Discurso durante a 108ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Cultura de alimentos transgênicos no Brasil.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Cultura de alimentos transgênicos no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2003 - Página 25426
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DIVERSIDADE, EXPERIENCIA, PESQUISA CIENTIFICA, ANIMAL, VEGETAIS, AUTORIA, EMPRESA, BIOTECNOLOGIA, CRIAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, QUESTIONAMENTO, TRANSFORMAÇÃO, SOJA, UTILIZAÇÃO, AGRICULTOR, REGIÃO SUL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ARGENTINA.
  • LEITURA, ESTUDO, SITUAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, LEGISLAÇÃO, UNIÃO EUROPEIA, OBJETIVO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, SAUDE, VIDA HUMANA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, OCORRENCIA, MORTE, PESSOAS, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONSUMIDOR, PRODUTO TRANSGENICO.
  • LEITURA, COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, BRASIL, PRODUTO TRANSGENICO, DEFESA, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, POSIÇÃO, PAIS, QUESTIONAMENTO, EFEITO, EXPERIENCIA, ALTERAÇÃO, BIOTECNOLOGIA, FUTURO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, muito bom dia e, mais uma vez, muito obrigado pela referência ao nosso Estado, à nossa terra-mãe.

Hoje, tratarei da polêmica dos transgênicos. E resolvi fazer um discurso lido.

Volto à tribuna desta Casa para tecer considerações sobre as cautelas que a sociedade deve ter com os alimentos transgênicos. Tema que considero de grande importância para o nosso País, não só em termos de suas possibilidades econômicas, mas também por suas relevantes dúvidas, do ponto de vista científico, quanto a sua possibilidade de uso seguro na alimentação humana.

Temos consciência de que a pesquisa científica de mutabilidade de espécies de animais e vegetais não é mais uma novidade para o homem, e, ainda que o temor e a polêmica cerquem esses organismos geneticamente modificados, os novos rumos são inevitáveis, uma vez que a tecnologia de transgênicos consegue contrapor-se a uma história de milhões de anos de evolução natural. Mas precisamos de cautela! Os transgênicos não são a panacéia para os problemas da fome no mundo.

O crescente domínio do DNA de animais e plantas tem permitido que bactérias produzam proteínas de vírus, plantas secretem toxinas de bactérias e órgãos de porcos possam ser transplantados para pessoas, sem que, teoricamente, haja rejeição.

Ainda que se faça uma distinção entre organismos transgênicos, definidos como os que receberam material genético de uma espécie diferente, como distintos dos geneticamente modificados, definidos como os que ganharam genes da mesma espécie à qual pertencem, a base científica para criar ambos é essencialmente a mesma.

Em 1973, vinte anos após a descoberta da estrutura do DNA, cientistas norte-americanos conseguiram inserir um gene de sapo no DNA de uma bactéria, de forma que o microorganismo conseguisse produzir a proteína de sapo, cuja receita estava contida naquele gene.

Logo em seguida, a criação em laboratório, por um cientista indiano, do primeiro ser vivo, que foi uma bactéria modificada para digerir petróleo, redundou na concessão da primeira patente da espécie concedida na história.

Desde então, a criação de variedades transgênicas de plantas foi o objeto fundamental de pesquisa e desenvolvimento pelas maiores empresas do ramo da biotecnologia, focalizando-se primordialmente nos vegetais que embasam a alimentação humana e animal no planeta, como o arroz, a soja e o trigo.

Sr. Presidente, as técnicas atualmente utilizadas para inserir um gene estranho em plantas incluem a transferência por meio de bactérias ou com pequenos projéteis de ouro carregados de DNA. Embora os mais diversos cultivares tenham sido assim transformados, dois tipos de alteração se firmaram desde o começo dos anos 90 como os preferidos pelos agricultores.

Um deles é o da soja Roundup Ready, resistente ao glifosato, um herbicida amplamente usado no seu cultivo, por produzir uma substância que atua como antídoto contra o veneno. Assim, o agricultor pode pulverizar a plantação com o herbicida, sem temer que soja morra junto com as ervas daninhas que ele iria combater. Essa variedade de soja tem sido ilegalmente importada da Argentina e, sob o apelido de “soja Maradona”, foi disseminada nas plantações dos Estados do Sul, principalmente no Rio Grande do Sul.

