Discurso durante a 94ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Urgência da devolução ao Pará e outros Estados da Amazônia de terras federalizadas.

Autor
Duciomar Costa (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PA)
Nome completo: Duciomar Gomes da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Urgência da devolução ao Pará e outros Estados da Amazônia de terras federalizadas.
Aparteantes
Amir Lando.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/2003 - Página 23066
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • ANALISE, CONTRADIÇÃO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, FEDERAÇÃO, FALTA, AUTONOMIA, ESTADOS, ESPECIFICAÇÃO, FEDERALIZAÇÃO, TERRAS, REGIÃO NORTE, COMENTARIO, ESTUDO TECNICO, PROFESSOR UNIVERSITARIO, LEGISLAÇÃO, REFERENCIA, FAIXA DE FRONTEIRA, MARGEM, RODOVIA, Amazônia Legal, REGISTRO, DADOS, SUPERIORIDADE, POSSE, UNIÃO FEDERAL, TERRITORIO, ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, BUROCRACIA, HISTORIA, GOVERNO BRASILEIRO, ORGÃO PUBLICO, INEFICACIA, ATENDIMENTO, POLITICA FUNDIARIA.
  • EXPECTATIVA, URGENCIA, DEVOLUÇÃO, UNIÃO FEDERAL, POSSE, TERRAS, ESTADO DO PARA (PA), ESTADOS, REGIÃO AMAZONICA, MOTIVO, DIFICULDADE, DESENVOLVIMENTO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.

O SR. DUCIOMAR COSTA (Bloco/PTB - PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a História do Brasil republicano é marcada pela contradição entre a forma federativa, consagrada nas Constituições nacionais desde 1891, e uma prática política solidamente fundada na tradição centralista, herdada da origem imperial da consolidação do País como nação independente. Com freqüência lamentavelmente excessiva, essa contradição tem sido agravada durante os períodos de governo autoritário que se implantaram em momentos críticos dessa nossa História republicana, como nos quadros institucionais do Estado Novo, entre 1937 e 1945, e do regime militar, que vigorou entre 1964 e 1985.

A autonomia dos Estados federados, assim, conquanto inscrita nas sucessivas leis fundamentais, tem um sentido muito reduzido quando consideramos, para além da letra da lei, os fatos mais recorrentes da vida política nacional. A presente discussão da reforma tributária, a propósito, é um exemplo de como é imposta aos Estados da Federação uma pauta de discussão sobre assunto de interesse disperso e de como lhes é limitada e cerceada a margem de apresentação de propostas alternativas.

Essa reflexão ocorreu-me ao espírito ao examinar informações referentes à apropriação, pelo Governo Federal, de terras pertencentes ao Estado do Pará, abordada em estudo de autoria do eminente advogado e professor de Direito Agrário da Universidade da Amazônia, Unama, Dr. Cândido Paraguassu Éleres.

Às Srªs e aos Srs. Senadores representantes de Estados distantes da Hiléia e que não a conhecem cabe dizer que o Dr. Paraguassu Éleres tem grande reputação no Pará, e na Amazônia em geral, como profundo conhecedor das questões fundiárias da região e como indômito paladino dos interesses dos Estados amazônicos no que se refere à luta pela restauração do domínio daquelas unidades federativas sobre as terras que nós, amazônidas, consideramos usurpadas pela União ao longo de uma já longa história de equívoco quanto às políticas federais para o Norte.

A questão da federalização de terras pertencentes aos Estados é antiga. A Constituição de 1891, a primeira da República, precisamente por se contrapor à estrutura centralizante do Império, a de mais forte espírito federalista, reservava à União em seu art. 64 “somente a porção do território que fosse indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais”, o que significava, fundamentalmente, as faixas de fronteira com países vizinhos, definidas, desde o Império, como tendo a largura de dez léguas, ou 66 quilômetros. Não há quem não considere justa a reserva federal para a faixa de fronteira, e não é ela que está em questão.

A longa linha de fronteira internacional dos Estados amazônicos, no entanto, e a reduzida densidade demográfica na maior parte da área definida como faixa de fronteira sempre atiçaram as preocupações de defesa do território dos estamentos militares. Por isso, em repetidas ocasiões em que as Forças Armadas fizeram predominar os seus pontos de vista, programas de defesa de cunho predominantemente militar foram instituídos para a área, sem que os Governos Municipais e Estaduais tivessem qualquer participação.

São os casos, por exemplo, da decisão de construir a rodovia Transamazônica, de estabelecer programas como o Calha Norte e, mais recentemente, da implantação do Sistema de Proteção da Amazônia e do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sipam e Sivam).

Quanto à faixa de fronteira, deve-se dizer que a Carta de 1934 a estendeu a 100 km, e a de 1937, a 150 km, dimensão mantida até hoje, com a matéria regulada pela Lei nº 6.634, de 1979, e pelo Decreto nº 85.064, de 1980. No Pará, os 490 km de linha de fronteira com o Suriname e com a República da Guiana produzem mais de 79,5 mil km² de área federalizada como faixa de fronteira, ou cerca de 6,3% da superfície total do Estado. São terras de que o Governo do Estado do Pará não pode dispor para alienar, vez que o mesmo Decreto nº 85.064 determina que, “para alienação ou concessão de terras públicas na faixa de fronteira, o processo terá início no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)”, instituição federal.

