Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta aos perigos da depressão e críticas à omissão das autoridades de saúde.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Alerta aos perigos da depressão e críticas à omissão das autoridades de saúde.
Aparteantes
Aelton Freitas, Garibaldi Alves Filho, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2003 - Página 26667
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, CRESCIMENTO, DOENÇA MENTAL, OMISSÃO, GOVERNO BRASILEIRO, CAMPANHA, PREVENÇÃO, TRATAMENTO, REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FALTA, ESTATISTICA, BRASIL.
  • NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, POSSIBILIDADE, TRATAMENTO, UTILIZAÇÃO, MEDICAMENTOS, AUMENTO, ATENÇÃO, SAUDE MENTAL, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Parlamento, obrigatoriamente, é o local onde os mais diversos temas devem ser tratados e discutidos. Não há esse ou aquele tema menos importante, pois tudo que diz respeito ao cidadão e às condições de vida deve ser evidenciado na Casa, razão pela qual hoje vou me referir à “doença da alma”, ou “demônio do meio-dia”, ou “mal do século XXI”, que são algumas das designações de uma das moléstias mais prejudiciais ao ser humano e à vida em sociedade: a depressão.

O médico e escritor gaúcho Moacyr Scliar, na interessantíssima obra Saturno nos Trópicos, lembra-nos que já Hipócrates, o Pai da Medicina, caracterizava a depressão como “a perda do amor pela vida, uma situação na qual a pessoa aspira à morte como se fosse uma bênção”. Essa descrição, concebida no início do século IV, antes de Cristo, não envelheceu um minuto sequer nos últimos 24 séculos. Ela espelha um sentimento familiar às centenas de milhões de pessoas que, em todo o mundo, sofrem ou sofreram de depressão em algum momento de suas vidas.

Pois a depressão é exatamente isto: um distúrbio mental que priva a pessoa da capacidade de dar significado e sentido à própria vida, impedindo-a de sentir prazer e indispondo-a para as tarefas mais importantes do cotidiano.

Ao longo de minha carreira como médico, deparei-me com numerosos casos de depressão, dos mais simples aos mais graves. Pude, também, tomar conhecimento das estatísticas acerca da depressão no Brasil e no mundo. São estarrecedoras e projetam um futuro ainda mais sinistro no que diz respeito à progressão dessa patologia. São de espantar, portanto, as inexpressivas campanhas governamentais sobre o assunto, quando existem. E o descaso das autoridades brasileiras para com essa verdadeira epidemia mundial é notório.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, em vinte anos a depressão saltará do quarto para o segundo lugar no ranking das doenças mais dispendiosas. Vejam bem, Srªs e Srs. Senadores, só nos Estados Unidos, os custos anuais com o controle e tratamento chegam a US$47 bilhões.

É uma doença que se alimenta de si própria. Quem já teve uma crise depressiva tem 50% de chance de ter outra no futuro. Esse risco sobe para 90% para quem já teve duas ou mais crises. Sete em cada dez pessoas deprimidas pensam em suicídio, e 15% dos doentes efetivamente o cometem, o que é lamentável.

A depressão não tem preferências. Ataca pessoas de todas as classes sociais, idades, sexos e etnias. Nos Estados Unidos, por exemplo, há cerca de dois milhões de crianças diagnosticadas com a doença. Aliás, a idade média em que a depressão aparece pela primeira vez está diminuindo e hoje está em torno de 26 anos, dez a menos do que há uma década. Até os 65 anos de idade, as mulheres são mais vitimadas pela depressão que os homens, na proporção de duas para um. Acima dessa idade, porém, o número de casos de homens e mulheres tende a se igualar.

Há pouco tempo, o Instituto Nacional de Saúde Mental, instituição norte-americana, divulgou as mais recentes pesquisas sobre a depressão naquele país. Os resultados são alarmantes, Srªs e Srs. Senadores. Cerca de 16% dos norte-americanos, ou seja, mais de 30 milhões de pessoas, sofrerão de depressão grave em algum momento de suas vidas. Treze milhões de pessoas, mais de 6% da população do país, sofreram de depressão nos últimos doze meses. Os prejuízos ao país, calcula o Instituto, atingem a casa dos US$30 bilhões.

