmo período, mata nove mil dessas mulheres. Esse último número, por sinal, não deixa de acrescentar um componente simbólico à tragédia - porque é uma tragédia. Porque, se fizermos a conta, veremos que ele indica um fenômeno aterrador: o câncer de mama é responsável, Srªs e Srs. Senadores, pela morte de uma brasileira por hora.

Exatamente, Srªs e Srs. Senadores: nove mil mortes por ano; 24 mortes por dia; uma morte por hora; a terceira colocação na lista das causas de óbito; e a segunda, quando se considera o universo feminino.

É esse o resultado do câncer de mama em nosso País. E vejam que dei ênfase, até agora, somente à crueza dos óbitos. Haveria de destacar também as seqüelas, as deformações, os graves problemas psicológicos decorrentes da doença.

Talvez os Srs. Senadores não possam entender o que significa para uma mulher ter arrancada uma parte do corpo - provavelmente aquela mais importante, por meio da qual criou, amamentou seu filho e lhe deu vida -, que hoje, graças a Deus, pelo avanço da Medicina, muitas vezes é reconstruída praticamente no momento da própria cirurgia, mas que não deixa de ser uma seqüela.

Não é à-toa, portanto, que uma pesquisa realizada com 30 mil mulheres, em 53 países, revelou que a maior preocupação, em termos de saúde, era o risco de contrair câncer de mama.

Por sinal, já que falei de outros países, penso que há duas informações que merecem ser trazidas ao debate. A primeira: de acordo com a Organização Mundial de Saúde, enquanto em 1975 tinham sido registrados 500 mil casos de câncer de mama em todo o mundo, em 2001 esse número saltou para 900 mil. A segunda informação é a de que parece não haver correlação entre o nível de desenvolvimento econômico atingido por um país e as taxas de incidência da doença. Basta observar, por exemplo, que há países desenvolvidos entre aqueles que exibem as taxas mais altas, como Estados Unidos, Canadá, Dinamarca e França, mas também entre os que apresentam as taxas mais baixas, como é o caso do Japão. Ou seja, a incidência em si da doença não dá sinais de regressão, ao mesmo tempo em que independe do maior ou menor progresso de cada país.

De qualquer forma, é exatamente essa constatação que nos leva ao ponto crucial do problema. Se o câncer de mama afeta indistintamente países ricos e pobres, desenvolvidos e subdesenvolvidos, é na prevenção da doença e em seu diagnóstico precoce que se deve atuar de maneira mais incisiva.

Quanto à prevenção, cumpre ter em mente os principais fatores de risco. Se não há muito o que fazer no que se refere à predisposição genética, porque algumas mulheres têm predisposição para contrair o câncer, enorme é o nosso raio de atuação, em especial sob a forma de campanhas de conscientização, no que diz respeito ao tabagismo e ao consumo excessivo de gorduras. Já no campo do diagnóstico precoce, e ainda com maior racionalidade também, são imensas as nossas possibilidades de ação.

Observem, Srªs e Srs. Senadores, que a doutrina médica reconhece quatro estágios de desenvolvimento do câncer de mama - neste plenário, estão dois médicos que podem me corrigir, se eu cometer algum engano.

No primeiro, o chamado Estágio Um, o câncer não é maior que dois centímetros e não se espalhou para fora da mama. Seguem-se os demais estágios até o Quatro, em que o câncer já se espalhou para a pele, para os linfonodos do pescoço e mesmo para outros órgãos do corpo, em especial ossos, pulmões, fígado e cérebro.

Feitos esses esclarecimentos, voltemos aos números. Nos Estados Unidos e na Europa, 80% dos casos são diagnosticados no estágio inicial da doença, quando as chances de cura chegam a mais de 90%. No Brasil, ocorre exatamente o contrário: quase 80% dos casos são diagnosticados tardiamente, quando o tumor já atingiu mais de cinco centímetros ou se espalhou para fora da mama. Nesse estágio, a probabilidade de cura é bem menor e, quase sempre, é necessária a retirada da mama.