O segundo tipo de planta transgênica bastante comum é a que produz o seu próprio veneno, ao invés de um antídoto. Algumas variedades de milho, como o denominado “milho Bt”, encerra um gene que contém a receita para a produção de uma toxina que destrói o sistema digestivo de um inseto que ingerir tal espécie.

O problema, no caso da soja Roundup Ready (RR), como é mais chamada, são as ervas daninhas resistentes ao glifosato. Elas estão se tornando um problema nos EUA, ao mesmo tempo em que estudos mostram que o milho Bt vem causando estragos indiscriminados nos insetos da sua região de plantio, pondo em risco o equilíbrio ecológico, uma vez que seu extermínio provocado abala a cadeia alimentar, da qual esses animais são parte integrante indispensável.

Outro temor de cientistas e ambientalistas é que características transgênicas de plantas domésticas possam migrar para seus parentes selvagens, com conseqüências desastrosas, uma possibilidade teórica que não pode ser descartada, pois as bactérias possuem notória capacidade de adquirir e transmitir genes alheios, o que lhes possibilitaria distribuir tais características de forma imprevisível entre elas mesmas e para outras variedades de plantas.

Os países que se configuram como grandes produtores de grãos têm mostrado uma atitude receptiva em relação aos transgênicos, sendo que o Brasil e a União Européia aparecem como exceções importantes, ainda que as estatísticas mostrem que a área total de plantas transgênicas no planeta teve aumento de 35 vezes de 1996 a 2001, atingindo cerca de sessenta milhões de hectares na última safra.

A lavoura de soja nos Estados Unidos e na Argentina está dominada pelas plantas resistentes ao glifosato, enquanto a China e a Índia estão adotando com entusiasmo versões Bt de milho e algodão.

Aproveitando meu pronunciamento, faço um comentário sobre como está sendo debatida essa questão dos transgênicos na União Européia. Portanto, vou ler uma nota técnica da consultoria, nos seguintes termos:

Atualmente, o principal instrumento legislativo é a Diretiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à liberação deliberada de OGMs no ambiente. A norma aperfeiçoou e revogou a Diretiva 90/220/CEE do Conselho, de 23 de abril de 1990, com efeitos a partir de 17 de outubro de 2002.

Em conformidade com o princípio da precaução, a mencionada diretriz tem por objetivo a proteção do ambiente e a saúde humana, como também a aproximação das disposições legislativas regulamentares e administrativas dos Estados-membros, os quais teriam prazo até outubro de 2002 para incorporar às respectivas normas nacionais as obrigações instituídas pela Diretiva 2001/18/CE.

A Diretiva em tela estabelece os critérios e procedimentos a serem observados para liberação de OGMs - seja com o propósito comercial, seja com outras finalidades, inclusive de pesquisa - e cobre todos os tipos de organismos geneticamente modificados: plantas, animais e microorganismos.

Destacamos algumas das principais obrigações impostas pela Diretiva 2001/18/CE:

- avaliação caso a caso dos possíveis riscos ambientais e à saúde humana, preliminarmente à liberação de OGMs;

- estabelecimento de procedimentos e critérios harmonizados para a avaliação caso a caso dos riscos potenciais resultantes da liberação;

- realização prévia de experimentos de campo, nas fases de investigação e desenvolvimento, em ecossistemas que possam ser afetados pela utilização de OGMs;

- respeito aos requisitos do Protocolo de Cartagena relativo à segurança biológica, anexado à Convenção sobre Diversidade Biológico;

- garantia da rastreabilidade dos produtos que contenham ou sejam constituídos por OGMs, em todas as fases da sua colocação no mercado;

- rotulagem obrigatória para os produtos geneticamente modificados comercializados no âmbito da Comunidade Européia;

- adoção de plano de monitoramento com a finalidade de detectar e identificar efeitos imprevistos sobre a saúde humana e o ambiente, resultantes da liberação de produtos que contenham ou sejam constituídos por OGM.