Os problemas mais graves, porém, são provenientes da imposição, pelo Governo militar, do Decreto-Lei nº 1.164, de 1971, no contexto da paranóia de segurança nacional daqueles tempos sombrios. Por esse dispositivo legal, passaram a ser consideradas “indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacional as terras devolutas situadas na faixa de 100 km de largura” de cada lado das rodovias federais que cortavam a Amazônia Legal. Mais tarde, em 1976, o Decreto-lei nº 1.473 aumentava ainda mais a área de terras federalizadas na Amazônia.

Consideremos, ainda, o atabalhoamento com que sucessivos Governos vêm tratando a questão fundiária no País e, mais caoticamente, na Amazônia, de que é sintoma a criação de entes como a Superintendência de Política Agrária (Supra), o Grupo Executivo da Reforma Agrária (Gera), o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda), o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), o Grupo Executivo das Terras do Baixo Amazonas (Gerbam), o Instituto Jurídico de Terras Rurais e o já mencionado Incra, além da miríade de siglas e nomes de Ministérios que foram sendo criados para tratar do tema, como Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (Meaf), Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Mirad), Ministério da Agricultura e da Reforma Agrária (Mara), Ministério da Reforma Agrária e, hoje, Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Trata-se de uma selva de siglas mais impenetrável que a Amazônia, a demonstrar um apetite enorme para a organização burocrática, mas pouca ou nenhuma efetividade, quando observamos os resultados. Houve momentos em que funcionavam no Estado, simultaneamente e em concorrência ao Instituto de Terras dp Pará (Iterpa), o Getat, o Gebam e o Incra, além de outros órgãos federais que respondem por jurisdição de terras, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o Serviço do Patrimônio da União e, por último nesta lista, mas talvez o mais absurdo, o Ministério da Defesa.

Quando aponto para o Ministério da Defesa e seus Comandos Militares como dos ocupantes mais absurdos de terras no Pará, penso em um fato notório entre as pessoas que conhecem nossa Capital, Belém.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Senador, V. Exª me concede um aparte?

O SR. DUCIOMAR COSTA (Bloco/PTB - PA) - Ouço V. Exª em um minuto, Senador Amir Lando.

A cidade é cercada pelas áreas de reserva do Exército Brasileiro, da Marinha do Brasil e da Força Aérea Brasileira de uma maneira tal que constitui verdadeiro cerco, que impede a expansão territorial da marcha urbana, apesar da grande pressão demográfica causada pelo crescimento vegetativo da população e pela imigração massiva resultantes da expulsão dos caboclos de seus espaços originais.

Concedo um aparte ao nobre Senador Amir Lando.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Senador Duciomar Costa, quero parabenizá-lo por ter trazido à sessão do Senado um tema relativo a nossa Amazônia. V. Exª está de parabéns porque aborda, com muita profundidade, aquilo que é a tessitura jurídico-fundiária não apenas do Estado do Pará, mas da Amazônia como um todo. Eu gostaria de fazer algumas considerações importantes. Em primeiro lugar, como V. Exª bem citou, desde a Lei nº 600, de 1850, foi edificada a idéia da faixa de fronteira como domínio federal. As Constituições, posteriormente, vieram sempre na mesma linha. Hoje, essa faixa é de 150 km, na forma da Lei nº 2.549, de 1955. Gostaria de fazer um esclarecimento sobre o que V. Exª abordou, pois pouca reflexão tem havido sobre isso. Trata-se de esclarecer qual é o território dos Estados, o patrimônio fundiário dos Estados e da União. Em verdade, é só a faixa de fronteira. Eu não tenho neste momento o número de toda a legislação posterior, mas V. Exª citou bem o Decreto-lei nº 1.164/71, estabelecendo que 100 km de cada lado são de domínio da União - falo da malha de rodovias federais na Amazônia -, a pretexto, como disse V. Exª, de melhorar a segurança nacional. Posteriormente, outro decreto-lei - não sei o número - estabeleceu que apenas as situações jurídicas constituídas e os casos pendentes permaneciam sob o domínio da União. Na verdade - e creio que é o ponto relevante -, a Constituição de 1988 não recepcionou decreto-lei dessa natureza, tampouco esse. Automaticamente, as terras situadas nos 100 km - mesma situação jurídica constituída - que já passaram para o domínio privado ou foram incorporadas ao domínio da União permanecem no domínio federal. Todas as demais terras passaram para o domínio do Estado, mas, enquanto isso, o Incra, a pretexto das situações jurídicas constituídas, continuou dispondo dessas terras como se fossem da União. Ora, a partir de 1988, qualquer intervenção fora da faixa da fronteira da União, sobretudo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, passou a ser indevida e, conseqüentemente, uma usurpação do domínio do Estado, de qualquer unidade federada. E na Amazônia essa prática continua comum. Em Rondônia, por exemplo, temos uma faixa de fronteira imensa, mas além disso o Incra continua a dispor das terras - inclusive concedendo licença de ocupação, títulos precários de posse - que eram do Estado e não da União. Isso ensejará e enseja uma indenizatória. Não há dúvidas de que toda aquela disposição de terras dos Estados federados por parte da União implica indenização, o mínimo que pode acontecer. Nemo dat quod non habet, ou seja, ninguém dá o que não tem! A União não poderia continuar dando terras do patrimônio estadual ou da unidade federada em detrimento exatamente daquilo que é uma ofensa ao patrimônio dos Estados. Ora, esse é o ponto que gostaria de mencionar a V. Exª. Além disso, menciono uma atuação indevida que continua ocorrendo, sobretudo no Pará. Tenho informações de que as atividades do Incra continuaram na faixa de 100 km, a pretexto das situações jurídicas constituídas que definiam até requerimentos, qualquer processo em andamento. Não! Em 1988, com a Constituição, cessou tudo, como o poema de Camões: “cessa tudo o que a antiga musa canta”. Cessou. Não havia, não houve e nem há nenhuma competência da União sobre esse patrimônio devoluto dos Estados. Eu gostaria exatamente de fazer essas considerações a V. Exª.

