Discurso durante a 15ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da renegociação com FMI, como forma de favorecer os investimentos internos no País.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA EXTERNA. POLITICA SOCIO ECONOMICA. PREVIDENCIA SOCIAL. REFORMA AGRARIA.:
  • Defesa da renegociação com FMI, como forma de favorecer os investimentos internos no País.
Aparteantes
João Capiberibe, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 23/07/2003 - Página 19405
Assunto
Outros > DIVIDA EXTERNA. POLITICA SOCIO ECONOMICA. PREVIDENCIA SOCIAL. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • APOIO, IDELI SALVATTI, SENADOR, DEFESA, RENEGOCIAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, DIVIDA EXTERNA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), GARANTIA, POSSIBILIDADE, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, CRESCIMENTO, PRODUÇÃO, EMPREGO.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, POLITICA SOCIO ECONOMICA, GESTÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PROMOÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
  • ANALISE, OPOSIÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, MANUTENÇÃO, PRIVILEGIO, MINORIA.
  • COMENTARIO, DADOS, CONFEDERAÇÃO, MUNICIPIOS, REDUÇÃO, RECEITA, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, ATENDIMENTO, GASTOS PUBLICOS, POLITICA SOCIAL, DEFESA, DESCENTRALIZAÇÃO, RECURSOS.
  • ANALISE, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, CONFLITO, SEM-TERRA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, CRITERIOS, ASSENTAMENTO RURAL, PRIORIDADE, PRODUÇÃO AGRICOLA.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando aqui cheguei, por mais que tivesse me preparado, estava demasiadamente voltada para a questão da criação ou do aprimoramento das leis existentes. Hoje, percebo que tão importante quanto legislar é discutir em plenário, criticar ou apoiar idéias e projetos, contribuindo, na prática, para a superação do grande desafio que o Brasil enfrenta neste momento histórico.

Por isso, quero saudar a pertinência da questão levantada ontem pela Senadora Ideli Salvatti em relação às negociações com o FMI, que começam em setembro. Tanto quanto a pertinência, louvo a objetividade e a serenidade com que a nobre Senadora soube apresentar a questão. O Governo Lula já mostrou que sabe da importância de honrar contratos e pagar dívidas, respeitando o que foi negociado entre o Estado brasileiro e os organismos internacionais. Por isso, Lula é um governante com credibilidade internacional.

Ancorado na credibilidade conquistada, cabe agora ao nosso Presidente renegociar esse acordo. O Brasil precisa investir em infra-estrutura, para alavancar a produção, criar emprego para os trabalhadores, gerar e distribuir riquezas. Reconhecer e honrar dívidas é uma coisa. Estar impedido de investir em infra-estrutura porque - para o FMI - esses investimentos são considerados simplesmente gastos, aumentando o nosso déficit, é coisa muito diferente.

Reconheço a alta significação da convocação feita pela nobre Senadora Ideli Salvatti, apóio com toda a convicção a proposta, ressalvando a necessidade de se encaminhar o assunto com firmeza, mas com a serenidade necessária, para que não se crie um clima hostil, nada favorável a quem precisa negociar. Recuperar a soberania brasileira sobre a destinação dos recursos financeiros é um grande desafio que o nosso Presidente tem a enfrentar.

Todos os que votamos em Lula fizemos uma opção pela mudança, por um Brasil mais justo e equilibrado socialmente. Essa foi a decisão da maioria dos brasileiros. Agora, com o início das urgentes reformas, identificam-se aqueles que estão, de fato, lutando por mudanças e os que se manifestam apenas para garantir privilégios, na vã ilusão de que tudo deve continuar como está.

Independentemente de partido ou inclinação política, os mais sensatos já se deram conta de que, de agora em diante, nada continuará como está. Ou aqueles que têm a vontade e o poder de mudar agem para atender as necessidades do País ou estaremos oferecendo argumentos aos radicais, que sonham com a sociedade totalitária. Um ideal que, além de estar na contramão da história, também é contrário ao que explicitamente desejam os brasileiros, em sua grande maioria. E que, como já ficou provado, também não é capaz de realizar uma justa distribuição da riqueza.

