Discurso durante a 91ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao povo acreano e à sua história de luta pela liberdade e autodeterminação.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao povo acreano e à sua história de luta pela liberdade e autodeterminação.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/2003 - Página 22535
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, BRASIL, REVOLUÇÃO, ANEXAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC), TERRITORIO NACIONAL.
  • HOMENAGEM, POVO, ESTADO DO ACRE (AC), LUTA, LIBERDADE, SOBERANIA NACIONAL, IMPORTANCIA, RECUPERAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, ATUAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE.

A SRª.FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Revolução Acreana representa um dos episódios mais importantes da História do Brasil. Trata-se de um movimento libertário copiosamente documentado em elucidativos trabalhos, não obstante as dificuldades enfrentadas por pesquisadores que se dedicaram a esta empreitada, devido à desorganização dos arquivos ou às condições precárias de documentos.

Os primórdios do movimento nos remetem à cidade de Belém, no dia 3 de junho de 1899, quando o jornalista Luiz Galvez publicou matéria divulgada em diversos jornais paraenses em que denunciava a existência de um acordo escuso estabelecido preliminarmente entre diplomatas da Bolívia e dos Estados Unidos da América. O acordo previa uma aliança em caso de guerra entre o Brasil e a Bolívia pelo domínio do Acre. As revelações de Galvez provocaram intensa repercussão, embora as autoridades americanas e bolivianas tenham rechaçado oficialmente as notícias.

Galvez lançou-se à causa revolucionária. Depois de sucessivas negociações realizadas em Manaus, partiu rumo ao Acre levando consigo a determinação de idealista e o apoio ostensivo do Governo do Amazonas, que fomentava interesses em anexar a região conflagrada. Já no Acre, uniu-se aos seringalistas da Junta Revolucionária com o objetivo de fundar um estado independente, tendo em vista a posição inarredável do governo brasileiro em reconhecer os direitos bolivianos.

A premência dos fatos acelerou o processo, robusteceu as convicções dos insurgentes. Não por acaso, no dia 14 de julho de 1899, em deliberada referência à data da queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa, foi criado o Estado Independente do Acre, cujo nome da capital, Cidade do Acre, substituía Puerto Alonso, nome da cidade sob o domínio boliviano. Luiz Galvez tornou-se presidente do novo país por aclamação.

Expediu, já na condição de presidente, inúmeras correspondências para diversos países da Europa e da América para obter o reconhecimento internacional do novo país. Elaborou-se, ainda sob sua gestão, Legislação dispondo sobre estrutura organizacional, regulando globalmente as relações sociais do povo acreano, bem como saúde, educação e Forças Armadas. Considerada bastante progressista para a época, prejudicava, no entanto, os interesses de alguns seringalistas e principalmente aviadores e exportadores de Manaus e Belém.

O agravamento das tensões fez com que Galvez fosse deposto em 28 de dezembro de 1899, pelo seringalista Antônio de Souza Braga que assumiu a presidência do Acre. Diante das dificuldades encontradas, Braga não conseguiu equilibrar a situação acreana e chamou Galvez para reassumir o cargo em 30 de janeiro de 1900.

A partir desses acontecimentos e da enorme polêmica nacional que se tornou a questão acreana, o governo federal mandou para o Acre uma força tarefa da marinha brasileira para destituir Galvez e devolver o Acre ao domínio boliviano, o que aconteceu em 15 de março de 1900, sem nenhuma resistência por parte dos revolucionários.

O governo boliviano reassumiu o controle do Acre ocupando militarmente diversas localidades. O governo do Amazonas, com o firme objetivo de anexar o Acre ao seu estado, financiou uma expedição armada. Aí, temos o registro de episódio pitoresco. Refiro-me, Sr. Presidente, à Expedição Floriano Peixoto, como era oficialmente chamada, composta por boêmios e profissionais liberais de Manaus sem nenhuma experiência militar. O combate entre a Expedição dos Poetas, nome mais popular da expedição, e o exército boliviano aconteceu em 29 de dezembro de 1900 em Puerto Alonso, com a derrota dos poetas que voltaram corridos para Manaus.

