Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Pressão dos governadores junto ao presidente da República para que seja anulada, na proposta de reforma tributária, a obrigatoriedade dos estados aplicarem 20% da sua arrecadação oriunda da CPMF e da Cide, nas áreas de educação e saúde.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Pressão dos governadores junto ao presidente da República para que seja anulada, na proposta de reforma tributária, a obrigatoriedade dos estados aplicarem 20% da sua arrecadação oriunda da CPMF e da Cide, nas áreas de educação e saúde.
Aparteantes
Ideli Salvatti, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/2003 - Página 16873
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • CRITICA, CONDUTA, GOVERNADOR, ESTADOS, BRASIL, COBRANÇA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RETIRADA, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, OBRIGATORIEDADE, APLICAÇÃO, PERCENTAGEM, RECEITA, ORIGEM, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), CONTRIBUIÇÃO, INTERVENÇÃO, DOMINIO ECONOMICO, SETOR, EDUCAÇÃO, SAUDE.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, MIRIAM LEITÃO, JORNALISTA, REFERENCIA, POLEMICA, REFORMA TRIBUTARIA, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como sabemos, a Câmara dos Deputados está se debruçando sobre as reformas previdenciária e tributária.

A reforma tributária já se encontra em discussão na Comissão Especial e está recebendo sugestões não apenas dos Srs. Deputados como de outros segmentos, inclusive de Governadores estaduais. O Presidente da República recebeu os Governadores, que exerceram novas pressões no sentido de maior participação dos Estados no bolo tributário. S. Exªs querem maior participação nas contribuições, como a CPMF e a Cide, mas trazem também divergências profundas: uns querem a cobrança do imposto no destino; outros querem sua cobrança na origem.

Sr. Presidente, por último, os Governadores apresentaram ao Presidente da República uma proposta inusitada, no momento em que o Brasil se debate numa crise sem precedentes, qual seja a Desvinculação dos Recursos dos Estados, a chamada DRE. Essa desvinculação, Sr. Presidente, implica um prejuízo descomunal para a sociedade brasileira, uma vez que os programas de educação e de saúde serão atingidos em cheio. Em cada R$100,00 aplicados na educação ou na saúde, pelo menos 20%, ou seja, R$20,00, serão desvinculados, isto é, não haverá nenhum comprometimento, nenhum compromisso dos governos estaduais em aplicar aquilo que está previsto na Constituição. Por exemplo, para a educação, 25%; para a saúde, até o ano de 2004, os Governadores serão obrigados a aplicar, sob pena de intervenção - como diz a PEC nº 29, aprovada pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados -, pelo menos 12% de seus recursos, de suas receitas líquidas.

Aqueles que estavam na Legislatura passada, como eu, e que acompanharam de perto a luta titânica travada pelo Congresso Nacional para aprovar a Emenda nº 29, sabem o sacrifício e a luta a que nos submetemos. Essa proposta passou nada menos do que sete anos na Câmara dos Deputados e, graças à luta que desenvolvemos aqui dentro do Senado - fui o Relator dessa proposta em defesa da saúde no Brasil -, conseguimos votá-la e ela foi aprovada quase que por unanimidade. Só dois Senadores - do Estado da Bahia - votaram contra, os outros votaram favoravelmente.

Ora, Sr. Presidente, como é que, depois de uma luta insana como essa, os governos estaduais querem anular 20% do que o Congresso aprovou? Lembro-me de que até D. Paulo Evaristo Arns veio falar com o Presidente do Congresso. Religiosos do Brasil inteiro foram mobilizados, todas as ONGs voltadas para a saúde vieram a Brasília, os Secretários de Saúde dos Estados e dos Municípios vieram pressionar o Senado e, finalmente, colocou-se a proposta em votação e ela foi aprovada.

Temos exemplos, Sr. Presidente, das maldades que hoje acontecem nos hospitais. Isso não se deve à maldade dos diretores, deve-se ao fato, simplesmente, de que os recursos não são devidamente aplicados - lembro que o governo passado também desvinculou 20% de todas as receitas da União, inclusive as destinadas à saúde. Quando não são barradas na porta, as pessoas chegam aos hospitais públicos e não encontram tratamento decente. Se conseguem entrar, ficam em cima de uma maca nos corredores, numa situação humilhante, degradante, numa situação que só vimos nos filmes de guerra, da Segunda Guerra Mundial, quando os feridos chegavam aos hospitais e eram atendidos na marra, de qualquer maneira, em cima da maca, no chão. É o que está acontecendo em muitos Estados do Brasil, Sr. Presidente.