Em número de casos no mundo, a depressão só perde para as doenças cardíacas. A OMS estima, contudo, que, em 2020, a depressão será a principal causa de morte, superando as doenças cardiovasculares. Se considerarmos que ela é a causa oculta de uma série de outras doenças, como o alcoolismo, é possível que a depressão já seja a maior assassina do planeta.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que mais me causa indignação, como médico e homem público, é que a depressão é uma doença perfeitamente tratável. Os medicamentos são encontrados facilmente e apresentam relativamente poucos efeitos colaterais, quando prescritos de maneira correta. Não obstante, a depressão segue como uma das doenças mais subtratadas em todo o mundo. Metade da população deprimida não busca ajuda - por medo, por preconceito, por desinformação, ou porque não encontra ajuda solidária de outras pessoas. E apenas metade dos que buscam recebe tratamento. Em outras palavras, de cada quatro pessoas deprimidas, apenas uma é diagnosticada e tratada. Dos pacientes que são tratados, metade recebe tratamento inadequado. Dessa forma, chegamos ao irrisório percentual de 6% da população deprimida que recebe tratamento adequado.

O mercado de trabalho é brutalmente afetado pela depressão, o que ocasiona uma produção insatisfatória na eficiência esperada. A doença é a principal causa de incapacitação profissional no mundo, sendo responsável por 10,7% dos casos. Estima-se que uma pessoa deprimida perca mais de cinco horas de trabalho por semana, sendo que metade desse tempo se refere a períodos em que o trabalhador está no ambiente de trabalho. Em outras palavras, os prejuízos decorrentes da depressão não se revelam apenas em termos de absenteísmo, mas também de perda de produtividade e de interesse pelo trabalho. Se levarmos em conta que cerca de 10% dos trabalhadores sofrem de alguma forma de depressão, podemos concluir que os prejuízos causados pela doença, em todo o mundo, são astronômicos. Embora não seja a doença mais comum no trabalho, a depressão certamente é a mais onerosa. Só nos Estados Unidos, o prejuízo anual das empresas é de US$80 bilhões - esclareço às Srªs e Srs. Senadores que estou citando dados estatísticos dos Estados Unidos porque são confiáveis, concretos, enquanto que aqui no Brasil não há dados em que possamos sustentar nossos argumentos.

O descaso dos governos pelos distúrbios mentais, infelizmente, é bastante comum em boa parte do planeta. Embora as desordens mentais, neurológicas e comportamentais correspondam atualmente a 12,3% das doenças, grande parte dos países parece não se dar conta da gravidade da situação. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 40% dos países não têm políticas públicas voltadas para a saúde mental, e 25% não têm sequer legislação sobre o tema. Cerca de um terço das nações do mundo gastam menos de 1% do orçamento de saúde em atividades relacionadas aos distúrbios mentais. Em muitos países da África e da Ásia há menos - vejam a gravidade - de um psiquiatra por um milhão de habitantes.

Fica claro, portanto, que o combate à depressão é uma questão de vontade política. Uma vez que se trata de uma doença altamente tratável, que requer medicamentos relativamente baratos, as campanhas governamentais devem concentrar-se em dissipar a nuvem de preconceito e desinformação que envolve os distúrbios depressivos. Nesse particular, as iniciativas do Governo brasileiro são extremamente acanhadas. As campanhas de esclarecimento sobre os distúrbios mentais que temos visto no Brasil são esporádicas e ineficientes, quase como um faz-de-conta.

Em 1999, o Brasil aprovou a Lei nº 3048, que, finalmente, inclui a depressão entre as doenças do trabalho. Foi um avanço, não há dúvida, mas não passou de uma gota no oceano de iniciativas necessárias que o Governo brasileiro ainda está por implementar no campo da saúde mental.

Sr. Presidente, a saúde, como todos nós sabemos, é um direito assegurado a todos os brasileiros pela Constituição Federal. Garantir esse direito à população é dever do Estado. E o Estado, no que se refere aos distúrbios mentais, está agindo muito aquém do esperado. Os dados que mencionei são claríssimos: a depressão, uma das maiores assassinas do planeta, não está sendo combatida com o vigor necessário pelo nosso sistema de saúde pública. Portanto, registro o meu apelo para que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva passe a dedicar atenção especial à questão da depressão, doença que vem nos causando incomensuráveis perdas humanas e econômicas.

Lamento informar que o Estado do Amapá, particularmente o Município de Macapá, vem apresentando um índice espantoso de suicídios em face de depressão. As causas, por certo, são múltiplas, por falta de emprego, dificuldades financeiras e outras de foro íntimo.

Este pronunciamento é no sentido de lembrar e pedir ao Governo ações mais concretas em relação às doenças mentais e, por que não dizer, proporcionar ao cidadão uma assistência também no campo da psicologia.

