Discurso durante a 21ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a radicalização dos movimentos sociais.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA AGRARIA.:
  • Preocupação com a radicalização dos movimentos sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 31/07/2003 - Página 20748
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESPONSABILIDADE, TENSÃO SOCIAL, CAMPO, PERIFERIA URBANA, AMEAÇA, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GAZETA DO POVO, ESTADO DO PARANA (PR), CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), APREENSÃO, GOVERNO, FALTA, CONTROLE, VIOLENCIA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, MOBILIZAÇÃO, SINDICATO RURAL, OBJETIVO, CUMPRIMENTO, REINTEGRAÇÃO, POSSE, TERRAS, RISCOS, PREJUIZO, AGRICULTURA, EXCESSO, PROMESSA, GOVERNO FEDERAL, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O BRASIL PEGANDO FOGO E O GOVERNO NO VAI-DA-VALSA

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a impressão que o governo do presidente Lula passa à Nação, em momento tão crítico, é a do navio que começa a soçobrar, com marujos a estibordo tentando impedir o naufrágio, enquanto a bombordo marinheiros inexperientes permanecem indiferentes ao nevoeiro denso, ainda fascinados pelo timão da nau. Não se dão conta de que o feitiço costuma dar voltas em direção oposta.

O Brasil vive sob preocupante tensão no campo e, agora, também na periferia das grandes cidades. A paz, necessária ao crescimento, está ameaçada por um movimento que não surgiu por obra do acaso e já começa a afetar o crescimento da economia.

Como oposição responsável, o PSDB fez, desta tribuna, seguidas advertências ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao governo petista. Nem Lula nem o PT se abalaram e hoje Lula e o PT parecem se preocupar por terem permanecido no vai-da-valsa, sem atentar para os estragos decorrentes do efeito boné.

Hoje, não venho aqui para advertir. Venho para responsabilizar Lula e o governo petista pela postura permissiva que começa a infelicitar o País e a afetar o crescimento, como denunciou em São Paulo o Governador Geraldo Alckmin.

Leio nos jornais que o tom da última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foi de preocupação, a ponto de O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviar, por meio do ministro Tarso Genro (Desenvolvimento Social), um recado para tranquilizar os empresários com relação à radicalização dos movimentos sociais.

O ministro - conforme noticia o jornal O Estado de S.Paulo, transmitiu aos representantes do setor empresarial que os abusos serão contidos e o Estado de Direito será mantido.

Transcrevo, para que conste dos anais do Senado, trecho da notícia publicada pelo jornal paulista:

Desde a semana passada, a tensão de movimentos sociais como as invasões de MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) têm preocupado o governo. A situação ganhou destaque com as afirmações de um dos líderes do MST, João Pedro Stédile, na semana passada que definiu a entidade como "um exército" que "não podem dormir enquanto não acabarem com eles [os latifúndios].

Espera a Nação que, de fato, possam ser contidas as invasões irresponsáveis que pipocam em diferentes regiões. Por enquanto, porém, não é o que estamos vendo.

Leio, a propósito, notícia do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba:

     “O comércio de Cascavel parou por 15 minutos ontem à tarde em solidariedade à Parada pela Paz no Campo, evento promovido pelo Sindicato Rural Patronal que contou com o apoio de outras 13 entidades voltadas à agricultura, comércio e prestação de serviços. Os setores temem que o "descontrole agrário" atinja as cidades dependentes da agricultura. No final do encontro, as entidades decidiram pressionar os governos federal e estadual para o cumprimento das reintegrações de posse. O evento também teve o aval de diversos sindicatos rurais da Região Oeste.

     Uma carreata começou em frente à Praça do Migrante com mais de mil carros passando pelo centro da cidade e terminou no Centro de Convenções e Eventos, com um debate que reuniu cerca de 1,5 mil pessoas. Durante o percurso, a maioria das lojas fecharam as portas. De acordo com o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Cascavel, André Bueno, 50% das vendas do setor são ligadas a agricultura. Bueno afirmou que os reflexos já são sentidos pelas lojas desde os primeiros meses do ano, quando começaram as invasões de terra no Paraná. O encontro atraiu diversas autoridades, entre elas o presidente da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Ágide Meneghetti, e o presidente da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), João Paulo Koslovski. "Nós queremos que o assunto (Reforma Agrária) seja resolvido dentro da lei", disse o idealizador da parada, Nélson Meneggatti. Já o presidente da Faep chamou os governos estadual e federal de omissos na hora de resolver a questão agrária.

