Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Atuação das organizações não governamentais - ONGs.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL.:
  • Atuação das organizações não governamentais - ONGs.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2003 - Página 24850
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DEFESA, MEIO AMBIENTE, COMUNIDADE INDIGENA, EXCESSO, INTERVENÇÃO, ASSUNTO, AMBITO NACIONAL, PREJUIZO, INICIATIVA, GOVERNO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PAIS, PRECARIEDADE, GOVERNO FEDERAL, CONTROLE, APLICAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, DESTINAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PRESIDENCIA, ORADOR, CONFIRMAÇÃO, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, NECESSIDADE, ELABORAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, ATIVIDADE, ORGANISMO INTERNACIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, MEMBROS, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, URGENCIA, APROVAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, ATIVIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Paulo Octávio, Srªs e Srs. Senadores, há um tema sobre o qual tenho procurado pesquisar e aprofundar, desde que assumi pela primeira vez o mandato de Deputado Federal, em 1983. Refiro-me à atuação das chamadas ONGs - Organizações Não Governamentais. Sempre me chamaram a atenção a proliferação e a concentração dessas instituições em algumas áreas, especialmente a ambiental e a indigenista.

Apenas para citar um exemplo, levantamento recente feito pela revista Veja mostra que, no Brasil, existem cerca de 250 mil ONGs, que, como o nome diz, são organizações não governamentais. Portanto, pressupõe-se que sejam uma iniciativa da sociedade, formadas, conseqüentemente, por voluntários, que devem prestar serviços de atendimento a áreas sociais importantes, científicas ou de outros setores, de forma a complementar e até mesmo fiscalizar a ação do Poder Público.

Até aí, realmente, essas instituições que constituem o chamado terceiro setor são, sob todos os aspectos, muito benéficas. Conheço inúmeras delas que têm atuações dignas de louvor. Recentemente, fizemos referência às Apaes; o Instituto Ayrton Senna faz um trabalho fabuloso; há a Fundação Roberto Marinho, a Fundação Bradesco e inúmeras outras que seria cansativo listar aqui já que, conforme o levantamento, são cerca de 250 mil.

Mas o que chama a atenção é a concentração delas, repito, na questão indigenista, por exemplo. Há cerca de 320 mil índios no Brasil e existe uma correlação de quase uma ONG para menos de mil índios. É uma concentração tão grande que eu, como médico, sempre curioso ao ver certos sintomas, procuro fazer um diagnóstico. Então, há de se pensar por que não há essa correlação no que tange a problemas muito mais agudos como, por exemplo, o do menor abandonado, do idoso, da educação, da saúde? Não há essa concentração. Realmente, essa observação nos leva a fazer indagações, sem nenhum tipo de precipitação ou de prejulgamento.

Eu li, Sr. Presidente, no site da poderosa ONG ambientalista norte-americana Conservation Internacional, que cerca de 20 ONGs ambientais estrangeiras mantêm no Brasil escritórios, com o objetivo de influenciar o tratamento do meio ambiente de nosso País.

Creio que esse tipo de intervenção em nossos assuntos nacionais deve ser motivo, no mínimo, de preocupação. Precisamos ficar atentos e acompanhar a atuação dessas entidades. Na minha opinião, não tem legitimidade o tipo de ação intensa que aqui desenvolvem, nela incluídos os esforços para moldar a nossa legislação.

A relação entre o vetor desenvolvimentista e a preocupação em não destruir o meio ambiente é questão complexa, que cabe, no meu entender, somente aos brasileiros decidir, até por envolver a soberania nacional. Sabemos que essas ONGs chegam às nossas plagas munidas de uma ideologia que se opõe ao desenvolvimento. Com seu poder econômico, sustentam, por sua vez, ONGs brasileiras, que amplificam essa pregação e essa ação anticrescimento. Além disso, nunca se sabe que outros interesses podem estar por trás dessa movimentação. São muitos os que, mundo afora, não querem que o Brasil cresça e se afirme como nação.

A questão das ONGs, em geral, seja qual for a sua nacionalidade, é eivada de ambigüidades e contradições. Merece muito mais atenção do que lhe tem sido dada. Por um lado, elas se apresentam como pregadoras e praticantes do bem; um olhar atento, no entanto, revela um quadro complexo, no qual as vantagens de sua atuação devem ser analisadas junto com as desvantagens. Aliás, gostaria de lembrar uma afirmação do então Senador Bernardo Cabral. S. Exª disse que muitas dessas ONGs que se apresentam com fachada de catedral têm um fundo de bordel.