Concedo um aparte ao nobre Senado Augusto Botelho, para que V. Exª, como profissional da saúde, acrescente dados que irão enriquecer o meu pronunciamento.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senadora Iris de Araújo, fico muito feliz por V. Exª estar abordando esse tema, como defensora das mulheres; as mulheres que estão em casa e que V. Exª disse não terem voz podem ter certeza de que agora têm a voz de V. Exª para defendê-las. Na verdade, estamos observando-a mencionar o ponto que mais nos constrange na nossa profissão de médico, que é a mutilação com o tratamento do câncer de mama. Se as mulheres fizessem o auto-exame com mais freqüência, essa mutilação seria evitável. Hoje, o câncer de mama tem uma sobrevida muito boa; não é uma sentença de morte para a mulher. Aquelas nove mil mulheres que morrem são provavelmente as que são apanhadas no Estágio Quatro a que V. Exª se referiu. Gostaria de acrescentar para ilustrar o seu pronunciamento e ajudar na parte prática do dia-a-dia dos médicos, que o auto-exame é mais interessante do que o exame do médico. Se a mulher se examinar todo mês, ela detectará o tumor com mais rapidez. Depois, ela procura o médico. Estatisticamente, os tumores de mama são descobertos mais pelas mulheres do que pelos médicos, sem esquecer a mamografia, que é o exame mais sensível na detecção do câncer de mama. Por esse exame, detecta-se o câncer antes do Estágio Um, quando o tumor mede dois centímetros. Se toda mulher acima de 45 anos fizer a mamografia rotineiramente, diminuirá a possibilidade de falecimento de câncer de mama e diminuirá também a agressão à sua sensualidade, que representa a retirada da mama. Todo médico sofre quando faz isso com a paciente, mas é a medida que temos para oferecer-lhe uma sobrevida. Pedi o aparte para dizer que tenho certeza de que todas as mulheres sempre terão a voz de V. Exª para defendê-las neste Senado. Muito obrigado.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Eu é que agradeço ao nobre Senador pelo aparte, que, aliás, levanta uma questão que eu abordaria mais à frente, mas que vou antecipar para aproveitar o momento do seu aparte.

Quando V. Exª se refere ao auto-exame, eu gostaria de ressaltar que, por causa das campanhas de prevenção, praticamente todas as mulheres têm consciência do auto-exame. São várias as entidades que trabalham na área. Vestindo a camiseta da campanha, eu participo de uma campanha que já foi feita e continua a ser feita em todos os órgãos da imprensa. Artistas e pessoas bastante conhecidas têm-se proposto a trabalhar nessa direção.

Tenho uma preocupação um pouco maior em relação à prevenção. A mamografia é desconhecida de muitas mulheres. Elas não sabem desse exame, não o conhecem, não o entendem ou não foram informadas muitas vezes pelos próprios médicos que, a partir dos 40 anos de idade, a mulher, obrigatoriamente, deveria submeter-se a uma mamografia.

Onde estão os mamógrafos? Como a mulher, principalmente a pobre, tem acesso ao exame? Essa mulher muitas vezes não tem sequer um passe de ônibus para ir fazer o exame, que pode estar disponível numa instituição de saúde distante de sua casa. Muitos fatores a impedem de fazer o exame.

Sr. Presidente, é uma violência cometida contra a mulher brasileira a falta de oportunidade para prevenir o câncer de mama ou diagnosticá-lo precocemente. Isso precisa ser combatido.

A prevenção - repito - tem muito a ver com informação, principalmente o desestímulo ao tabagismo e o desestímulo à obesidade - assunto que já abordei.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nem tudo depende tão-somente de informação. Depende também de várias medidas de prevenção como o auto-exame. Por isso, é essencial que haja uma ação conjunta dos diversos níveis de governo, da mídia, de instituições privadas e organizações não-governamentais que - justiça seja feita - têm desenvolvido ações nesse sentido.