E agora vêm os governadores propor ao Presidente Lula que desvincule 20% das receitas dos Estados para que possam fazer com esses 20% as obras que, sabemos, serão obras de carregação, eleitoreiras, obras, muitas vezes, Sr. Presidente, que não condizem com os interesses e o ânimo da população, semelhantes às realizadas por ocasião da reeleição, que foi permitida por este Congresso Nacional. Com a aprovação da reeleição, eles venderam as estatais, ficaram sem freio e gastaram de forma irresponsável o dinheiro deste País em obras faraônicas, deixando os Estados como estão, quebrados, tendo que vir pedir ao Presidente da República um socorro para salvar a previdência deles, quando eles é que a deveriam ter salvo, por ocasião da venda de suas estatais, criando o tal fundo de previdência, que não foi criado. Apenas o Estado da Bahia - faço justiça -, cujo Governador, César Borges, é de um partido adversário nosso, o PFL, vendeu a sua estatal, mas criou um fundo de previdência para proteger os funcionários.

Não posso conceber, Sr. Presidente, que agora venham os Governadores pressionar o Presidente da República, para que este pressione o Congresso a desvincular 20% de suas receitas. Isso, Sr. Presidente, compromete não só a saúde e a educação, mas um programa que foi lançado ontem pelo Presidente Lula, o programa Primeiro Emprego. Como se pode colocar a juventude no mercado de trabalho - são 250 mil empregos que o Governo quer dar, e eu bato palmas para essa atitude do Presidente Lula -, se os programas nos Estados e Municípios serão prejudicados com a desvinculação? Senador Ney Suassuna, 20% é que os governadores querem tirar das áreas da educação e da saúde para fazerem o que bem quiserem.

Vou ler aqui, resumidamente, artigo da jornalista Miriam Leitão, de O Globo - não é a posição de Valadares -, sobre a reforma tributária, em que ela diz estar havendo no Congresso uma verdadeira babel tributária, e explica o porquê:

Os governadores querem aumentar sua participação nos impostos; os de estados exportadores querem maximizar a compensação pela isenção nas exportações; os do Sul-Sudeste gostam de uma legislação única do ICMS que impeça a guerra fiscal; os do Nordeste querem margens para conceder incentivos e aumentar a chance de atrair investimentos; a União quer reduzir a liberdade dos estados de legislar em matéria tributária; os estados querem manter a liberdade de criar ou aumentar impostos; os estados maiores querem ICMS na origem; os menores [que são os consumidores], no destino; o Rio quer que o petróleo fique na origem como todos os outros produtos; os empresários querem pagar menos impostos; o governo não quer perder arrecadação; os industriais querem mais imposto sobre consumo e menos sobre a produção; os exportadores não querem pagar imposto algum; o varejo não quer imposto sobre vendas; atacadistas querem aumentar o imposto seletivo sobre telefonia, eletricidade, combustível e isenção na maior parte da sua lista de 40 mil produtos que distribuem pelo país inteiro; as concessionárias de telefonia dizem que não agüentam mais pagar tanto imposto [e é por isso que estão arrochando o contribuinte]; o contribuinte pessoa física quer dedução de despesas e correção da tabela do Imposto de Renda e a Receita Federal quer acabar com deduções e jamais corrigir tabela alguma. Todos pedem uma reforma tributária ampla, mas o governo, para equilibrar-se no meio de tantos interesses conflitantes, entre a briga federativa e a pressão dos lobbies, tende a reduzir cada vez mais o alcance da reforma. É esta Babel tributária [termina a grande jornalista Mirian Leitão] que terá que ser unificada para que se faça uma reforma tributária este ano ainda.

Senador Ney Suassuna, com muito prazer, concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senador Antonio Carlos, V. Exª fala, lamentavelmente, a verdade, como também a jornalista Miriam Leitão, que V. Exª acaba de citar: todos querem a reforma, desde que não atinja o seu. Hoje, a República tira 76% da arrecadação, deixa 20% para os Estados e 4% para as prefeituras. Só que a República já criou n taxas e n impostos dissimulados em taxas que não entram na divisão para os Estados e Municípios. Realmente, cada um só olha a sua seara e quer ter os seus recursos aumentados e a sua responsabilidade diminuída. É difícil. E V. Exª tem razão quando fala dos Estados quebrados, pois estamos com dezesseis Estados em situação pré-falimentar. Na Comissão de Assuntos Econômicos, nobre Senador Antonio Carlos Valadares, pedimos uma subcomissão para tratar desse assunto. Já recebi informações sobre o endividamento de dezesseis Estados e pude constatar que a situação é calamitosa. Não sabemos realmente como fazer. As pessoas moram nas cidades, nos Estados; no entanto, esse monstro que chamamos de governo central consome cada dia mais recursos.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senador Ney Suassuna, reclamo pelo fato de que, nessa última investida, os governadores manifestaram que desejam a desvinculação de receita.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Eu ia falar nisso agora, nobre Senador Antonio Carlos Valadares. Se houver a desvinculação, acaba a obrigatoriedade para a saúde e educação, algo por que lutamos muito. E quem vai pagar é o pobre contribuinte que, no final, paga impostos a valer e não recebe benefícios em troca. Por isso me solidarizo com V. Exª em relação ao que disse em seu discurso. Lamentavelmente, tudo o que V. Exª está dizendo é verdadeiro. Seria bom que não fosse e que pudéssemos dizer que V. Exª está enganado. No entanto, isso não é possível e, mais uma vez, o contribuinte será sacrificado e receberá menos serviços. Parabéns a V. Exª pelo tema que aborda nesta tarde.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Incorporo as palavras de V. Exª ao meu discurso. E digo mais, a carga tributária de nosso País se elevou substancialmente nos últimos anos, como nunca acontecera. Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu o Governo, a carga tributária estava em torno de 25% do PIB; hoje, está em torno de 36% do PIB.