O SR. DUCIOMAR COSTA (Bloco/PTB - PA) - Agradeço ao nobre Senador pela colaboração, que enriquece nosso pronunciamento.

Sr. Presidente, somadas as áreas de Reservas Florestais Nacionais, de 23,3 mil quilômetros quadrados, de Reservas Indígenas, de 88,8 mil quilômetros quadrados, de faixa de fronteira, de área militar e do Incra, a União detém mais de 880 mil quilômetros quadrados do Pará ou mais de 70% do território do nosso Estado.

O Getat e o Gebram, que chegaram a deter porções significativas do Pará, foram extintos e, segundo reportagem de Carlos Mendes, publicada no dia 04 de maio deste ano no diário paraense O Liberal, o Incra, até hoje, “ainda dá as cartas” na gestão do patrimônio fundiário no Pará. Virou letra morta a assinatura, em novembro de 1987, pelo então Presidente da República José Sarney, do Decreto-Lei nº 2.375, que revogava o de nº 1.164/71, em solenidade festiva realizada em Belém com a presença de inúmeras autoridades ministeriais e da Amazônia.

Tanto virou letra morta o decreto referente às terras não devolvidas que, em outubro de 1995, quase oito anos depois, o Governador Almir Gabriel e o Presidente Fernando Henrique pactuaram a formação de um grupo de trabalho integrado por representantes de instituições federais e estaduais, chamado GT-Pará, para estudar as questões relativas à reintegração dessas terras ao Estado.

Até hoje, porém, a questão ainda não foi resolvida. Há pouco tempo, em maio, o Procurador-Geral da República deu parecer contrário à ação popular movida pelo já mencionado advogado Paraguassu Éleres pela devolução ao Estado das terras graciosamente cedidas pelo governo militar à Companhia Vale do Rio Doce, então estatal e hoje privatizada. O Estado, porém, pelo que afirmam seus porta-vozes, ainda pretende negociar o caso com a União, embora tenha abandonado a condição de litisconsorte nessa lide.

Trata-se de questão que envolve o pagamento ao Estado, pela empresa mineradora, de vultosos direitos pela propriedade do solo, direitos retroativos e acumulados nesse tempo todo em que ela lucrou com a terra que não comprou - note-se que não se trata de parcelas da Compensação Financeira por Exploração Mineral, CFEM, devida aos Estados e aos Municípios, mas do royalty do proprietário do solo - ou superficiário -, que, por direito, deveria ser o Estado do Pará.

Sr. Presidente, procurei abordar o mais rápido possível, sem perder a informação, a questão da urgência da devolução ao Pará e aos outros Estados da Amazônia das terras federalizadas pelos mais diversos motivos não razoáveis. Está certo que se criem reservas florestas indígenas; o que não está correto é a manutenção de propriedade da União de território que, pela lei e pelo bom senso, pertence aos Estados.

Trata-se de questão que precisar ser enfrentada e solucionada pelo Governo Federal, que tem dado demonstração de sua disposição de diálogo com as Unidades federadas. Não é possível postergar mais a devolução desse território aos seus legítimos donos, o Estado do Pará e os Estados da região amazônica.

Outro fato interessante dessa problemática é que, dos 143 Municípios do Estado do Pará, 80 estão nessa situação. Os gestores desses Municípios têm dificuldade de administrar essas terras em função de o seu domínio pertencer à União e não podem conceder um título de propriedade ou sequer cobrar o IPTU.

É por isso que trago nesta tarde, Sr. Presidente, a certeza de que podemos contar com a sensibilidade do Presidente da República no sentido de devolver ao Estado do Pará e aos outros Estados da Amazônia as terras que lhes pertencem.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/2003 - Página 23066