     Neste ano, oito propriedades foram ocupadas pelos sem-terra na Região Oeste. Deste total, quatro permanecem invadidas, mesmo com os mandados de reintegração de posse expedidos pela Justiça. Para Koslovski, o clima de intranqüilidade no campo ameaça o agronegócios paranaense. Ele lembrou que o setor é responsável por 65% das exportações do estado. "A Ocepar não é contra a reforma agrária, mas que ela seja feita dentro do limite da lei."

     O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), regional Oeste, não quis comentar as manifestações de ontem dos ruralistas e empresários. Segundo o MST, o movimento discute apenas a questão da reforma agrária e não os reflexos causados no comércio das cidades. No final do encontro, os participantes aprovaram um documento em que pedem às autoridades federal e estadual o cumprimento das ordens de reintegrações.

E aqui por perto não é diferente a situação. O Correio Braziliense traz na edição de hoje reportagem sobre a invasão de uma fazenda em Unaí, onde os chamados Sem-Terra  promoveram destruição e saques. Eis a reportagem desse jornal da Capital

            Ódio na terra de Jesus

Sem-terra arrombam a parede de uma casa de dois andares em fazenda de Unaí, quebram janelas e matam bois e porcos

Lilian Tahan

Da equipe do Correio

Na porteira da fazenda Nova Jerusalém, do advogado João Alves de Oliveira, 52 anos, um aviso: ‘‘Propriedade exclusiva de Jesus’’. Há uma semana, dono divino e dono de fato foram ignorados. A terra de 600 hectares em Unaí, município mineiro a 170 km de Brasília, foi invadida na segunda-feira passada por 230 sem-terra. Eles destruíram uma casa de dois andares, mataram cinco bois, dois porcos, sumiram com galinhas e atearam fogo no paiol de milho, armazém de sal e curral para vacinação de gado. Essa é a primeira grande investida do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região, desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A destruição da propriedade é confirmada pelos próprios acampados do movimento. Um grupo de 30 pessoas que usam bonés e camisetas do MST admitiu ontem ao Correio a autoria da invasão. ‘‘Viramos uma turma de marimbondos. Quebramos tudo e comemos os animais que matamos’’, afirmou Albino Pereira Lopes, um dos acampados próximo à fazenda. Ele diz que foi a terceira ação dos sem-terra desde que chegaram ao local em agosto de 2001. A direção nacional do MST e a coordenação regional do movimento em Unaí foram procuradas e não se pronunciaram sobre o assunto até o fechamento desta edição.

A terra em Unaí é disputada por um grupo de seis ruralistas e 274 famílias de acampados, que ao todo ocupam cerca de 7 mil hectares. A briga foi parar na Vara de Conflitos Agrários da Justiça de Minas Gerais. Até agora não existe uma decisão. Para evitar um conflito, fazendeiros e MST fizeram um acordo há dois meses para dividir a propriedade. Cada ruralista cedeu aos sem-terra lotes que variam de 40 a 300 hectares. O acordo foi firmado diante da juíza Iandara Peixoto Nogueira, na primeira vara da comarca de Unaí.

O acerto, no entanto, não foi cumprido. O grupo de sem-terra expulsou o único morador do lugar, o irmão do caseiro, Éder Ferreira Ruas, e ocupou a propriedade. ‘‘Eles tinham armas e não deixaram a gente se aproximar. Quando tomaram conta da propriedade, soltaram fogos de artifício para avisar aos outros sem-terra’’, relata José Lopes Ferreira, caseiro da fazenda.

Os sem-terra não esconderam os vestígios do estrago. Cinco carcaças de gado ainda estavam com sangue fresco. ‘‘A nossa intenção era só matar a fome. Aqui, a comida é racionada, tem dia que uns ficam sem comer’’, diz a sem-terra Ana Maria Silva. Mas os acampados superaram o primeiro plano. Além de matar o gado, eles são acusados de usar estacas de madeira para fazer rombos nas paredes da casa, quebrar todas as janelas, apropriar-se de peças de um trator e destruir a plantação de soja. João Alves, proprietário da fazenda, estima o prejuízo em R$ 450 mil.

O estrago atribuído ao MST consta no boletim de ocorrência da Polícia Militar de Minas Gerais, que inspecionou a fazenda logo depois da invasão. ‘‘Constatamos que 80 sem-terra invadiram o imóvel, com armas de fogo, inclusive espingardas de dois canos’’, consta na ocorrência. O relatório da PM também denuncia que os sem-terra abateram o gado e deixaram no local 73 Kg de carne, impróprios para o consumo devido ao método empregado no abate.