O que se conseguiria com a radicalização? Apenas mais violência, mais sofrimento, mais injustiça. Por isso, ainda uma vez, ergo minha voz para conclamar a todos para o aprendizado da negociação e até mesmo da renúncia. Porque, se ninguém renunciar, vamos ficar nessa queda de braço, um desperdício de tempo e de energias que deveriam estar voltados para o incremento da produção, a solução dos problemas.

Acredito firmemente que, no Brasil, neste momento histórico, a palavra-chave na política seja distributivismo. Já vivemos, em plena ditadura militar, sob o bordão repetido pelas autoridades segundo o qual era preciso primeiro “fazer crescer o bolo, para então distribuir”. Deu no que deu: a economia andava bem, mas o povo ia mal, como foi admitido por um presidente militar.

Mas, naquele momento, as reivindicações populares estavam sufocadas sob a força da repressão e a imprensa vivia censurada. Hoje, as notícias correm, as estatísticas sobre desigualdades sociais se repetem com regularidade e monotonia, sempre apontando para a desvalorização do trabalho. Há anos, os estudiosos repetem que, para os pobres, as possibilidades de ascensão material no Brasil são tão escassas que, quando isso acontece, trata-se de um fenômeno de “capilaridade social”.

Por isso, no nosso caso, nem o crescimento econômico por si só será capaz de construir um país mais justo. Para que isso aconteça, será preciso que se estabeleça um novo padrão de gestão econômica, que passe pela redistribuição da riqueza, incluindo mais e mais brasileiros no gozo da cidadania. Mas, para redistribuir e beneficiar a todos, se faz necessário que aprendamos a renunciar.

Se olharmos, por exemplo, para as discussões em torno da reforma da Previdência, é o caso de nos perguntarmos como pode alguém se sentir humilhado, desqualificado, por receber um salário acima de R$7 mil, quando milhões de brasileiros não estão conseguindo sequer um posto de trabalho para garantir a sobrevivência. É a lógica do dito “farinha pouca, meu faisão primeiro!”

Não importa o passado, não vale a pena ficar olhando para trás com o dedo acusador, descobrir quem errou. Todos erramos. Agora, é preciso reorientar os rumos do País. E de onde a União, os Estados e os Municípios hão de tirar dinheiro a não ser de impostos e taxas e da boa administração do pouco que se tem? O que me surpreende é que não são os menos privilegiados os que mais reclamam, pelo contrário. E me pergunto o que estariam esperando essas pessoas quando votaram em Lula. Que se transformasse o Estado numa espécie de cornucópia mágica, de onde o dinheiro jorra sem limites?

Penso especialmente nos prefeitos - sobre essa questão, o orador que me antecedeu, Senador Hélio Costa, fez uma análise profunda e da maior competência; vou falar sobre o assunto sem a mesma profundidade, mas com a mesma preocupação. Sempre voltada para as questões concretas, prestei muita atenção nas declarações do Presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, do PMDB, atual Prefeito da cidade de Mariana Pimentel, no Rio Grande do Sul.

Segundo dados divulgados pelo Prefeito Ziulkoski, entre os meses de maio e julho houve uma queda de 43% no repasse do Fundo de Participação dos Municípios/FPM, que deve cair ainda mais 4% em agosto. “Não tenho como interromper a merenda escolar, deixar de comprar remédios para hipertensos, nem parar com a hemodiálise”, afirma o Prefeito com razão. Pergunta ele também quem ficará com a conta da dívida social, uma vez que grande parte dos programas dessa área recai sobre o orçamento dos Municípios.

São os prefeitos que enfrentam, nas ruas das cidades ou nas estradas dos Municípios, as hordas de miseráveis que, movidos pela extrema necessidade e - muitas vezes - exaltados por aqueles que apostam na radicalização, invadem terras e edifícios particulares. Anteontem pudemos assistir, e hoje a imprensa toda noticia, à invasão de três hotéis, parece-me, em São Paulo, pelo MSTC. Isso está se tornando perigosamente banal. Para não usar a palavra assustador, eu diria perigosamente banal.