A reforma tributária, a meu ver, deveria ter uma perspectiva, tanto do lado dos empresários, quanto do lado da sociedade, no sentido de desonerar a produção, tornando o produto brasileiro mais competitivo no exterior. Além disso, também deveria haver uma isonomia tributária do nosso País em relação aos países que concorrem conosco. Isso porque, se temos um tributo semelhante ao que é cobrado, por exemplo, nos Estados Unidos, o nosso produto entra em pé de igualdade na concorrência internacional. Por outro lado, se o tributo que cobramos sobre um determinado produto é mais alto do que o de outro país, logicamente concorreremos em desigualdade, ou seja, em situação inferior no mercado internacional.

Creio que a carga tributária já chegou a um tamanho tal que não é de bom alvitre, não é aconselhável que governos estaduais venham a Brasília pressionar para que nós, neste Senado Federal, na Câmara dos Deputados, venhamos a aumentar essa carga, que já é tão monstruosa, que se equipara à dos países mais desenvolvidos do mundo.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Antonio Carlos Valadares, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Fazendo soar a campainha.) - Senador Antonio Carlos Valadares, desculpe-me, mas quero informar a V. Exª que resta apenas mais um minuto e vinte e sete segundos para a conclusão do seu pronunciamento e a concessão de apartes. Faço este aviso porque depois de esgotado o seu tempo, V. Exª não poderá mais conceder apartes.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Se V. Exª for generoso comigo como foi com o orador anterior, Sr. Presidente, vai me conceder mais algum tempo.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - V. Exª terá tolerância no tempo, mas não poderá conceder aparte.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Mas não posso deixar de ouvir uma colega.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - V. Exª pode conceder o aparte agora.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Ouço V. Exª com prazer, Senadora Ideli Salvatti.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Agradeço ao Senador Romeu Tuma pela observação e ao Senador Antonio Carlos Valadares por me permitir também falar durante o seu pronunciamento. Senador Valadares, há um posicionamento muito claro do Governo em não aceitar, em não avalizar essa proposta da Desvinculação das Receitas dos Estados (DRE) trazida pelos governadores. E penso que nós, do Congresso, tanto na Câmara como no Senado, também devemos ter uma posição muito firme em relação a isso, porque todos sabemos que a desvinculação desobriga das aplicações constitucionais na área da educação e da saúde, que são os setores fundamentais no atendimento da nossa população. Entretanto, ao mesmo tempo em que há uma sinalização contrária à desvinculação das receitas estaduais, há sinalizações positivas passíveis de serem aceitas na reforma tributária, como a instituição de um fundo para fazer as compensações da Lei Kandir, isto é, repartir a receita do ICMS da exportação, uma vez que os Estados exportadores acabam tendo prejuízo. Ou seja, os Estados poderiam ter uma compensação disso, instituída na Constituição. Há também uma sinalização positiva, dada pelo próprio Presidente da República, no sentido de que os Estados possam vir a ter uma parcela da Cide. Todas são sinalizações no sentido de recompensar os Estados, porque, no último período, tivemos não só um aumento da carga tributária, mas uma reforma tributária invisível, visto que a criação de contribuições ao invés de impostos transferiu a maior parcela da arrecadação para a União. Creio que há sinalizações positivas para atender alguns dos pleitos justos dos governadores, mas não esse da desvinculação das receitas estaduais. Parabenizo V. Exª por trazer um assunto tão relevante aqui para o plenário do Senado Federal.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senadora Ideli Salvatti, agradeço a V. Exª pelo seu aparte.

Esperamos que a reforma tributária que está sendo discutida no âmbito do Congresso Nacional venha não em detrimento do contribuinte, mas em favor do Brasil. E que possa ofertar, tal como ofertam os grandes países da Europa e os Estados Unidos, os serviços reclamados pela sociedade. Na Suécia, por exemplo, os impostos são altos, atingindo cerca de 50% do PIB; na Dinamarca, também, mas os serviços prestados à sociedade são incomparavelmente superiores aos que são prestados pelo Brasil, que também tem uma carga tributária altíssima, de quase 40% do PIB.

Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/2003 - Página 16873