O boletim de ocorrência foi entregue ao delegado regional de Unaí, Risolando Benedito Dias. Ele disse que a polícia já deveria ter instaurado inquérito desde quando se iniciou a invasão. ‘‘O MST está dificultando as investigações. A polícia não tem acesso rápido aos líderes que, nem sempre, ficam na região’’, justifica o delegado.

Há contradição nos números admitidos pelo MST e denunciados pelos ruralistas. Os sem-terra dizem ter abatido cinco cabeças de gado e um porco. O dono da fazenda Nova Jerusalém sustenta que sumiram 50 vacas, 18 porcos e galinhas. ‘‘Eles sabem que o Incra {Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária} paga o prejuízo, e se aproveitam para aumentar o estrago’’, contesta Ana Maria, sem-terra.

Na tentativa de resolver a situação, quatro dos seis fazendeiros envolvidos no impasse se reúnem hoje com representantes do Ministério Público e do Incra, em Belo Horizonte. Os ruralistas pretendem manter o acordo firmado há dois meses, no qual a terra foi dividida com os acampados. ‘‘Eu tenho a esperança de que o acerto será mantido’’, planeja Shigeki Onoyama, um dos proprietários. Ele é dono de 1,1 mil hectares e cedeu 300 para os acampados. O MST não foi chamado para o encontro. ‘‘Não aceitamos acordo algum, queremos a terra toda’’, diz Albino, um dos acampados.

            Aviso para o governo

O gado abatido foi para matar a fome. A casa destruída, para dar um aviso: ‘‘Queremos mostrar para o governo que não dá para viver sem comida, sem saúde e sem trabalho’’, protestou Vanderlino Nunes da Silva, 40 anos. O camponês vive com a mulher e os dois filhos pequenos no acampamento de Unaí, batizado de Índio Galdino.

Até outubro do ano passado, Vanderlino e a mulher, Conceição de Maria, 23 anos, trabalhavam em uma fazenda de vaca leiteira em Planaltina de Goiás. Foram despedidos e ficaram sem ter outro meio de sobrevivência. Em dezembro do ano passado, o casal trocou o desemprego pela bandeira do MST. Construíram uma casa de três cômodos com palha de buriti (espécie de coqueiro) e lona. ‘‘De dia é um calor que dá para assar um pão. De noite, um frio que dá dor na espinha’’, define Conceição de Maria.

Como os outros 650 acampados, o casal espera ganhar do governo um pedaço de terra para trabalhar. ‘‘Não adianta dar o chão, sem as devidas condições. A gente aqui precisa de tudo um pouco para começar a trabalhar’’, diz Vanderlino. Segundo os acampados, as invasões nas propriedades vizinhas têm dois objetivos. ‘‘Conquistar a terra e dizer às autoridades que vivemos esquecidos’’, explica o sem-terra.

Sem infra-estrutura para plantar, os acampados do MST passam o dia colhendo sobras de milho não aproveitadas pelas máquinas de colher. A única escola próxima ao local fica a 15 quilômetros de distância do acampamento. Todos os dias, 69 crianças, filhos dos sem-terra, pegam o ônibus que as conduzem ao colégio.

            PF vigia movimento

Em busca de uma saída urgente para a questão agrária, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou aos ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, que levantem todos os dados relativos ao problema. Ontem, Thomaz Bastos decidiu intensificar as ações da área de inteligência da Polícia Federal para acompanhar ocupações de fazendas e a movimentação de grupos de sem-terra e fazendeiros pelo país.

A PF já monitora o MST e demais entidades de trabalhadores rurais, além de formação de milícias de fazendeiros. Mas diante da crescente tensão em diversos pontos do país, mais agentes serão mobilizados, sobretudo em áreas como Pontal do Paranapanema (SP) e em estados como Pernambuco, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

O ministro da Justiça vai levantar todo o contencioso jurídico do problema, com o número de ações de desapropriação de terra e o estágio de cada uma delas. Rosseto cuidará do chamado contencioso de terra, a partir de um trabalho do Incra sobre as áreas ocupadas e disponíveis no país.

Nos próximos dias, Lula deve se reunir com os ministros ligados às questões agrárias e de segurança pública para estabelecer a estratégia definitiva do governo para o problema. “

Pelo menos já temos uma promessa.