Pessoalmente, tenho muita simpatia pelo repasse de determinados recursos diretamente aos Municípios. Se fazem parte do orçamento das prefeituras, por que razão deverão ficar passeando da burocracia federal para a estadual? Acredita o Presidente da Confederação Nacional de Municípios que a negociação entre Governo Federal e os Estados para liberar 20% das receitas vinculadas há de complicar ainda mais a situação, pois, segundo denuncia ele, “há muitos Estados que pegam o dinheiro da saúde e da educação e não aplicam, nem repassam para as prefeituras”.

Em relação a esse problema, volto ao meu questionamento habitual: é preciso fiscalizar em todas as áreas! Boas leis só podem ter efeito se realmente aplicadas, e, para saber se são aplicadas, é necessário que o Estado conte, efetivamente, com mecanismos de controle e fiscalização.

É verdade que, em determinadas regiões, cuida-se mais da saúde criando redes de distribuição de água tratada, por exemplo, do que investindo em mais postos de atendimento, porque é preferível evitar a doença do que ficar tratando de diarréias crônicas e outras enfermidades provocadas pela água de má qualidade.

Mas é preciso prudência e cuidado, porque a vinculação de percentuais orçamentários para a saúde e a educação teve verdadeiramente um efeito positivo sobre a vida das pessoas, como se pode constatar pela divulgação recente de dados sobre o Índice de Desenvolvimento Humano.

Há um outro exemplo: a recente discussão sobre a quem dar preferência na distribuição de terras no Pontal do Paranapanema, área onde os conflitos entre ruralistas e sem-terra se tornam cada dia mais sensíveis. Não sou do mesmo partido do Governador Alkmin, mas isso não é motivo para não reconhecer a sua razão. Está claro que a preferência da entrega de terras deve ser dada àqueles que primeiro se cadastraram, observado também o seu local de moradia e a vocação para a produção agropecuária.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Concedo um aparte, com muito prazer, a V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Iris de Araújo, atentamente, estamos ouvindo o pronunciamento de V. Exª. Quero dizer que Deus está aqui do meu lado e também a Senadora Roseana Sarney, que governou tão bem, por duas vezes, o Estado do Maranhão. A situação é muito preocupante. O filósofo já diz que a ignorância é audaciosa, Senador Arthur Virgílio. E sempre digo que a minha matemática é pouca, é a do professor Trajano. Sou médico, como o Ministro da Saúde, e sei pouco de matemática. Falamos de pressão 12 por 8. Quando acusa 42º, o termômetro já quebrou. Com 150 de glicemia, o paciente já está em coma, e assim por diante. Porém, em cálculos simples, quero dizer que a situação é preocupante. Vivemos nos Municípios. O povo brasileiro não vive em Brasília, não. São quase seis mil Municípios, Senador Arthur Virgílio. A Senadora Roseana Sarney já governou, por exemplo, 217 deles. Um Governador de Estado sabe que tem as seguintes obrigações: destinar 25% dos recursos para a educação; 12% para a saúde - já são 37% -; e, no mínimo, 13% para o pagamento da dívida. E são poucos os que têm 13%. O Piauí tinha mais, porque tinha outras coisas. São 15%, 16%, 18%. E a metade é do funcionalismo público. Assim, não resta nenhum recurso para investimentos. E, faltando investimento, falta crescimento, falta trabalho. A falta de trabalho é desobediência a Deus, que diz: “Comerás o pão com o suor do teu rosto”. Se não há trabalho, há as mazelas conseqüentes da falta do trabalho. É preocupante! O Governo deve fazer uma reflexão. Devem-se somar as experiências que estão dando a governabilidade nesta Casa, para que sejamos a luz, para que o Brasil possa avançar. O País vai mal. O grande clamor é exatamente a conseqüência do desemprego. O resto é utopia, é mentira. Este País só vai ter emprego se crescer de 6% a 7%, Sr. Presidente, Senador Luiz Otávio. Caso cresçamos nesse percentual, ainda assim, só conseguiremos gerar 1,5 milhões de empregos por ano - portanto, não será alcançada a meta de 10 milhões de empregos. Essa é a realidade. Não é hora, portanto, de comemorar nada, mas sim de refletir. Já serão complentados sete meses de Governo, o que é tempo suficiente até para nascer uma criança.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço ao nobre Senador Mão Santa o aparte. A experiência de V. Exª, por ter governado o seu Estado do Piauí, acrescenta muito ao meu pronunciamento, ao qual dou continuidade.

