Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a biopirataria e suas consequências para o Brasil. Denúncia de patente da marca cupuaçu por uma empresa japonesa. Divulgação dos resultados da audiência pública sobre a questão da hemodiálise no Brasil e o endividamento das clínicas que prestam esse tratamento em pacientes com insuficiência renal crônica.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. SAUDE.:
  • Preocupação com a biopirataria e suas consequências para o Brasil. Denúncia de patente da marca cupuaçu por uma empresa japonesa. Divulgação dos resultados da audiência pública sobre a questão da hemodiálise no Brasil e o endividamento das clínicas que prestam esse tratamento em pacientes com insuficiência renal crônica.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2003 - Página 17761
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, CONCLUSÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CAMARA DOS DEPUTADOS, INVESTIGAÇÃO, CONTRABANDO, BIODIVERSIDADE, BRASIL, DENUNCIA, FRAUDE, ACORDO INTERNACIONAL, PESQUISA CIENTIFICA, OBJETIVO, CLANDESTINIDADE, VENDA, FAUNA SILVESTRE, MADEIRA, CORRUPÇÃO, FUNCIONARIOS, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), RECOMENDAÇÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, AUMENTO, PUNIÇÃO.
  • DENUNCIA, PATENTE DE REGISTRO, EMPRESA ESTRANGEIRA, NOME, FRUTA, REGIÃO AMAZONICA, PROCESSO, FABRICAÇÃO, ALIMENTOS, APROPRIAÇÃO, TECNOLOGIA, CULTURA, TRADIÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, PREJUIZO, BRASIL, NECESSIDADE, PAGAMENTO, ROYALTIES.
  • COMENTARIO, UNIÃO, ENTIDADE, REGIÃO AMAZONICA, PROCESSO JUDICIAL, CONTESTAÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, NOME, FRUTA, EMPRESA, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO.
  • INFORMAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, ITAMARATI (MRE), ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL (OMPI), CONVENÇÃO, BIODIVERSIDADE, GARANTIA, DIREITO INTERNACIONAL, DISCIPLINAMENTO, ACESSO, REMUNERAÇÃO, RECURSOS, GENETICA, TRADIÇÃO, CULTURA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PATENTE DE REGISTRO.
  • REGISTRO, RELATORIO, SUBCOMISSÃO, SAUDE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DOENTE, NEFROPATIA GRAVE, OMISSÃO, ATENDIMENTO, TRATAMENTO ESPECIAL, SAUDE PUBLICA, FALENCIA, EMPRESA, CONVENIO, INFERIORIDADE, REMUNERAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna preparado para falar sobre um assunto realmente importante: a biopirataria, mas, se o tempo permitir, falarei também sobre outro importantíssimo tema, que é a hemodiálise. Recebemos hoje, das mãos do Relator, Senador Mão Santa, o resultado das nossas audiências públicas sobre esse tema.

Inicio minha fala exatamente com o que estava programado: a biopirataria, citando uma declaração, no mínimo, surpreendente: o tráfico de animais silvestres, no Brasil, movimenta anualmente US$1 bilhão, valor inferior apenas ao movimentado pelo comércio ilegal de drogas e armas.

Essa afirmação, Sr. Presidente, é uma das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a biopirataria no País. Criada em setembro do ano passado, a CPI ouviu 112 pessoas. Entre outros pontos, o relatório aprovado na Câmara dos Deputados denuncia o seguinte: “indícios de biopirataria apoiada por convênios internacionais e disfarçada em pesquisa científica”. O relatório aponta também casos de corrupção de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, em várias regiões, e recomenda que o Ministério Público e a Receita Federal investiguem 80 pessoas e empresas. O relatório detalha como funciona o comércio clandestino de madeira na Amazônia e na Mata Atlântica e propõe alterações na legislação brasileira, sobretudo na Lei de Crimes Ambientais, com a inclusão de punições mais severas.