Um aspecto importante, que é pouco discutido entre nós, consiste na complementação ou substituição da ação do Estado pelas ONGs. Até certo ponto, isso é desejável e pode ser feito com recursos privados ou por delegação de órgãos públicos, com recursos estatais. Mas há casos - e não são poucos - em que, pela fraqueza de certos órgãos do Governo, as organizações não-governamentais passam a ditar políticas públicas e a executá-las. Passa a haver, então, a predominância de uma visão particularista e ideológica sobre o que deveria ser o consenso político-democrático a fluir das instituições do Estado.

É o caso, por exemplo, da Funai e do Ibama, órgãos onde reinam as organizações não-governamentais, e não a vontade do povo brasileiro, por meio de seus legítimos representantes - cujas ações são freqüentemente por elas contestadas. Aliás, seus dirigentes não são escolhidos de maneira transparente e, na maioria das vezes, são uma meia dúzia de participantes que se arvoram donos da verdade sobre determinados temas. Quando essas ONGs são estrangeiras, e muitas vezes o são, o problema se agrava: nossa política indigenista e ambientalista passa a ser ditada de fora do País.

Outro ponto ao qual não é dada a atenção devida é o pouco controle sobre o uso que as ONGs fazem do dinheiro público. Hoje, por meio de teses jurídicas equivocadas ou duvidosas, é muito fácil para órgãos públicos contratarem ONGs e passarem para elas vultosos recursos, sem a realização de editais objetivos e licitação apropriada. É uma verdadeira ação entre amigos.

A carta ideológica antidesenvolvimentista do ambientalismo radical, presente nas ações de muitas organizações não-governamentais, vem solapando nosso crescimento econômico. A penetração dessa ideologia é intensa e se dá sem a necessária oposição. Muitas vezes, o Judiciário concede, com excessiva facilidade, liminares que paralisam toda sorte de empreendimentos econômicos. Órgãos ambientais demoram anos para dar as devidas licenças. Aos olhos dessa militância fanática, são sempre insuficientes nossas vastas áreas de reservas indígenas e de preservação da natureza.

Tudo isso se traduz na pobreza, que se perpetua, e no atraso social e econômico, que não se consegue superar. O bloqueio e retardamento de obras de interesse da população e do desenvolvimento, causado pelo radicalismo ambientalista, impede, dia após dia, que o País cresça e prospere. Trata-se de uma ideologia que significa descompasso e que se originou nos países ricos, que atingiram a plena industrialização e o pleno domínio sobre a natureza. É uma pregação que não nos serve, é bom frisar. Essas ONGs surgiram nos países industrializados; foram por eles planejadas, para servirem, modernamente, como veículos de colonização e de dominação sobre os países menos desenvolvidos.

O Brasil ainda precisa, e muito, crescer, fazer justiça social, criar riquezas. Devemos fazê-lo, cuidando do meio ambiente sim, mas sem que nos tornemos escravos de uma ideologia descompassada, nascida de outra situação que não a nossa.

Tudo isso fica ainda mais intolerável, quando a pregação contra o nosso crescimento parte de organizações estrangeiras, entidades poderosas que ganham doações milionárias, como em tempos passados recebia a Igreja. As doações ocorrem, agora, por força de uma ideologia nascida da riqueza e da segurança social. Sabemos que o Brasil luta por isso, ainda não está no estágio dos países desenvolvidos, que, na maioria das vezes, financiam essas grandes organizações não-governamentais transnacionais.

Temos de batalhar, simultaneamente, pelo nosso crescimento, de um lado, e, em uma segunda frente, contra a influência de ferozes do radicalismo antidesenvolvimentista. Esse é um cenário que se vem desenhando há alguns anos, e o atual Governo também terá de enfrentá-lo.

É desejo do povo brasileiro que o Governo Lula tenha sucesso em desencadear um processo de crescimento econômico e social. Para isso, precisamos de fábricas, rodovias, portos, hidrovias, usinas elétricas, ferrovias, algo que os países desenvolvidos, que financiam essas ONGs, já possuem. Para que obtenhamos isso, há necessidade de soluções sensatas, razoáveis e ágeis, que estabeleçam o compromisso entre o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.

Sem isso, não serão gerados os milhões de empregos de que o Brasil precisa. Não conseguiremos criá-los, se prevalecerem a ideologia e a ação do radicalismo ecológico, cuja face mais intolerável é a presença e a pressão das organizações não-governamentais estrangeiras estabelecidas no Brasil.

Sr. Presidente, tive oportunidade de presidir a CPI do Senado que investigou a atuação de organizações não-governamentais no Brasil. Lamentavelmente, muitos fatos que aconteceram durante aquele período atrapalharam um pouco o trabalho desta CPI. Mas, mesmo assim, foi possível investigar mais de uma dezenas delas e detectar através de muitas denúncias e documentos que efetivamente existe uma ação antiBrasil praticada por muitas dessas ONGs.