Concedo o aparte ao Senador Aelton Freitas.

O Sr. Aelton Freitas (Bloco/PL - MG) - Senador Papeléo Paes, parabenizo V. Exª pela oportunidade do discurso e por abordar assunto de tamanha relevância. Vejo aqui a preocupação de V. Exª em apresentar números dos Estados Unidos, por serem confiáveis, e a preocupação pelo fato de o Brasil não possuir dados fundamentados. Sou do interior de Minas Gerais e posso afirmar que, hoje, no Brasil, dificilmente há uma família que não tenha pelo menos uma pessoa com depressão. Portanto, compartilho da preocupação de V. Exª e associo-me ao chamamento que V. Exª faz ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no sentido de que a depressão possa ser tratada pelo serviço de saúde pública. Parabenizo-o pela oportunidade e pelo belo discurso que faz!

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª o aparte, que incorporo ao meu pronunciamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos os dias nos deparamos com alguém que apresenta um quadro de depressão. Os sintomas são vários, como o cidadão que fica escondido em um quarto, no escuro, sem querer conversar com ninguém; ou aquele que fica profundamente irritado, inconformado com tudo. A essas pessoas, não devemos dizer o que sempre se diz - sou médico e tomo cuidado para não dizer: “Deixa de besteira, isso não é nada, deixa de ser assim!” A pessoa não fica daquele jeito porque quer. São diversos os fatores que levam o cidadão àquele estado de espírito.

Chamei a atenção para o índice de suicídio no Estado do Amapá, mais especificamente na capital, onde jovens se suicidam sem que se saiba o motivo. As famílias relatam sempre que essas pessoas andavam muito tristes e que muitas delas, depois, entraram no mundo das drogas porque estavam deprimidas. Como não foram tratadas, foram buscar na droga uma medicação.

Concedo o aparte ao Senador Garibaldi Alves.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Meu caro Senador Papaléo Paes, também trago a minha solidariedade a V. Exª pelo seu discurso, na hora em que chama a atenção para uma doença que, como bem disse V. Exª, é a que mais mata hoje no mundo, pois leva as pessoas a um desespero tal que elas acabam por se suicidarem. Trata-se de uma doença que precisa de uma campanha de esclarecimento. Deve-se começar por uma ação educativa que possa chegar a todos os lares e advertir as famílias, porque os motivos são diversos. Sabemos que as causas da depressão podem ser, inclusive, endógenas, ou seja, de caráter hereditário, sem influência externa. Então, são muitas as formas como a depressão se apresenta, e, se a pessoa não for bem tratada e não for esclarecida e consciente, os males serão imensos. Congratulo-me com V. Exª.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª o aparte, que incorporo para fortalecer ainda mais a intenção de nosso discurso. Muito obrigado, Senador.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Papaléo Paes, congratulo-me com V. Exª pela sua preocupação, reconhecendo o mérito de V. Exª com esse pronunciamento. Sabíamos da sua excelência como especialista em Cardiologia, mas, nós, Senadoras e Senadores, brasileiras e brasileiros, aprendemos agora ensinamentos de Psicologia que V. Exª está a nos transmitir. Sem dúvida, quero alertar que um dos mecanismos fundamentais para nos liberarmos disso é a religião. Está escrito no Livro de Deus que a causa das depressões quase sempre são as preocupações. Está lá escrito: “Não vos inquieteis com o amanhã...” “Olhai para os lírios do campo...”, “Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam...”. E a Ciência Médica popularizou. A literatura dos países avançados, hoje, têm de chegar à nossa gente, como o célebre livro do norte-americano Dale Carnegie, Como Evitar Preocupações e Começar a Viver, e um outro, de Frank Caprio, Ajuda-te pela Psiquiatria. Tem que haver uma educação para que o nosso povo e a nossa gente comece a ler esses livros que ajudam a fugir da depressão, causa maior do suicídio no Brasil.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Também incorporo ao meu discurso as suas palavras. E volto a insistir para que nós, seres humanos, apesar da vida atribulada que levamos e das dificuldades que temos, nunca nos furtemos a dar pelo menos uma palavra de atenção ou de carinho para o próximo. Em momentos de atenção para com uma pessoa, talvez a estejamos ajudando a resolver um problema pessoal, um problema sintomático, do início de uma depressão.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer, agradecendo a atenção das Srªs e dos Srs Senadores.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2003 - Página 26667