Entre os inúmeros casos de biopirataria que vêm sendo denunciados ao longo dos últimos anos, quero destacar um, em particular. Mais do que surpreendente, ele é espantoso, verdadeiramente inacreditável! Vejam as Srªs e os Srs. Senadores a que ponto chegou a audácia dos “piratas modernos”! Uma empresa japonesa de Kyoto, a Asahi Foods, fez o registro comercial da palavra “cupuaçu” nos Estados Unidos, Europa e Japão, nome, aliás, de origem indígena, ou seja, autenticamente nativo e encontrado na Região Amazônica, particularmente nos Estados do Pará e Amapá. Consta que os japoneses, ao tomarem conhecimento de uma pesquisa da Embrapa sobre a produção de chocolate feito com a amêndoa do cupuaçu e do babaçu, tão gostoso quanto o chocolate tradicional e muito mais barato, trataram de se antecipar naquilo que diz respeito ao registro. Ainda mais, Sr. Presidente: a Asahi Foods registrou, também, os processos industriais de fazer doce, geléia, compota, licor e outros derivados. Essa tecnologia é proveniente da cultura indígena da Amazônia há muitos séculos. E o que ganharam os povos indígenas com isso? Nada, Sr. Presidente. Nada! E o que ganhou o Brasil? Também nada! Só perdemos: o acesso a nosso patrimônio genético foi feito ilegalmente, a repartição justa e eqüitativa dos benefícios foi para a Cucuia, o conhecimento tradicional indígena foi gritantemente ignorado! Isso não pode ser ignorado dentro da cultura dos povos, respeitados os limites dos territórios dos estados dentro da comunidade internacional.

Desse modo, enquanto não se reverter esse verdadeiro furto, quem quiser investir em processamento do vegetal e no uso comercial da palavra “cupuaçu”, vai ter que pagar royalties aos espertos detentores da patente, que se encontra em favor dos japoneses. Ou inventar outro nome para a fruta. E inventar outro nome também para a nossa andiroba e a nossa copaíba, porque também para essas espécies foram obtidas patentes semelhantes por empresas estrangeiras.

Segundo o Presidente da organização não-governamental Amazonlink, do Acre, Sr. Michael Schmidlehner, as empresas amazônicas que usam o cupuaçu como matéria-prima estão sendo ameaçadas com processo judicial pela Asahi Foods. A empresa japonesa possui várias patentes sobre o uso do cupuaçu em alimentos e cosméticos, protetor solar, sabonete, xampu etc. Na documentação, consta que os métodos de extração do óleo e da gordura de cupuaçu foram inventados por químicos e farmacólogos japoneses. É espantoso a que ponto chega a ousadia e o atrevimento de grupos estrangeiros inescrupulosos, verdadeiros saqueadores do patrimônio alheio!

A reação da Amazônia não poderia deixar de acontecer, Sr. Presidente - e já se iniciou! O Grupo de Trabalho Amazônico, a Amazonlink, a Associação de Produtores Alternativos e o Instituto Brasileiro de Direito Internacional entraram com um processo na Justiça japonesa para contestar o registro da patente. Para se ter uma idéia da força reunida nessa ação, o Grupo de Trabalho Amazônico congrega 513 entidades amazônicas, nas quais estão incluídos seringueiros, pescadores, povos indígenas, agricultores familiares, ambientalistas, entre outros.

Ocorre que “cupuaçu” é o nome de um produto vegetal, de uma fruta comestível, de uma matéria-prima, em suma, e o registro de tal palavra como marca fere as convenções internacionais de propriedade industrial. A própria legislação japonesa de marcas dispõe que um nome não deve ser registrado como marca se é nome de uma matéria-prima. Diante disso, temos esperança de que a ação judicial, a ser julgada provavelmente entre novembro e dezembro, seja favorável ao Brasil e desfaça, por meio de decisão justa, o erro - ou melhor, o furto - cometido pela empresa japonesa.

Indagado por nosso Gabinete, o Ministério das Relações Exteriores informou sobre as ações do Governo a respeito da biopirataria ou biogrilagem - há dúvida, ainda, sobre a conceituação no plano internacional. O Governo brasileiro vem participando ativamente das negociações internacionais com o objetivo de estabelecer uma disciplina jurídica internacional sobre as condições de acesso e remuneração adequada dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados. Os foros onde se desenvolvem as negociações são: a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB).

O Brasil está pleiteando reformar o sistema de concessão de patentes, propondo, no Conselho do Acordo Trips (The agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), a emenda do artigo 27.3 (B). Tal emenda tem como objetivo incluir três requisitos para a concessão de patentes que versem sobre material genético e conhecimento tradicional associado. Os três requisitos são: 1) a prova de repartição justa e eqüitativa de benefícios com os Estados e/ou comunidades detentoras do conhecimento e dos recursos; 2) a identificação de origem do material; 3) o consentimento prévio e informado dos Estados e/ou comunidades detentoras dos recursos e dos conhecimentos.

