Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio à conduta da empresa Vale do Rio Doce que ingressou com ação de indenização de danos morais contra o jornal O Popular. (como Lider)

Autor
Duciomar Costa (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PA)
Nome completo: Duciomar Gomes da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • Repúdio à conduta da empresa Vale do Rio Doce que ingressou com ação de indenização de danos morais contra o jornal O Popular. (como Lider)
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/2003 - Página 22127
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • REGISTRO, IMPETRAÇÃO, AÇÃO DE INDENIZAÇÃO, DANOS MORAIS, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), JORNAL, O LIBERAL, ESTADO DO PARA (PA), ALEGAÇÕES, DIFAMAÇÃO, EMPRESA.
  • REPUDIO, CONDUTA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), TENTATIVA, CONTROLE, LIBERDADE DE IMPRENSA, LIBERDADE DE PENSAMENTO, JORNAL, O LIBERAL, ESTADO DO PARA (PA), POPULAÇÃO, REGIÃO, REGISTRO, IDONEIDADE, FONTE, DOCUMENTO, UTILIZAÇÃO, IMPRENSA.
  • QUESTIONAMENTO, POSSE, TERRAS, COBRANÇA, ROYALTIES, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), CRITICA, TENTATIVA, INTIMIDAÇÃO, IMPRENSA, MANIFESTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O LIBERAL, ESTADO DO PARA (PA), CUMPRIMENTO, FUNÇÃO, INFORMAÇÃO, CIDADÃO.

O SR. DUCIOMAR COSTA (Bloco/PTB - PA. Como Líder.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Companhia Vale do Rio Doce ingressou, em 28 de julho próximo passado, com uma ação de indenização por danos morais, na Justiça Estadual do Pará, mais especificamente na 8ª Vara Cível de Belém, contra o jornal O Liberal, alegando que aquele diário paraense teria publicado diversas matérias, ao longo de seis meses, com intenção deliberada de difamar-lhe a imagem de pessoa jurídica.

O contestado teor das publicações versa sobre temas vários, tais quais o discutível domínio legal da Companhia Vale do Rio Doce referentemente a terras pertencentes ao Estado do Pará, royalties, ações judiciais movidas contra a Vale do Rio Doce, ferrovias e consumo de energia.

Entre tais matérias, objeto da ação indenizatória contra O Liberal, também está a implantação do novo pólo siderúrgico, tema da hora, assunto comezinho discutido nas ruas, nos bares, nas praças e nas repartições públicas do meu Estado. O forte interesse a seu respeito se deve ao fato de estar em questão o orgulho do paraense. O que a população deseja é que o pólo siderúrgico seja implantado em solo paraense, em suas terras, de onde, afinal, se extrai a matéria-prima a ser beneficiada pela Vale. Há poucos dias, noticiou-se a escolha do Estado do Maranhão para o novo pólo siderúrgico, em detrimento do Pará - assunto a merecer minha detença atenção oportunamente.

Ora, Sr. Presidente, não poderia deixar de consignar desta tribuna meu repúdio à conduta da Companhia Vale do Rio Doce, que, sob o pretexto de sentir-se moralmente lesada, aciona o diário O Liberal.

Temo que atitudes como essa, cada vez mais freqüentes no País, camufladas pelo afã de uma justa prestação jurisdicional, tenham como efetivo e real intento o de cercear a liberdade de imprensa, uma valiosa conquista dos Estados democráticos de direito, em que se pressupõem povos - homens, mulheres, juventude e imprensa - livres de mordaça.

O Liberal, ao traduzir as apreensões do povo do Pará - tudo nos leva a crer -, nada mais fez do que trazer à berlinda as preocupações de todas as “gentes” daquelas plagas, ou seja, o clamor e o ideário popular em torno das questões que foram publicadas por aquele jornal.

Trago comigo, Srªs e Srs. Senadores, quase a totalidade das matérias contra as quais se insurge a Vale. Acompanhei, dia após dia, o noticiário de O Liberal e aqui tenho, Sr. Presidente, notícias que espelham fatos, matérias extraídas de documentos e de informações fidedignas, devidamente consignadas pelo jornal.

O que li diz respeito às impressões e anseios do povo do Pará e a situações de antigo conhecimento público em que se põe em discussão o tratamento respeitoso e correto que se almeja confira aquela Companhia ao Estado de cuja terra ela extrai os minérios, os quais, na verdade, afiguram-se o maior arrimo do seu êxito empresarial.

