Pronunciamento de Íris de Araújo em 16/07/2003
Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Análise sobre os conflitos agrários no Brasil.
- Autor
- Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
- Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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REFORMA AGRARIA.:
- Análise sobre os conflitos agrários no Brasil.
- Aparteantes
- Ana Júlia Carepa, César Borges, Juvêncio da Fonseca.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/07/2003 - Página 18377
- Assunto
- Outros > REFORMA AGRARIA.
- Indexação
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- APREENSÃO, AUMENTO, CONFLITO, TENSÃO SOCIAL, CAMPO, INJUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS, BRASIL, COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, ARMAMENTO, PROPRIETARIO, SEM-TERRA.
- ANALISE, ESTATISTICA, DADOS, CENSO AGRICOLA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), CONCENTRAÇÃO, POSSE, TERRAS, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA AGRARIA, EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL.
- DEFESA, RECURSOS, INCENTIVO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, MOTIVO, EFICIENCIA, PRODUTIVIDADE.
A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a sociedade brasileira quer mudança, por isso elegeu Luiz Inácio Lula da Silva Presidente. Dessa forma, quanto mais lentas forem as transformações - e o orador que me antecedeu, Senador Roberto Saturnino, de uma certa forma toca nesse tema, dando-nos a esperança de que haverá realmente transformações, as quais, de fato, esperamos -, quanto mais lentas forem acontecendo, mais estaremos dando argumentos aos radicais de todos os matizes, gente que não está em sintonia com a vontade expressa do povo brasileiro, gente que, no fundo, quer que tudo permaneça como está.
Olhemos para a questão da posse da terra. Angustiada, acompanho o entusiasmo com que alguns realizam ou comentam os atos de violência no campo. Há uma espécie de trágica euforia no ar: a euforia do confronto. Colocados, supostamente, no interesse dos proprietários ou no interesse dos sem-terra, esses entusiastas do confronto precisam ser alertados de que há um valor maior nesta contenda: os interesses do Brasil e de todos os brasileiros, que votaram pela mudança, inclusive pela paz social e contra toda violência.
No Brasil, Sr. Presidente, a posse da terra é injustamente distribuída, desde as nossas origens como Nação. Está na hora de mudarmos essa realidade.
Não sou muito afeita à citação de números. Mas, desta vez, fiz questão de me fundamentar no rigor da matemática. A meu pedido, especialistas da Consultoria Legislativa do Senado levantaram estatísticas históricas, cruzaram dados, organizaram tabelas. Tive o cuidado de solicitar que se trabalhasse com números relativos à população rural do Brasil, não a população total, porque estamos questionando a posse da terra para quem nela produz, ou seja, a nossa população do campo.
A base de todos esses dados é o Censo Agropecuário do IBGE, de 1996, o que mostra a necessidade urgente de se atualizarem essas informações, pois, num tema em que tanto se exaltam as subjetividades, a objetividade dos números ajuda a clarear a discussão.
Mas, segundo a maioria dos estudiosos, a imobilidade social no Brasil é tamanha que, em relação à propriedade, os dados de 1996 continuam atuais, da mesma forma que a renda da população, que não muda há mais de 30 anos, com tendência forte para a perda de valor do trabalho.
Depois de acompanhar tantos números, fiz a escolha da simplicidade, ficando com o que me parece mais significativo.
No Brasil, 90% dos proprietários rurais são donos de apenas 20% das terras. No outro extremo, 1,3% dos proprietários são donos de incríveis 40% da área total. Isso sem falar nos sem-terra. Portanto, para mudar o Brasil é preciso fazer a reforma agrária.
Em relação à posse da terra, da mesma forma que em relação à distribuição de renda, em todos os seus aspectos, é mais do que evidente que é preciso que se faça uma redistribuição, modificando a enorme distância que separa os que nada têm dos que têm mais.
Só é possível, inclusive, garantir a propriedade quando são muitos os proprietários. Democracia é descentralização, de poder e de propriedade. O capitalismo se afirma no aumento do número dos capitalistas e dos consumidores.
Mas, em um País de tão grande concentração da propriedade da terra, é entusiasmante saber que a agricultura familiar - que ocupa 37% da área - é responsável por 40% da produção. Está aí a resposta: pequenos e médios proprietários são altamente produtivos, trabalham com menor desperdício e, em grande parte, dedicam-se a cultivos tradicionais, como feijão, arroz, milho, mandioca, os alimentos básicos da mesa do brasileiro pobre.
