Discurso durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas pelo parcelamento político dos cargos comissionados da União. Protesto contra a redução de recursos para o Fundo de Segurança, no Orçamento de 2004.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Críticas pelo parcelamento político dos cargos comissionados da União. Protesto contra a redução de recursos para o Fundo de Segurança, no Orçamento de 2004.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2003 - Página 25795
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, NEPOTISMO, GOVERNO FEDERAL, DISTRIBUIÇÃO, CARGO DE CONFIANÇA, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), POLITICO, APOIO, CAMPANHA ELEITORAL, AUSENCIA, ATENÇÃO, GOVERNO, QUALIFICAÇÃO, SERVIDOR, EXERCICIO, CARGO PUBLICO.
  • COMENTARIO, CRISE, INSTITUTO NACIONAL DO CANCER, CAMARA TECNICA, MEDICAMENTOS, PEDIDO, DEMISSÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, MOTIVO, AUSENCIA, COMPETENCIA, ADMINISTRAÇÃO, NOMEAÇÃO, GOVERNO, PROTESTO, EXONERAÇÃO, DIRETOR, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, FORMA, PUNIÇÃO, DEPUTADO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), OPOSIÇÃO, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, BRASIL, CRITICA, REDUÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, INEXISTENCIA, PLANO, CONTENÇÃO, VIOLENCIA.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

“Por fogo, ferro, água, calma e frio,

Deixa intentado a humana geração.

Mísera sorte, estranha condição”.

Luís de Camões.

O antropólogo Darcy Ribeiro, um dos mais brilhantes Senadores da história deste País, ensinou que o “cunhadismo” foi a instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro. Tradição da cultura indígena, o costume consistia em incorporar pessoas estranhas como parente, a partir do casamento. Por intermédio desse laço de afinidade, o europeu, degredado ou náufrago, valeu-se de inúmeros conúbios para formar a reserva de mão-de-obra utilizada nos primeiros anos da aventura colonial e criar, segundo Darcy Ribeiro, “a numerosa camada de gente mestiça que efetivamente ocupou o Brasil”.

O Governo do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, certamente se inspirou no “cunhadismo” para expressar os valores patrimonialistas do seu estilo de administrar o Brasil. Enquanto no costume tupi o tabu do casamento operava a relação de parentesco, na Lulalândia a fidelidade ao Partido dos Trabalhadores é o passaporte ao confortável habitáculo do poder.

De acordo com os números apresentados pelo Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno, ao Jornal o Estado de S.Paulo do último domingo, os filiados à agremiação partidária receberam, a título de prebendas, 70% dos cargos da administração da União, ou seja, 15,4 mil funções de confiança. A generosidade petista consagra o maior espetáculo de distribuição de indulgências de que se tem notícia neste País. No varejão dos DASs são esposadas formas tacanhas e escancaradas de nepotismo e fisiologismo, além da promoção de dança das cadeiras para se praticar a perseguição política, como ocorreu com o Diretor da Fundação Nacional de Saúde, Antônio Carlos de Andrade, exonerado do cargo em retaliação ao voto de sua mulher, a Deputada Maria José Maninha, do PT do Distrito Federal, contrária à Reforma da Previdência.

Há algo de inercial neste Governo e as causas residem na idéia de apropriação do poder empregada no estilo petista de governar. A ideologia de subordinação do País a uma elite sindical está premiando a politização dos cargos em favor do PT e aliados, e conferindo tratamento de segunda classe a pessoas de reconhecida competência, conforme terei oportunidade de relatar. O interessante é que o Dr. José Genoíno não considera defeso o parcelamento politiqueiro dos cargos comissionados e justifica que a conduta expressa a mudança que o eleitor garantiu nas urnas. Já o Ministro Humberto Costa abraça o cinismo para prescrever que as dádivas do poder fazem bem à saúde política do Estado e assim determinou: “Temos de ter em nossos quadros pessoas que estejam bem identificadas com nossas posições”. Depois aduziu com certo senso de universalidade: “Isso é a coisa mais normal do mundo. Qualquer Governo faz isso”.

