Discurso durante a 112ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aumento do tráfico de armas no País.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Aumento do tráfico de armas no País.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2003 - Página 26049
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, REGISTRO, DADOS, GASTOS PUBLICOS, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, CUSTO, EMPRESA, CIDADÃO, SETOR, SEGURANÇA.
  • APREENSÃO, AUMENTO, TRAFICO, ARMA DE FOGO, BRASIL, OMISSÃO, ESTADO, CLANDESTINIDADE, POSSE, AMEAÇA, CIDADÃO, COMENTARIO, ESTUDO, EXERCITO, DADOS, CONTRABANDO, DIFICULDADE, FISCALIZAÇÃO, FRONTEIRA.
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, DESEMPREGO, MORTE, VIOLENCIA, JUVENTUDE.
  • ELOGIO, TRABALHO, COMISSÃO MISTA ESPECIAL, SUBCOMISSÃO, SEGURANÇA PUBLICA, SENADO, INTEGRAÇÃO, TRAMITAÇÃO, PROPOSIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, RESTRIÇÃO, PORTE DE ARMA, MELHORIA, FISCALIZAÇÃO, PUNIÇÃO, INFRATOR.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vivemos numa época em que o tema da violência se faz presente na vida da sociedade, mesmo que não percebamos isso a todo momento. A arquitetura de nossas cidades, o itinerário para nosso trabalho, nossas opções de lazer são, muitas vezes, moldados em vista do perigo e da ameaça que a violência representa.

As questões ligadas à segurança pública, tanto no setor urbano quanto no rural, representam expressivamente um impacto brutal na economia do País. Basta dizer que, em 2002, o Governo Federal e os Governos estaduais gastaram cerca de R$47 bilhões para combater a violência galopante que se movimenta em torno de nossa realidade cotidiana. Por sua vez, empresas e cidadãos comuns desembolsaram outros R$55 bilhões em guardas particulares, armas e equipamentos, que incluem desde câmeras até carros blindados. A soma desses valores chega a cerca de R$102 bilhões, o que representa nada menos do que 10% do PIB brasileiro.

A tragédia se agrava pelo fato de sabermos que, com tais recursos à disposição, inúmeras necessidades básicas dos cidadãos poderiam ter sido satisfeitas. Quantos livros escolares não deixamos de comprar; quantos brasileiros não permitimos que vivam sob o jugo da subnutrição e da falta de oportunidades para alimentarmos a indústria das armas e munições, para construirmos muros e cercas cada vez mais altas e, como se não bastasse, eletrificadas?

O fim da violência social nos patamares hoje vivenciados é, de fato, necessidade premente de todos nós. Mas para que esse objetivo seja alcançado, há um aspecto dessa temática que temos de enfrentar para o qual chamo a especial atenção de V. Exªs: o preocupante aumento do tráfico de armas no País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem-nos inquietado sobremaneira a forma como vêm sendo conduzidas as políticas públicas no trato da criminalidade no País, em que mãos criminosas adquirem armamentos cada vez mais pesados e sofisticados, sob o beneplácito de um Estado que está longe de alcançar resultados satisfatórios para a dimensão que o problema adquiriu. A clandestinidade na posse de armas parece ser a regra na maior parte do Brasil, o que não só ameaça e constrange o cidadão, mas também o obriga a armar-se e a tomar providências na tentativa de minimizar os riscos que o banditismo impõe de maneira eficiente.

Essa realidade fomenta uma espiral perversa em que um dos lados está sempre buscando armar-se mais e melhor para enfrentar o outro lado, que, por seu turno, não mede esforços nem custos para adquirir instrumentos compatíveis para o enfrentamento. Infelizmente, demonstram as estatísticas que a legalidade tem perdido, de longe, para a clandestinidade, muitas vezes impune. Afinal, estima-se que, dos 20 milhões de armas que circulam no País, apenas um décimo - dois milhões, portanto - encontra-se registrado, se excluirmos desse cálculo os equipamentos de uso exclusivo das Forças Armadas e dos órgãos estatais responsáveis pela segurança pública.

E por que a disparidade gritante? Um dos motivos é, sem dúvida, o aumento crescente do tráfico de armas no País. Estudo concluído no final do ano passado, no âmbito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, intitulado “Fiscalização de Armas de Fogo e Produtos Correlatos”, fornece-nos relevante diagnóstico acerca do contrabando de armas pesadas, além de detalhar as principais rotas de entrada de armas no País.

Por intermédio desse trabalho, tomamos contato com a impressionante porosidade de nossos quase dezesseis mil quilômetros de fronteiras terrestres, entrecortadas por inúmeros locais de passagem e de extensa rede fluvial, desprovidos, contudo, de infra-estrutura tecnológica e humana para fiscalizar a vastidão de nossas áreas fronteiriças. Esse é um tema que deve nos preocupar, Srªs e Srs. Senadores.