Portanto, o Governo precisa - com urgência - injetar dinheiro e eficiência na efetivação da reforma agrária. Quando o brasileiro elegeu este Governo, foi exatamente para administrar com eficiência o pouco que temos. Está na hora de acelerar o ritmo e assumir com mais velocidade as decisões.
Sim, está na hora de o Governo federal, em harmonia com os Estados e Municípios, assumir a responsabilidade pela paz no campo, porque os confrontos estão indo muito longe e a lentidão do Estado faz crescer o número de acampados, oferece argumentos aos incendiários e permite um ambiente de provocação - o que é muito perigoso. Todos sabemos disso.
As lideranças mais radicais dos sem-terra sentem-se justificadas ao estimular os saques do comércio ou de caminhões, utilizando a fome dos saqueadores como argumento. Mas nenhum argumento é suficiente para justificar a destruição do patrimônio, seja público ou privado. De uma forma ou de outra, estão destruindo dinheiro que é de todos, porque é natural que os proprietários que sofrem prejuízos peçam indenização. No mesmo sentido, para reconstruir o patrimônio público destruído, estaremos gastando recursos que poderiam ser empregados na melhoria da vida de todos.
Mais e mais invasões, aumento do tom provocativo dos discursos, violência de milícias organizadas, estradas bloqueadas. O que é um justo direito dos cidadãos, seja o de lutar pela democratização da propriedade da terra, seja o de defender legitimamente sua propriedade, está-se transformando em ação criminosa.
No domingo, o jornal O Globo noticia: “No rastreamento das milícias armadas por fazendeiros, a Polícia Federal conseguiu comprovar a contratação de jagunços para enfrentar as invasões do MST. A confirmação foi obtida pela Delegacia da PF em Guarapuava, no Paraná: os investigadores encontram indícios de que produtores rurais arregimentaram até pessoas com antecedentes criminais para formar a tropa contra o MST”. Srªs e Srs. Senadores, isso já é ir longe demais!
Do outro lado, na segunda-feira, o jornal goiano Diário da Manhã traz reportagem exclusiva em que revela o conteúdo de uma cartilha aplicada em curso de capacitação de militantes do MST. O conteúdo do documento choca a sociedade, porque prega a desobediência civil, a revolução e a guerrilha enquanto métodos de luta.
Já vivemos vários momentos históricos dramáticos no Brasil por conta dessa mesma sanha equivocada e radical, supostamente avançada e transformadora quando, na verdade, acaba se constituindo em massa de manobra para justificar terríveis retrocessos e fechamentos, ferindo mortalmente a democracia e permitindo o florescer de novas ditaduras. Tudo isso, Srªs e Srs. Senadores, à custa do sofrimento, da dor e do sangue do povo brasileiro.
O MST pode até ser avaliado como um movimento que, supostamente, defende uma causa justa, ao reivindicar terra para os que nada têm. Sem as suas ações, é bem possível que a reforma agrária andasse ainda mais lentamente. Mas a lei existe também para aqueles que defendem uma causa justa. O MST, da mesma forma que os ruralistas, deve agir dentro da lei. E o Governo precisa, imediatamente, se mostrar capaz de impor a todos o respeito às leis.
É difícil entender como é que a imprensa fotografa, entrevista, faz gravações para a televisão com representantes de milícias rurais e a polícia não consegue identificar quem sejam. Da mesma forma, invasões são anunciadas, muitas vezes com grande antecedência, e acontecem sem que as autoridades se movam para evitá-las.
Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o confronto, neste momento, só interessa aos reacionários de todas as cores políticas. E o Governo, se não agir com rapidez e eficiência, estará estimulando a ação desses reacionários, e isso não interessa ao Brasil.
Concedo ao nobre Senador César Borges um aparte, com muito prazer.