Finalmente, depois de tantos boatos e denúncias, foi assinado pela Bolívia o contrato de arrendamento do Acre com um sindicato formado por capitalistas norte-americanos e ingleses, em 11 de julho de 1901. Logo depois chegou ao Acre D. Lino Romero, autoridade boliviana encarregada de preparar o Acre para o estabelecimento do Bolivian Syndicate que estava previsto para ser instalado em 02 de abril de 1902. Essa notícia repercutiu como uma bomba junto à opinião publica e aos meios políticos nacionais. O Bolivian Syndicate representava uma ameaça concreta e grave à soberania brasileira sobre a Amazônia, o que forçou ao governo federal a finalmente se posicionar em relação à questão acreana de forma a impedir a efetiva instalação dessa Companhia Comercial que traria para o Imperialismo Norte-americano o controle territorial (e militar inclusive) de uma das regiões mais ricas da Amazônia.

Diante dos fracassos anteriores e da indecisão do governo federal, os seringalistas insatisfeitos com a dominação boliviana e temerosos das conseqüências do Bolivian Syndicate articularam uma nova revolta, novamente com financiamento do governo do Amazonas, para cujo comando foi convidado um homem com experiência militar. Plácido de Castro, ao assumir a revolução preparou um exercito de seringueiros (embora os oficiais fossem todos seringalistas) e começou a luta em 6 de agosto de 1902, em Xapuri. A guerra entre o exército acreano e as forças regulares bolivianas foi dura e passou por momentos sangrentos, durando até 24 de Janeiro de 1903.

A mudança na presidência brasileira foi marcada por uma nova postura do governo brasileiro em relação ao Acre. Enquanto Campos Sales (1898 / 1902) não quis envolver a problemática republica brasileira na questão acreana, o novo Presidente Rodrigues Alves (1902/1906) estabeleceu uma política oposta. Rio Branco, nomeado Ministro das Relações Exteriores, iniciou as negociações com a Bolívia que foram resolvidas com o estabelecimento do Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903.

Com isso o Acre passou a fazer parte do Brasil, restando ainda o problema com o Peru que só seria definitivamente resolvido em 8 de setembro de 1909 com a assinatura do Tratado do Rio de Janeiro. Mais uma vez foi declarado o Estado Independente do Acre, embora o objetivo final dos acreanos continuasse sendo obter a anexação do Acre ao Brasil.

Esta é a história oficial da Revolução Acreana. Romântica, dramática e libertária, como é comum acontecer com toda insurreição de origem popular. Está disponível nos canais de divulgação do Governo do Acre, como também é comum acontecer com governos populares e democráticos que se orgulham e valorizam sua história, como o faz o atual Governador do Acre, o companheiro petista Jorge Viana.

Quero, no entanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também me reportar à história social, aquela que enfoca e privilegia os segmentos sociais tradicionalmente excluídos de nossa história oficial. Gostaria de prestar minha homenagem à história do povo acreano, e também aos povos formadores da identidade do povo acreano. Aos seringueiros anônimos que se alistaram no exército revolucionário. Não eram profissionais, eram soldados das matas, da liberdade, soldados da vida, nas palavras do historiador acreano Carlos Alberto de Souza, que trabalhavam para sobreviver, onde até hoje a vida não é fácil. Gostaria também de homenagear as mulheres, que apesar de não terem lutado contra os bolivianos, não terem se tornado heroínas, de muitas formas ajudaram o seus maridos a enfrentar as batalhas, seja ficando em casa, seja cuidando dos filhos ou do roçado.

Há informações, nesse sentido, de que uma seringalista, viúva, ficou tomando conta do seringal e foi uma das primeiras a sofrer violências quando as forças adversárias estabeleceram a alfândega boliviana. Ou ainda, como relatou ontem o nobre colega, Senador Geraldo Mesquita, do Plenário desta Casa, a figura lendária de Angelina Gonçalves, dona-de-casa que assumiu o lugar do marido ferido em combate e teve sua bravura e destemor reconhecidos inclusive por seus inimigos de batalha, os bolivianos, que a capturaram de armas em punho reagindo à invasão de sua colocação.

Temos de recuperar essas questões, cobrir as lacunas da historiografia oficial e nos preocupar também com outros aspectos da Revolução. Utilizo-me de definição do historiador Eric Hobsbawn: “O papel da história é relembrar aquilo que as pessoas esquecem”. Presto, portanto, minhas homenagens ao povo acreano e à sua história de luta pela liberdade e autodeterminação. Muito Obrigado!

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/2003 - Página 22535