O que se espera é que da promessa se passe à prática. A verdade é que o atual governo andou semeando expectativas exageradas sobre reforma agrária. Prometeu mundos e fundos, mas não deu nem mundos nem fundos.

Agora, é o próprio Governo a admitir que errou ao prometer em demasia. E acaba de reduzir de 60 para 10 mil famílias em sua meta de assentamentos para este ano. A informação está estampada no noticiário de hoje de O Estado de S.Paulo, a seguir transcrita:

“Fortaleza - O governo não tem dinheiro para cumprir a promessa de assentar 60 mil famílias até o fim do ano, mas deve agilizar a reforma agrária para reduzir a tensão no campo. A informação é do secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, que admite o temor do Palácio do Planalto com o que chamou de "exacerbação" do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

"Atualmente, os recursos disponíveis são suficientes para assentar 10 mil famílias, mas não estamos trabalhando com metas numéricas", afirmou Dulci, que nesta segunda-feira participou da reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com governadores da região abrangida pela Sudene (Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), em Fortaleza. "Parte dessa exacerbação em alguns lugares, com ocupações de terra, é porque há acampamentos de seis, sete anos, mas o presidente Lula garantiu que vamos priorizar os acampamentos mais antigos, nos quais a situação de vida deteriorou muito", argumentou o ministro, que procurou amenizar informações do próprio governo sobre "infiltração política" no movimento. De qualquer forma, ele admitiu que, em muitos casos, os sem-terra ultrapassam os limites.

"Há excessos, há tensões artificiais de parte a parte, mas a raiz (das invasões) é concreta: é a necessidade de fazer a reforma agrária para que as pessoas que estão embaixo da lona possam trabalhar na terra", resumiu Dulci. Coordenador do grupo interministerial encarregado de identificar terras públicas e privadas para a reforma agrária, o ministro estima que o número de famílias beneficiadas pode chegar a 30 mil, metade do que foi prometido.

Mas somente se o Executivo conseguir uma negociação muito boa. O governo, de acordo com ele, tenta "amarrar" a reforma agrária em trës frentes:1) terras privadas desapropriadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); 2) terras públicas improdutivas, inclusive de instituções federais, como Banco do Nordeste (BNB) e Banco da Amazönia (Basa); e 3)terras negociadas diretamente com os proprietários, o que vem ocorrendo em maior escala, até agora, no Paraná.

Para Dulci, só haverá possibilidade de atender mais de 30 mil famílias neste ano se houver o descontingenciamento total dos recursos orçamentários. Em reunião realizada na semana passada com deputados do PPS, o próprio Lula afirmou, reservadamente, que não teria como garantir o assentamento de 60 mil famílias até dezembro, por causa do aperto financeiro, embora tenha reforçado a meta, no mës passado, durante encontro com líderes do MST. Os sem-terra reivindicam o atendimento de 120 mil famílias, muitas delas acampadas há vários anos.

O secretário-geral da Presidencia lembrou que foram liberados R$ 5,3 bilhões para agricultura familiar até o fim do ano. Ele disse ainda que, numa reforma agrária, 70% do custo é referente ao preço da terra. "Por isso, estamos agilizando o levantamento das terras públicas improdutivas", comentou. Para o ministro, muitos assentamentos feitos no governo Fernando Henrique Cardoso eram "sem qualidade". "Nào tinham água, luz, eram distantes dos centros consumidores e com solo inadequado", descreveu.

Vera Rosa “

Que a situação é tensa, em todo o País, já não há dúvidas. O próprio Palácio do Planalto, revelou trechos de documento interno, divulgados pelo O Estado de S.Paulo, em sua edição de domingo último. Começa pelo título: “Clima de violência assusta Planalto.”

No documento, o Planalto diz temer que se consolide a imagem do presidente Lula como impotente diante dos conflitos. Pela importância do tema, transcrevo o noticiário em apreço, que é o seguinte:

            Clima de violência assusta Planalto

Documento sigiloso da Presidência mostra preocupação com rumos do governo

VERA ROSA

BRASÍLIA - Sem conseguir conter a tensão no campo e na cidade e a forte resistência à reforma da Previdência, o Palácio do Planalto teme consolidar a imagem de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está impotente diante dos conflitos e fragmentado em várias frentes.

Documento sigiloso sobre os rumos estratégicos do governo, produzido pela assessoria especial da Presidência, destaca que o controle fiscal deve se subordinar à agenda do desenvolvimento, da geração de empregos e ampliação de políticas sociais, com medidas que atenuem a expansão da violência. Ao avaliar os seis primeiros meses de poder, o texto não esconde a preocupação:

diz que é preciso criar uma marca, um discurso unificador para as ações da gestão petista.