O Sr. César Borges (PFL - BA) - Senadora Iris de Araújo, quero congratular-me com V. Exª e parabenizá-la pelo discurso lúcido que faz nesta tarde, nesta Casa, analisando todos os pontos de vista, dizendo da necessidade que o País tem de fazer uma reforma agrária o quanto antes, mas também apontando que são inaceitáveis excessos e desrespeitos à lei, porque estamos num regime democrático, num regime de direito e não podemos aceitar que se traga um conflito artificial, que se está criando às margens das nossas rodovias, com a arregimentação de pessoas nos centros urbanos, que estão desempregadas por falta de uma política de crescimento e de desenvolvimento, que são levadas para fazer essa intranqüilidade no campo. V. Exª coloca muito bem, de forma precisa e pontual, essa grave questão que está hoje angustiando os brasileiros, e num setor que é responsável ainda pela sustentabilidade econômica deste País. Neste ano, Senadora, vamos crescer 1,5%, mas o setor agrícola, o setor primário, vai crescer 5,8% a 6%. Se trouxermos uma intranqüilidade para esse setor, não cresceremos nada. Então, é preciso que o Governo Federal, ao invés de ficar fazendo convescote, fazendo reuniões que não são produtivas, possa dizer efetivamente quanto vai alocar de recursos. Nesses seis meses foram assentadas apenas 2.500 famílias. Isso é que traz intranqüilidade. E o próprio MST, na hora em que promove essa posição hoje adotada, o faz por falta de uma ação do Governo Federal, que fala em assentar 60 mil famílias no segundo semestre. Não há dotação orçamentária para isso, só se vier uma suplementação. Então, é preciso que o Governo tome medidas, como V. Exª está exigindo. Cumprimento-a pela coragem, porque V. Exª é do partido da base do Governo e está fazendo um grande favor alertando-o. Que alguém lhe ouça rapidamente, Senadora, e possa tomar providências. Sentar à mesa de forma séria, coerente, respeitando o MST, dizendo que vão agir de tal modo, e que eles, em contrapartida, tragam tranqüilidade para a família brasileira. Muito obrigado, Senadora.
A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço o aparte do nobre Senador.
Antes de conceder um aparte ao Senador Juvêncio e à nobre Senadora Ana Júlia Carepa, gostaria de dizer que fazer parte da base de apoio ao Governo significa mostrar a realidade dos números, fazer alertas, nobre Senador, porque temos a esperança e acreditamos neste Governo.
Ao trazer esta colocação, das duas partes dentro desse conflito, de que se não tivermos realmente, neste momento, uma ação imediata e efetiva corremos risco de que esse confronto se estabeleça e não tenhamos sequer tempo de agir dentro da lei como deveria ser feito.
Concedo o aparte ao nobre Senador Juvêncio da Fonseca.
O Sr. Juvêncio da Fonseca (PMDB - MS) - Senadora Iris de Araújo, como é bom ver uma mulher da estatura de V. Exª assumir a tribuna do Senado Federal enfocando um problema atual e de maneira corajosa. Há três anos e meio já usei dessa tribuna, dizendo, naquela época, que, em razão da complacência do Executivo, da falta de investimento para a reforma agrária, da falta de levar a sério essa questão da reforma agrária, um dia ou outro, mais cedo ou mais tarde, tanto o fazendeiro quanto o sem-terra virariam os vilões da pátria. E já estou começando a sentir isso. Enquanto apenas o fazendeiro e o sem-terra forem os vilões da pátria, não tem tanta importância. O grande problema é fazer com que, em razão disso, a nossa democracia seja violentada. O Governo Federal ao fazer a distribuição da terra o faz da maneira mais frágil possível, colocando inclusive o trabalhador em favelas rurais, desassistido, sem saúde, sem educação e sem transporte. Penso que estão cometendo um crime contra aqueles que precisam colocar a sua mão-de-obra no campo. Estamos num momento decisivo da Nação. Ou chegamos a uma solução pacífica, de colocação dessa mão-de-obra, sim, na terra, em respeito, sim, às propriedades privadas que estão produzindo de maneira excelente, segurando a nossa balança de pagamento, o nosso PIB, trazendo tranqüilidade para o País com o agronegócio. Qualquer atitude de complacência do Governo Federal, como está acontecendo, é um crime contra o desenvolvimento do País. Preocupa-me muito, Senadora, ver, como disse o Senador César Borges - S. Exª falou a palavra convescote, piquenique -, grandes autoridades, o Presidente do Incra fazendo piquenique na beira da estrada, incentivando aqueles que estão prestes a invadir terra. E o Presidente colocando o boné do MST na cabeça, como se estivesse atendendo as grandes reivindicações do movimento, que sabemos não é simplesmente para a reforma agrária, mas é, antes de tudo, uma questão política, bem clara, bem evidente. E a Nação hoje não ignora mais isso. Parabéns a V. Exª pelo pronunciamento. Eu gostaria que todas as mulheres fossem assim tão corajosas com esse problema como está sendo V. Exª. Gostaria também de fazer uma homenagem a nossa Senadora Heloísa Helena, um dos exemplos de mulher corajosa; em momento nenhum ela deixou de afirmar as suas idéias, que são idéias do PT, originariamente, tradicionalmente. Ela pode até cair na estrada, na estrada da luta ideológica que ela está travando com o Governo Federal, mas é, como V. Exª, coerente nas proposituras. Muito obrigado.