Sr. Presidente, um fato ocorrido nos Estados Unidos e publicado no jornal Folha de S.Paulo reforça as nossas cautelas. Diz a matéria, publicada no dia 29 de maio:

Os defensores da tecnologia transgênica costumam apontar que o uso de OGM já se mostrou seguro há muito tempo, mas a situação é um pouco mais complicada. Quando se trata do uso de bactérias modificadas para produzir substância de interesse humano, muito menos discutido que as plantas transgênicas, pelo menos um caso é emblemático: o do suplemento alimentar triptofano, que matou 37 pessoas nos Estados Unidos em 1989. O motivo do problema é que, junto com o suplemento, as bactérias alteradas com o auxílio de radiação passaram a produzir uma toxina que causava dores musculares e o aumento de glóbulos brancos no sangue.

Embora nenhuma tragédia do tipo tenha ocorrido graças a cultivares transgênicas, o grande problema é saber como essas plantas afetarão o ambiente e a saúde humana em longo prazo.

Sr. Presidente, no Brasil, a produção comercial de transgênicos está proibida por uma liminar que exige, antes, a regulamentação da sua comercialização e a realização de estudos de impacto ambiental em suas regiões de cultivo, o que se configura como uma providência sensata e pertinente.

Quero fazer um comentário sobre as medidas tomadas pela CTNBio.

2.3.1 - Liberações planejadas de OGMs aprovadas pelo CTNBio

As liberações planejadas de OGMs destinam-se a avaliar os cultivos geneticamente modificados em condições de campo, em experimentos de pequena escala. Até 22 de abril de 1999 (última atualização da home page da CTNBio), o quadro era o seguinte:

- total das liberações planejadas: 631 (Observamos que, no período de fevereiro de 1997 a novembro de 1998, foram aprovadas 299 liberações.);

- total das liberações planejadas por cultura: algodão (3), arroz (1), batata (1), cana-de-açúcar (6), eucalipto (1), fumo (2), soja (29), milho (588). Ressaltamos que, do total de liberação planejada de milho, nas próprias palavras da CTNBio, ‘432 são lavouras demonstrativas e 156 são lavouras experimentais’ (Grifo nosso);

- total das liberações planejadas por característica conferida pelo gene inserido: tolerância a herbicidas (346), resistência a insetos (266), tolerância a herbicida e resistência a insetos (16) e resistência a vírus (3);

- Há relatos de experimento com soja que tem 435 hectares - uma área superior à média da agricultura em muitos Estados.

2.3.2 - Lavouras Demonstrativas aprovadas pelo CTNBio

Pode a CTNBio autorizar as chamadas “lavouras demonstrativas”. E o que são elas realmente?

a) Não há base legal para esse procedimento.

b) Entre as atribuições específicas da CTNBio não está a concessão de autorização para isso.

c) Essas lavouras só poderiam, no nosso entendimento, ser implantadas após o registro das cultivares transgênicas pelo Ministério da Agricultura e autorizações dos demais órgãos competentes.

d) Parecem ser campos de multiplicação de sementes. Seria uma forma de burlar a lei, iniciando-se o plantio comercial antes da autorização expedida pelos órgãos federais competentes, além de ser uma forma de pressão: teoria do fato consumado.

Sr. Presidente, para encerrar, em função de todas essas questões sobre as quais discorri, torna-se fundamental a manutenção de uma posição cautelosa em relação aos efeitos da tecnologia transgênica em longo prazo, ainda que, no futuro, devamos nos manter abertos aos seus benefícios potenciais, que podem vir a ser relevantes.

Admito que o Brasil está correto quando determina a necessidade de se fazerem pesquisas, de se avançar em tecnologia, mas é ilegal a política do fato consumado, de colocar o transgênico “goela abaixo” da população, sem rotulagem, sem dar o direito às pessoas de poderem escolher se querem ou não consumir um produto modificado.

A lei é clara. Acredito que será tomada providência nesse sentido.

Há um grande prejuízo para a agricultura do Rio Grande do Sul pela importação de um produto modificado, espalhado em toda a agricultura daquele Estado e, depois, vendido não se sabe para quem. Há, hoje, um excedente de milhões de toneladas de soja, oriundos desses plantios. Isso é muito ruim para um País que quer seguir o exemplo da lei.

A Câmara dos Deputados, na pessoa do Presidente João Paulo Cunha, está determinando que uma comitiva de parlamentares visite a França, a Bélgica e outros países da comunidade européia não para saber o que pensa cada país, mas principalmente para conversar com os organismos deliberativos da União Européia, para saber como ela pensa e como eles estão trabalhando, do ponto de vista da legislação, a matéria que trata de organismos modificados.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2003 - Página 25426