Gostaria de registrar a sinceridade com que o eminente Senador do PT, Eduardo Suplicy, tratou a central de difusão de sinecuras instalada no Palácio do Planalto pelo Ministro José Dirceu: “Percebo que o Ministro Chefe da Casa Civil está assoberbado demais com essa coisa de nomear e desnomear (sic) e não sobra tempo para reflexões sobre quais as melhores políticas deviam dar a velocidade de que o Governo Lula precisa”. O brilhante Senador de São Paulo mostrou-se envergonhado com a conduta do Governo do Partido dos Trabalhadores de adotar critérios políticos para o provimento dos cargos comissionados e, com muita oportunidade, convidou o seu partido a observar as lições da decência, e assim pronunciou: “Não me sinto bem de ver um Governo que fica com esse tipo de procedimento. Não acho saudável e o PT era crítico dessa forma de agir”.

Senhor Presidente, o gerenciamento incompetente, causado pela interferência política em atividades essencialmente técnicas, conseguiu promover o desmantelo do Instituto Nacional do Câncer (Inca), um dos maiores centros de excelência da América Latina na área de oncologia, localizado no Rio de Janeiro. Por conta da administração estabanada, a unidade de saúde passou a conhecer a falta de gaze, gesso e analgésico. Por conta da ingerência mesquinha de pessoas habituadas a administrar panelaços em porta de hospital por “mais verbas para a saúde”, mas absolutamente incapazes de gerir uma unidade de alta complexidade, todo o corpo técnico do Inca pediu exoneração e produziu o primeiro escândalo da era Lula.

Aliás, parece que o Ministério da Saúde segue o receituário stalinista de administração do Estado, com a remoção de adversários, imposição de censura e boicote a opiniões descontentes. O doutor Humberto Costa, inclusive, montou o próprio politburo. Das 27 coordenadorias regionais da Fundação Nacional de Saúde, 13 são comandadas pelo PT. Observem que o Ministro está promovendo uma espécie de limpeza política com a finalidade de assegurar homogeneidade fisiológica das instituições e obscurecer a transparência administrativa. Ontem, pediram demissão nove dos dez integrantes da Câmara Técnica de Medicamentos, órgão do Ministério da Saúde encarregado de emitir parecer técnico, inclusive de caráter terminativo, sobre a venda de novos medicamentos no Brasil. Trata-se de um corpo consultivo de gabarito acadêmico internacional, indicado pela comunidade científica brasileira e que não recebia remuneração. Pois o Ministro tanto espezinhou os técnicos, com interferência maldosa nas suas prerrogativas, que eles decidiram renunciar aos cargos. O País, que já se constitui no segundo maior consumidor de medicamentos do mundo, onde farmácia tem apelo publicitário de shopping center, vai ser totalmente entregue à empurroterapia da indústria farmacêutica, porque pessoas como o infectologista Roberto Badaró e a médica farmacologista Regina Scioletto não pertencem à confraria do Partido dos Trabalhadores, perdão, “partido dos tributos”.*

Para conseguir agasalhar sob o seu guarda-chuva todos os apaniguados, o Ministro tratou de revogar um decreto que proibia o preenchimento político de cargos de direção na Fundação Nacional de Saúde e estabelecia que as funções de confiança seriam ocupadas por funcionários de carreira da instituição e com comprovada experiência.

Srªs e Srs. Senadores, isto é uma inversão ética inaceitável e, acredito, derivada da falta de legitimidade do Dr. Humberto Costa. O Sr. Ministro da Saúde faz parte da quota de compensação dos políticos derrotados nas últimas eleições em Pernambuco. Candidatou-se a Governador pelo PT, perdeu, mas ganhou assento na Esplanada. Na terra natal do Presidente Lula, os 14 maiores cargos do Governo Federal foram distribuídos com finalidade de contemplar petistas e aliados que tiveram indisposição com as urnas. Na quota de benemerência estatal entraram candidatos derrotados a Governador, Senador, Deputado Federal e até à Assembléia Legislativa.

Os integrantes do Governo Lula, que desde a fundação do Partido dos Trabalhadores ostentavam verniz ético cintilante, agora no poder revelam que o brio era apenas cosmético. Conforme noticiou reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo do último domingo, o nepotismo grassa no primeiro escalão do Palácio do Planalto. As respectivas esposas dos Ministros da Fazenda, da Casa Civil, da Previdência e do Presidente da Câmara dos Deputados ocupam cargos em Brasília. Não são nomeações irregulares, se analisadas sob o ponto de vista da legalidade, mas tramam contra a moralidade que o Presidente Lula garantiu na Carta ao Povo Brasileiro.