A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço ao nobre Senador o aparte, que engrandece e acrescenta o meu discurso. Mas, coloco neste momento uma preocupação muito grande. O que V. Exª diz em relação à coragem de assumir a tribuna para tratar desse assunto, como de outros que eu já trouxe a este Plenário, diz muito mais respeito à preocupação de uma mulher que conhece muito de perto essa base, que vive muito de perto esses problemas, sente muito de perto essas aflições, e que tem uma história, uma história de um passado de lutas e de trabalho, que viveu o regime autoritário, o estado de exceção e, depois, a luta pelo retorno ao Estado de Direito. Isso certamente me faz ter essa coragem e de uma forma me credencia assumir esta tribuna para tratar, tocar em assuntos tão necessários, os quais devemos discutir. Agradeço o aparte de V. Exª.
E gostaria de ouvir a opinião da Senadora Ana Júlia Carepa, companheira valorosa.
A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senadora Iris de Araújo. V. Exª está de parabéns por tratar deste tema da reforma agrária. Por diversas vezes, já ocupei a tribuna para tratar do assunto, assim como em diversos apartes. Sou do Estado do Pará, que, infelizmente, é considerado o campeão de mortes no campo. Diga-se de passagem, essas mortes não são de fazendeiros, 99% delas são de trabalhadores rurais. É o Estado também campeão na libertação, até hoje, do que foi encontrado de trabalho análogo ao trabalho escravo, que, principalmente, está no campo. Há necessidade, sem dúvida alguma, de se fazer a reforma agrária. E fazer isso com paz é o que todos queremos. Desejamos a paz no campo. Mas ela não será feita com o que aconteceu, por exemplo, com as 524 mil famílias que o Governo anterior divulgou amplamente ter assentado. Dessas 524 mil famílias, 460 mil não têm acesso à estrada, 480 mil não têm acesso à água potável, 420 mil não têm acesso à energia elétrica, 299 mil não têm casa, mais de 250 mil não tiveram acesso a crédito, mais de 200 mil não tiveram nenhum projeto de assistência técnica. Então, a favelização agrária, a que fez referência o Senador Juvêncio da Fonseca, foi feita pelo governo anterior, que propagandeou ter feito reforma agrária e assentamentos. Nós não queremos assentar 500 mil famílias nessas condições, porque assim não estaremos fazendo a reforma agrária, mas a favelização agrária. Ninguém pode, com certeza, produzir com dignidade, manter a sua família no campo, produzir em paz, nas péssimas condições em que foram colocadas aquelas pessoas. Eu falo como representante de um Estado onde há mais de 300 assentamentos, o Estado do Pará. Tenho, portanto, conhecimento de causa. Não sei apenas os números, mas conheço esses assentamentos e as péssimas condições em que aquela população está vivendo. Então, nós vamos fazer...
(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)
A Srª Ana Julia Carepa (Bloco/PT - PA) - Vou concluir, Sr. Presidente. Vejam os recursos que o Governo está colocando para o Pronaf, para o agricultor familiar, um recorde na história brasileira: são R$5,7 bilhões para o pequeno produtor, para o agricultor familiar - que, sabemos, é o maior responsável pela manutenção do homem na terra e, com certeza, o maior responsável também pela produção agrícola. Portanto, parabéns, Senadora. O clima que se está tentando criar faz muito bem aos reacionários que não querem mudanças para o nosso País.
A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Muito obrigada, Senadora Ana Júlia Carepa.
Sr. Presidente, eu vou terminar, obedecendo aos sinais da Mesa.
Antes de concluir, faço uma conclamação, porque o tema mexe imediatamente com o Plenário, gerando discussões. Nós temos de levar em consideração que, acima de todas as razões, nós temos a maior de todas, simbolicamente representada neste Plenário. Eu gostaria de terminar o meu discurso apontando para esta bandeira e dizendo que, além de todos esses confrontos, prevaleça o bem deste País.
Muito obrigada.