A nossa rica região amazônica, por exemplo, é pródiga em campos de pouso clandestinos e, não raro, descobrimos infra-estruturas comparadas a aeroportos improvisados apenas quando temos notícias de alguma aeronave acidentada em suas imediações.

O mencionado estudo nos mostra, porém, que a nossa região amazônica é apenas uma entre as várias áreas problemáticas no que tange ao contrabando de armas. O Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, funciona como receptador de armas provenientes da Argentina e do Uruguai, que se destinarão, uma vez em território nacional, aos proeminentes mercados de São Paulo e do Rio de Janeiro principalmente. A cidade de Foz do Iguaçu também centraliza várias atividades ligadas ao crime organizado, em que se destaca o contrabando de armas. Em meu Estado, o Amapá, as polícias estaduais registram várias apreensões de armas de calibre 12, provenientes de Caiena, no território da Guiana Francesa. A situação não é melhor quando se trata de fiscalizar nossos portos marítimos, uma vez que a presença da Polícia Federal é rarefeita e somos notoriamente carentes de uma guarda costeira que seja capaz de zelar pelo nosso extenso litoral.

Ao falarmos das inconcebíveis circunstâncias favorecedoras do aumento do tráfico de armas, devemos ter sempre em mente que o quadro socioeconômico excludente gera aumento da criminalidade. A atividade criminosa tem passado, nas últimas décadas, por processo de institucionalização, com o surgimento de organizações e facções cada vez mais numerosas e poderosas.

Nesse sentido, é lastimável constatarmos que a faixa etária que mais sofre e mais produz violência é aquela mais vulnerável à chaga do desemprego. A sensação que nos invade é a de sermos parte de uma tragédia social anunciada.

Sob o título “Perfil da População Brasileira”, de autoria de Kaizô Beltrão e Ana Camarano, pesquisadores do IBGE, um estudo demonstra que os homens de 15 a 29 anos pertencem à única faixa etária na qual a mortalidade cresceu no Brasil. Ao cotejarmos essa constatação com os dados colhidos pelo Professor Waldir Quadros, intitulado “Classes Sociais e Desemprego no Brasil dos Anos 90”, que aponta crescimento de 70% no índice de desocupação de jovens entre 1992 e 2001, extraímos o dado mais perverso de nossas mazelas sociais: o aumento do desemprego que atinge as famílias mais pobres das áreas urbanas e, dentro delas, seus membros mais jovens.

Os efeitos colaterais dessa realidade se fazem sentir na brutalidade de nosso cotidiano: cidadãos brasileiros armados até os dentes são aqueles que estão a nos colocar no iminente perigo de nos ferir e nos matar com banalidade assustadora. Arsenal e munição para essas tragédias não faltam, como podemos constatar no nosso dia-a-dia.

E é no intuito de expurgar esse câncer social em metástase que o Congresso Nacional pode contribuir de maneira expressiva. É claro que, pela própria presença da violência e do tráfico de armas no noticiário nacional, o Congresso não passou - e não poderia passar - incólume. Acontece que, só na câmara dos Deputados, havia mais de setenta projetos tramitando e que visavam, cada um a sua maneira, a contribuir para a solução desse grave problema. A situação não era muito diferente no Senado Federal, onde brilhantes contribuições se viam diluídas pelo considerável número de projetos em tramitação.

É nesse contexto que fazemos questão de frisar a importância do papel desempenhado pelo Presidente José Sarney que, em decisão conjunta com o Presidente da Câmara dos Deputados, criou, pelo Ato Conjunto nº 1, de 2 de julho de 2003, a Comissão Especial Mista destinada a consolidar em um só texto os esforços dos nobres Parlamentares.

Naturalmente, é fundamental reconhecermos, também, os méritos da Subcomissão Permanente de Segurança Pública do Senado Federal, presidida pelo eminente Senador Tasso Jereissati, que tem contado com a firmeza e o equilíbrio de seus membros.

Estamos confiantes de que a simbiose entre os trabalhos da Subcomissão Permanente e os da Comissão Especial Mista resultará em proposição legislativa que reflita o rigor almejado por toda a sociedade, pois, o combate à violência e ao tráfico de armas deve ter por base arcabouço legal que não vergue quando estiver em jogo a segurança pública deste País.

O aumento das restrições ao porte da arma de fogo em conjunto com meios eficientes para fiscalizar e punir os infratores contribuirão, tenho certeza, para o fim da banalização da violência Esse será o primeiro passo decisivo rumo à construção de uma sociedade mais fraterna e digna, onde os direitos humanos sejam defendidos de forma coerente e justa.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2003 - Página 26049