            Deixo patente que aqui não me arvoro, em princípio, na defesa do jornal acionado, conquanto lhe tenha apreço pelo seu devotamento à ética jornalística. Todavia, essencialmente, o que está em jogo não é aquele diário, e sim a liberdade de imprensa, a livre manifestação de pensamento, a observância a preceitos constitucionais e infraconstitucionais que nos garantem a cidadania, a democracia, o direito de manifestar idéias e juízos, desde que grassem sob a égide da verdade e do profissionalismo, de fontes idôneas e de fatos comprováveis.

E desse modo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, parece-me ter agido O Liberal. Senão vejamos: não seria, pois, de domínio público a rançosa polêmica sobre os 412 mil hectares ocupados pela Companhia Vale do Rio Doce na região da Serra dos Carajás, à guisa de um registro imobiliário discutível, já que conferido graciosamente à companhia por um decreto-lei exarado em plena ditadura militar? Também não seria de conhecimento geral a ação popular que está sendo movida contra a Companhia Vale do Rio Doce objetivando a devolução ao Estado do Pará daquelas terras?

Na divulgação desses fatos, Sr. Presidente, não se divisam inverdades, tampouco a intenção de ofender, mas aquela de informar, escopo primeiro de quaisquer veículos de comunicação que prezem seu múnus.

Da mesma forma, há muito faz-se alvo de calorosa discussão pública a questão dos royalties envolvendo a Vale, publicada pelo jornal O Liberal. É sabido que o Estado do Pará perde financeiramente ao arrecadá-los incidentes apenas sobre a produção mineral, deixando de recebê-los quanto ao direito superficiário. Daí decorre um prejuízo de mais de R$400 milhões ao povo paraense, importância que poderia estar alavancando a produção do nosso Estado.

Por que a imprensa estadual se deveria postar silente a respeito? Por que não divulgar um assunto que é insistentemente abordado pelos mais diversos segmentos públicos e privados do Estado do Pará? A missão de um jornal, repito, repousa, sobretudo, na informação, no esclarecimento dos temas de pulsante interesse coletivo.

Assim também se deu com os demais artigos daquele jornal em que figurava a Vale do Rio Doce, todos oriundos da recorrente indagação e curiosidade popular.

Outro exemplo a ser citado é a obstrução da Ferrovia Carajás pelos índios Gavião, noticiada, aliás, não só pelo jornal O Liberal, mas por todos os veículos de comunicação do País.

Deveria silenciar a imprensa do Pará sobre tudo aquilo que se relacionasse àquela companhia? Afinal, que pretenso e estranho poder é esse que tão alto se ergue? Estariam, para a nossa perplexidade, a confundir liberdade de imprensa com liberdade de empresa?

Por todo o País, campeiam ações judiciais contra veículos de comunicação, em que grandes conglomerados, poderosas empresas, figuram no pólo ativo da lide, na tentativa não de buscar justiça de fato, mas de intimidar os órgãos da imprensa, para que se calem em seu benefício. Escondem, sob o manto da prerrogativa legal, o animus de um novo tipo de censura - não mais aquela típica dos idos períodos revolucionários de opressão, mas a que tipifica “pura pressão”.

Para o nosso gáudio e tranqüilidade, o Poder Judiciário parece estar atento ao uso desse artifício, a ponto de, por consenso e cautela, evitar a aplicação, nesses casos, do julgamento antecipado da lide e de liminares, elidindo, assim, no curso do processo, o risco de arbitrariedades, cerceamento de defesa do réu e intimidação da imprensa.

É bem da verdade que a Constituição Federal em seu art. 5º, incisos V e X, garantiu ao cidadão - e aí também se compreende, no que couber, a pessoa jurídica - a intimidade, a honra e a imagem. Legislação correlata, como a Lei de Imprensa, também faculta instrumentos para a defesa da violação desses direitos. É imperativo, entretanto, que sejam utilizados com responsabilidade, em respeito à sociedade em geral e ao próprio Judiciário que, já tão assoberbado com milhares de processos, deve ser avocado com absoluta honestidade de propósitos e não meramente “usado” para o logro de objetivos pouco nobres.

Estou, sim, solidário com O Liberal, mas também com a imprensa brasileira da qual aquele jornal faz parte, mais uma vez ferida no que lhe é mais caro: no direito de ser livre para cumprir o seu dever de bem informar o seu País.

Finalizo minha exposição com uma pequena parte de um breve texto, porém providencial de Rui Barbosa, grande defensor da democracia e da liberdade de imprensa, proferido no calor de uma campanha mundial pela livre manifestação de pensamento:

Deixai a imprensa com suas virtudes e os seus vícios. Os seus vícios certamente encontrarão corretivos nas suas virtudes.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/2003 - Página 22127