Era de se esperar que o Governo Lula tivesse um encontro marcado com a comunidade acadêmica do País para o desenvolvimento da pesquisa e de alternativas tecnológicas que garantiriam a grandeza do Brasil. Não é exatamente o que está ocorrendo no Ministério da Ciência e Tecnologia, comandado por Roberto Amaral. O Ministro tem sido destinatário de críticas procedentes por estar promovendo o desmonte da Pasta.

O Governo Lula, que até a última semana de agosto não havia apresentado um plano de segurança para o País, finalmente mostrou que a tranqüilidade pública tem importância quase nenhuma. De acordo com a proposta orçamentária apresentada, o Fundo Nacional de Segurança Pública vai sofrer um corte de 12%. Certamente o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, adiou por um ano a intenção espetacular de transformar a Polícia Federal no FBI brasileiro. O orçamento da instituição foi mutilado em 6,7%. Infelizmente, é preciso reconhecer que a elite policial do País permanecerá inadimplente com as contas de água, energia elétrica e telefone.

Srªs e Srs. Senadores, esta Casa abriga vários ex-Governadores que podem corroborar comigo que os Estados não têm força para realizar sozinhos o serviço de proteção ao cidadão. O Fundo Nacional de Segurança Pública, para cumprir com as necessidades básicas de manutenção do equipamento policial e de modernização, deveria ter uma soma conservadora de R$2,2 bilhões ou cinco vezes mais o valor autorizado no orçamento. O Ministro Márcio Thomaz Bastos pode ter a certeza de que o Senado estará empenhado em aprovar emendas parlamentares para recompor as perdas, embora tenha obedecido a voto de silêncio sobre a ceifa orçamentária. Naturalmente que o Dr. Márcio Thomaz Bastos não pode estar satisfeito com a retirada de R$17 milhões do Departamento Penitenciário Nacional.

Sr. Presidente, acredito que o papel do Senado, durante a discussão do Orçamento, será um pouco mais complexo na definição das emendas a serem incluídas na rubrica da segurança pública porque, até agora, como não existem políticas definidas para o setor, também não se sabe o que é prioridade. O Governo Lula, até o momento, não conseguiu delinear os investimentos para este ano. Dos mais de R$404 milhões autorizados ao Fundo Nacional de Segurança Pública, foram executados pouco mais de R$5 milhões.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) desenhou alguns cenários e projetou dados catastróficos, mas realistas, para os próximos quatro anos. Em uma das hipóteses foram consideradas as condições vigentes de estagnação de renda, manutenção das desigualdades e dos gastos com segurança pública. Confirmado o quadro, o índice de homicídios na cidade do Rio de Janeiro subiria dos atuais 66,6 por grupo de 100 mil pessoas para 106,6. Ou seja, um incremento de 62%. Conforme aponta a pesquisa, os indicadores apenas cairão se houver a conjugação de diminuição da desigualdade em 2% ao ano, aumento da renda per capita em 4% e incremento nos investimentos em segurança pública de 10%.

O Brasil, de acordo com o Ipea, ocupa o primeiro lugar entre as nações quando os indicadores sociais aferem o número de homicídios provocados por perfuração causada por arma de fogo. A taxa no País é de 73,6%, enquanto nos Estados Unidos é de 43%. No Brasil, o índice médio de crescimento dos homicídios é de 5,6% ao ano.

Para se ter noção do que isso significa, em 1981, as vítimas da modalidade criminosa somaram 15.486 e, em 1999, o número chegou a 41.714. Em geral, são pessoas do sexo masculino, de baixa instrução e jovens. Nessas duas décadas, a taxa do delito cresceu 108%, no segmento de 20 para 29 anos. Já no intervalo entre 10 e 19 anos, houve um incremento de 212%. Mais da metade dos óbitos registrados no Sistema Único de Saúde são de crianças e adolescentes vítimas de homicídio.

O Ministro Márcio Thomaz Bastos, mesmo ante números impressionantes, não reage para reverter esse conjunto de condições favoráveis à banalização da violência. Infelizmente, prefere flutuar na celebração de convênios e na participação em tertúlias.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2003 - Página 25795