Uma reforma agrária baseada apenas no distributivismo não resultará na solução de um problema e, sim, na criação de outros: está mais do que claro que, nas fileiras do MST, não estão apenas camponeses sem terra, mas habitantes das periferias das cidades que, por falta de trabalho, perderam a capacidade de garantir um teto para suas famílias.

Em desespero, essas pessoas agregam-se aos sem-terra, na esperança de conquistar um pedaço de chão para morar. Não posso considerá-los um erro, nem me sinto capaz de julgá-los diante das dificuldades que enfrentam. Mas, se, depois de tanta espera, a reforma agrária for encaminhada sem critérios, resultará em uma grande decepção. Cabe às autoridades a responsabilidade de atender não apenas à necessidade, mas também à capacidade de as pessoas realmente se engajarem na produção rural.

Para os desempregados das periferias urbanas, é necessário outro tipo de solução. Recentemente, o Banco Central modificou exigências patrimoniais, possibilitando o crédito a um universo maior de cooperativas. Esse tipo de iniciativa já representa uma política de redistribuição de riqueza, uma vez que democratiza o crédito. No Brasil todo, os chamados “bancos do povo”, que oferecem microcréditos a juros baixos, tornaram-se uma experiência cheia de êxito, eficazes nos seus objetivos e com baixíssima inadimplência.

Mas é preciso mais, muito mais. Os brasileiros confiaram em Lula. É preciso que fique claro, no entanto, que essa confiança tem uma contrapartida concreta.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senadora Iris de Araújo, permite-me V. Exª um aparte?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Concedo-lhe o aparte com o maior prazer.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senadora Iris de Araújo, estamos diante de um impasse da sociedade brasileira, porque estamos vivendo uma era pós-industrial, o que quer dizer que se esgotou a possibilidade do desenvolvimento com geração de emprego na indústria. Todas as vezes que se reestrutura a indústria, gera-se desemprego. Já existe um exército imenso de desempregados. Assim, temos que discutir uma alternativa, um novo modelo de desenvolvimento, porque o modelo fundamentado na economia de mercado gerou desemprego e uma dependência cada vez maior dos capitais, dos fluxos de capitais financeiros, e acentuou as crises no nosso País. Sabemos, por exemplo, que a nossa produção agrícola cresceu muito. O agronegócio é algo espetacular, mas é insuficiente, porque gera, na verdade, poucos empregos, em função do uso de insumos, de equipamentos e tecnologia moderna. Então, deve haver uma alternativa para atender os milhões de desempregados no País. É claro que os serviços estão crescendo, mas não substituirão jamais os empregos perdidos na indústria. Há uma outra questão fundamental: quem são os sem-terra hoje? Penso que são aqueles que estão sem teto na cidade e sem terra no campo, ou seja, aqueles que sobraram do modelo de desenvolvimento industrial. E há outro problema: um modelo esgotado, uma era pós-industrial, com aglomerados urbanos fantásticos. A população toda vive nas áreas urbanas, com a violência crescendo, com tudo o que estamos vendo aí. No meu ponto de vista, a solução é mesmo a reforma agrária. É preciso avançar a reforma agrária e o desenvolvimento do campo. Muito obrigado.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Muito obrigada, nobre Senador.

Gostaria de conceder um aparte ao nobre Senador Arthur Virgílio.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio) - O Senador Arthur Virgílio solicitou a palavra pela Liderança.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Foi o que pensei. Mas a Senadora Roseana passou-me que talvez S. Exª quisesse fazer um aparte. Agradeço, mas certamente não faltará ocasião para que eu me sinta honrada com um aparte de S. Exª.

Para terminar, Sr. Presidente, não é hora de confronto social. É preciso agir dentro da lei e garantir a democracia tão duramente reconquistada. Mas também não é hora de troca de ofensas entre autoridades. Até porque esse tipo de comportamento deteriora a imagem da autoridade em si. O destempero de uns compromete a credibilidade de todos. E, num momento como este, de problemas gravíssimos, a perda do respeito e da confiança na autoridade é o começo do salve-se-quem-puder.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/07/2003 - Página 19405