Atualmente, segundo o Acordo Trips da OMC e segundo a Lei nº 9.279/96 - que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial -, patentes podem ser concedidas se preenchidos três requisitos: passo inventivo, aplicação industrial e novidade. A proposta de emenda do Acordo Trips visa condicionar a concessão de patentes à observação da necessidade de identificação da origem do material genético, do conhecimento tradicional associado, da repartição de benefícios e do consentimento prévio e informado. Tais exigências, Sr. Presidente, vão na mesma direção das normas presentes na Medida Provisória nº 2.186, de 2001, que também condicionam a concessão de direitos de propriedade industrial à observação da identificação da origem do material genético e do conhecimento tradicional associado.

Ainda segundo informações do Ministério das Relações Exteriores, o Brasil está pleiteando, juntamente com outros países, a criação de um sistema internacional de proteção sui generis dos conhecimentos tradicionais, ou seja, um sistema diverso das formas tradicionais de proteção à propriedade intelectual, como as patentes, os direitos autorais, as indicações geográficas, entre outras.

Sr. Presidente, o Brasil é o país com a maior parcela de diversidade biológica do Planeta! E, nesse particular, a Amazônia responde pelo maior número. O tema da biopirataria deve constar também como prioridade na agenda das nossas discussões, tanto interna quanto externamente. O combate à pirataria deve ser uma ação contínua, empreendida pelo Governo, pelo Congresso Nacional, pela sociedade organizada, pelos meios de comunicação, nas escolas, nas rádios, na televisão, na família, nas Igrejas, para que todos possam contribuir com a proteção ao patrimônio genético existente no território nacional. Todos devem saber que, num simples gesto de comprar um animal silvestre de estimação, seja um pássaro, um peixe ornamental ou uma planta, poderão, de forma direta ou indireta, contribuir com o comércio ilegal de animais e vegetais.

Devemos estar alerta em defesa do patrimônio genético existente no território nacional. Esse foi o discurso que preparei para apresentar hoje à tarde neste plenário, dada a importância do tema.

Mas outro assunto também nos chama muito a atenção, do qual estamos diretamente ligados de maneira participativa: a questão do renal crônico. Incluída na Comissão de Assuntos Sociais, há, nesta Casa, a Subcomissão de Saúde, da qual sou Presidente e o Senador Mão Santa é Relator. Pois bem, fizemos uma audiência pública com o tema “Assistência à Saúde dos Pacientes Renais Crônicos”, cujo relatório recebi hoje das mãos do Senador Mão Santa - que, neste momento, preside nossa sessão. Houve duas audiências, em que foram ouvidas 15 pessoas extremamente envolvidas nesse assunto importante para a saúde no nosso País, a hemodiálise, e que nos deixa muito preocupados.

Basicamente, o problema maior é que 96% dos pacientes submetidos à hemodiálise são atendidos em clínicas privadas. O Poder Público atende diretamente apenas 4% desses pacientes. E os centros e clínicas de hemodiálise conveniados ao SUS estão enfrentando graves problemas de ordem financeira, Sr. Presidente, e ameaçam fechar as portas, deixando cerca de 55 mil pacientes sem atendimento em todo o Brasil. É lógico que isso é conseqüência do não reajustamento das tabelas dessas clínicas, congeladas há muitos anos.

A dívida de tais centros com aquisição de equipamentos e com o salário dos profissionais só faz aumentar. Seus responsáveis precisam recorrer a bancos, a financeiras e até a agiotas para obterem financiamento, pois investiram no setor confiantes na promessa de que o Ministério da Saúde faria a recomposição desses custos, melhorando a tabela de ressarcimento. Até hoje, porém, não houve aceno por parte do Governo, mais precisamente por parte do Ministério da Saúde, a respeito dessa nossa preocupação de remunerar devidamente essas clínicas para que atendam aos nossos pacientes com dignidade, respeitando todos os padrões necessários para que a hemodiálise seja executada com excelência.

Sabemos que essas dificuldades estão fazendo com que algumas clínicas inescrupulosas, no desespero de não ter como recompor o seu material consumido em hemodiálise, reaproveitem o material que seria descartável. Isso é muito grave para nós.

Sr. Presidente, quero deixar bem claro que a conclusão das nossas audiências está nesse documento que V. Exª, como Relator da Subcomissão de Saúde, entregou-me hoje oficialmente. Teremos cópia desse documento e iremos endereçá-la ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, ao Exmº Sr. Ministro da Saúde, a todas as autoridades do País ligadas à saúde, não esquecendo de todos os nossos secretários estaduais de saúde bem como de todas as instituições que tratam de pacientes renais crônicos, para que saibam que esta Casa, que o Senado Federal está preocupado com esse grave problema por que a saúde brasileira está passando nesse momento.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2003 - Página 17761