Ouço com prazer o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Iris de Araújo, o tema abordado por V. Exª é muito oportuno: o câncer de mama. Aliás, qualquer pronunciamento sobre saúde pública neste plenário é muito oportuno. Sou médico há 37 anos e posso dizer que atualmente a saúde no Brasil vai mal. Houve uma concepção errônea. Recentemente buscamos adotar o modelo de Cuba, mas nossas condições são totalmente diferentes. O território de Cuba corresponde à metade do Piauí e a população, em relação à brasileira, é muito pequena: 10 milhões de pessoas. Para que V. Exª tenha uma noção, tínhamos quase 300 médicos. Agora são 17 mil e pretendem dobrar o número. Entretanto, esqueceram o projeto correto, o projeto universal que valoriza o especialista: o SUS. A Medicina, hoje, não pode ser praticada apenas pelo médico de família. Os especialistas do SUS, pessoas competentes, foram esquecidos. Cito um exemplo: aposentei-me recentemente, após 35 anos de serviço como médico do SUS, com um salário de R$1.200,00. No entanto, o médico de família hoje ganha bem mais. Por isso, os especialistas do SUS, os que fazem diagnóstico precoce do câncer de mama e orientam o tratamento de quimioterapia e de radioterapia, estão saindo dos grandes hospitais para serem médicos de família - profissão que atualmente remunera mais. A Medicina é um sacerdócio, mas os especialistas têm família e precisam sustentá-la. Há décadas, o Ministério da Saúde não realiza concurso para médico de hospitais especializados que praticam a Medicina capaz de fazer um diagnóstico precoce, de salvar vidas e vencer o câncer. A profissão de médico de família - que fazia pediatria, ginecologia, cirurgia - não existe mais. E estamos pagando caro por esse retrocesso. O Governo e o Ministro da Saúde devem repensar a situação e valorizar o SUS, dando ao médico desses grandes hospitais que fazem Medicina avançada. Quis Deus que V. Exª falasse sobre câncer hoje, pois esta semana o Hospital São Marcos, no Piauí, um centro de tratamento de câncer, presidido por um médico, heróico, o Dr. Alcenor Almeida, vai completar 50 anos. E todos esses hospitais vivem grandes dificuldades por causa das tabelas do SUS. Então, é muito importante para sensibilizar o Governo a mudar de rumo, valorizando o SUS e pagando salários dignos. O salário de um médico, de um cirurgião, de um cancerologista, de um quimioterapeuta deveria ser igual ao de um desembargador, ao de um ministro do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Os ordenados que ganham no SUS são irrisórios.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço, nobre Senador, o aparte de V. Exª, assim como o do nobre Senador Augusto Botelho, porque ambos enriqueceram e tonalizaram, de uma certa forma, com cores até mais fortes, o meu pronunciamento.

Mas, Sr. Presidente, é apenas um primeiro passo falarmos na conscientização, na informação, no auto-exame que as mulheres podem fazer. Quanto aos demais, o exame clínico e a mamografia, dependem, acima de tudo, da ação do Poder Público. É muito importante, assim, e vou-me esforçar para terminar, que o Governo Federal propicie às mulheres brasileiras com mais de 40 anos condições de fazer o exame clínico uma vez por ano, como acabei de dizer. É essencial, também, que o Governo Federal promova a instalação de mamógrafos nos municípios brasileiros em quantidade suficiente ao atendimento das mulheres. Pelo menos, que elas possam fazer esse exame a cada dois anos.

Vale lembrar, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, que no exame clínico podem ser detectados tumores com um centímetro de diâmetro. Só a mamografia, porém, permite observar nódulos menores e até alterações de tecidos que antecedem à formação do tumor.

É claro que propostas desse tipo costumam esbarrar em alguns críticos de plantão, contumazes em apontar, sempre, o alto custo das medidas sugeridas.

Ocorre, e todos sabemos disso, que os custos do tratamento, tanto os econômicos como os sociais, são superiores aos custos da prevenção, o que torna inconsistentes aqueles argumentos.

Em suma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tratemos de investir na informação. Tratemos de investir em equipamentos. Tratemos de investir na prevenção e no diagnóstico precoce do câncer de mama. Somente assim, tenho certeza, poderemos impedir que o número de horas desta sessão seja exatamente igual ao número de brasileiras que, no transcorrer deste período, perderão a vida em virtude de tão perversa doença.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2003 - Página 15978