Tenho aqui o relatório final da CPI das ONGs, que listou dez dessas organizações que comprovadamente cometeram irregularidades. Citarei uma delas que, por coincidência, atua no meu Estado: Associação Amazônia. Com sede na Itália, essa organização “comprou” no sul do meu Estado 174 mil hectares de terras. “Comprou” - entre aspas - porque ela procurou os moradores daquela região, na sua grande maioria caboclos ribeirinhos da Amazônia, pessoas que sobrevivem do extrativismo, da pesca e da caça, e fez uma espécie de falcatrua, comprando as suas benfeitorias, fazendo essas pessoas “sócias” da associação e registrando as terras em nome da associação em um cartório de Manaus. Vejam que as terras foram compradas em Roraima e foram registradas no Estado do Amazonas com o objetivo de esconder das autoridades de Roraima, que obviamente estranhariam a compra de tamanha área. Quantas pessoas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, precisando de terras no Brasil, e uma instituição internacional compra de forma fraudenta, irregular, 174mil hectares e registra em seu nome em um cartório do Amazonas! Isso foi comprovado. O pior é que a direção dessa ONG é de um italiano e um argentino, e não conseguimos ouvir o tal italiano, que me parece até que tem o título de conde, um homem rico da Itália. Mas será que eles fizeram isso por benevolência, para preservar o meio ambiente? Não. Fizeram isso para explorar o turismo ecológico, à revelia do Governo brasileiro, internando e levando dólares do Brasil sem que a Receita Federal tivesse tomado conhecimento.

Um dos dirigentes, um escocês, disse na CPI que muitas vezes eles traziam dólares no bolso, na valise, para gastar nessa área do Estado de Roraima. Promovem pacotes turísticos a partir da Itália, da Europa como um todo, que saem de lá diretamente para Manaus, e eles se deslocam através de barcos. Portanto, o dinheiro fica com essa ONG internacional e uma área imensa do Estado de Roraima fica esterilizada e nas mãos de estrangeiros.

Sr. Presidente, o mais absurdo, o que mais me causa estranheza é que talvez a mais importante ação ou conclusão da CPI foi exatamente propor um projeto de lei para regulamentar a atuação dessas instituições no Brasil. E regulamentar como regulamenta a atuação das fundações ou de qualquer cidadão no Brasil. Esse projeto, portanto, visa a que elas sejam registradas, declarem de onde recebem dinheiro, como gastam dinheiro e prestem conta do dinheiro público recebido. Como previsto no Regimento, essa matéria veio direto para ser votada em Plenário, por sua preferência. No entanto, por requerimento do Senador Sibá Machado, foi ao reexame da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

É até interessante que os membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania discutam, avaliem, mas que aprovem rapidamente essa lei, porque é do interesse da soberania do País, para zelarmos pelos recursos públicos que são destinados a instituições não-governamentais, como disse, muitas vezes sem licitação, por contratos de gaveta, de maneira as mais escusas possíveis.

No meu Estado, repito, duas ONGs recebem da Fundação Nacional de Saúde mais recursos do que todos os Municípios do Estado para prestar assistência à saúde dos índios - e lá os índios representam 7% da população do Estado. Portanto, 7% da população recebem mais recursos para a saúde do que os outros 93% que são atendidos pelos Municípios.

Estou solicitando audiência com o novo Presidente da Funasa, com o Ministro da Saúde, porque precisamos tornar transparentes essas ações. Queremos, sim, que os nossos índios, que são os primeiros brasileiros, recebam assistência à saúde, e eu como médico defendo que seja mais efetiva. Que não aconteça o que está acontecendo com os índios ianomâmi, que receberam nove milhões de hectares - isso para quatro mil índios - e estão lá morrendo de subnutrição e vítimas de uma endemia, a oncocercose, doença de difícil tratamento. Na verdade, para isso não se liga. Para a pessoa do índio não há nenhuma preocupação adequada. Há um excessivo interesse em dar enormes áreas para reservas indígenas, reservas que parecem até que são estratégicas, onde se localizam imensas riquezas minerais e da biodiversidade, que no futuro podem perfeitamente ser exploradas pelas grandes corporações internacionais, a mando de quem e a soldo de quem se encontram essas ONGs.

Sr. Presidente, encerro fazendo esse alerta ao Senado, ao Congresso Nacional, à Câmara dos Deputados, aos brasileiros de todos os recantos, para que alertemos para essas ONGs. Tive o cuidado de mandar para cada Senador e cada Deputado o relatório da CPI das ONGs - é um pouco extenso, mas merece ser lido - e mais os documentos que não estão aqui anexados, porque são muitos; estão à disposição dos Srs. Senadores e de quem quiser pesquisá-los na subsecretaria específica do Senado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2003 - Página 24850