O receio é de que todo o esforço em prol do ajuste das contas possa ser comprometido pela desarticulação entre os ministérios. Nem o avanço da reforma da Previdência na Câmara nem a queda dos juros foram capazes de afastar o governo, nos últimos dias, de uma agenda negativa, dominada por invasões, desemprego recorde, queda dos investimentos externos, protestos de servidores públicos e sensação de inoperância da máquina federal. Agora, até mesmo o PT, partido do presidente Lula, cobra resultados expressivos.

O documento sobre os rumos da gestão Lula foi feito com base na resolução aprovada pelo diretório nacional do PT, há duas semanas, em São Paulo. O texto que recebeu sinal verde da seara petista - e passou praticamente despercebido por causa da confusão criada, na reunião do diretório, em torno dos dos chamados radicais - bate na tecla da inoperância.

"(...) Nota-se a necessidade de uma maior eficácia operacional dos ministérios, uma maior coordenação administrativa e política entre os diversos órgãos (...) na definição e execução de diretrizes e projetos prioritários do governo", diz um trecho da resolução, no capítulo Os desafios do presente e do futuro. Para completar, um recado pragmático: "O governo precisa ser ativo para não frustrar esperanças."

O PT pede a Lula "medidas de reforma agrária e iniciativas que visem a atenuar os potenciais de conflito no campo e na implementação de ações para conter a expansão da violência, do narcotráfico e do crime organizado".

Cobra "sentido de urgência" na coordenação, execução e ampliação das políticas públicas nas áreas sociais.

"O enfrentamento dos problemas sociais deve ser visto como parte central do programa econômico do governo, e não como componente adicional", admite o ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho. "Mas estamos criando condições para isso."

Timidez - Até hoje, porém, as iniciativas anunciadas - como a recente concessão de microempréstimos para pessoas de baixa renda - são consideradas tímidas para retomar o crescimento. "Nas várias consultas que tenho feito, ouço que a queda dos juros é boa, mas ainda insuficiente, e há um sentimento de que o governo precisa avançar mais", observa o secretário especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Tarso Genro. "Deve haver um senso maior de urgência para fazer a economia crescer", completa o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Lula está muito preocupado com a explosão de violência e com o alto índice de desemprego - a maior taxa já registrada desde outubro de 2001. Cobra ações imediatas, urgentes, para ao menos minimizar os efeitos da recessão.

"Estou tendo muita paciência, até demais", diz. Um colaborador do presidente conta que ele tem cobrado com tanta insistência a unificação dos programas sociais que, se isso não for feito ainda neste semestre, não tem dúvida de que cabeças vão rolar.

No mês passado, quando recebeu em seu gabinete os principais líderes do Movimento dos Sem-Terra - no famoso encontro em que vestiu o boné do MST -, Lula fez um acordo ousado. Prometeu assentar 60 mil famílias neste ano, mas, em troca, exigiu três contrapartidas: 1) que o MST não se envolvesse na luta interna do PT, ou, em outras palavras, na briga dos radicais; 2) que não invadisse prédios públicos nem pedágios e 3) que não participasse das manifestações de servidores contra a reforma da Previdência. O problema é que a direção do MST não controla mais os diversos bolsões do movimento em todo o País.

Na quinta-feira, insatisfeito com o ritmo lento do governo na reforma agrária, o coordenador do MST, João Pedro Stédile, pôs lenha na fogueira ao convocar uma "guerra" contra o latifúndio. "Não vamos dormir até acabarmos com os fazendeiros", disse. O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, avisou Lula que elevaria o tom porque a declaração de Stédile não poderia passar sem resposta incisiva. "Não duvidem da autoridade do governo", reagiu o ministro. Numa tática combinada, o presidente do PT, José Genoino, foi no mesmo diapasão: "O País não pode conviver com esse clima de radicalização e com invasões, que criam insegurança na sociedade."

Da chamada "tropa de choque" governista, o deputado Paulo Bernardo (PT-BR) admite que, no meio de tanta turbulência, ainda existe um "contencioso" entre a bancada do PT e o Planalto. "Esse desgaste na relação pode causar problemas na hora da votação da reforma da Previdência no plenário da Câmara", afirma. E conclui: "Nós podemos ter a fase do rolo compressor, ligar o trator, mas isso não funciona toda hora, porque deixa muito efeito colateral."

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/07/2003 - Página 20748