Discurso durante a 122ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o aumento do consumo de drogas entre os jovens, em particular o uso do ecstasy.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Preocupação com o aumento do consumo de drogas entre os jovens, em particular o uso do ecstasy.
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2003 - Página 27318
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • GRAVIDADE, PROBLEMA, DROGA, VINCULAÇÃO, VIOLENCIA, APREENSÃO, APERFEIÇOAMENTO, SUBSTANCIA, AUMENTO, DEPENDENCIA PSIQUICA, JUVENTUDE, REGISTRO, DADOS, POLICIA FEDERAL, CRESCIMENTO, TRAFICO.
  • DEFESA, AUMENTO, INFORMAÇÃO, DROGA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ELOGIO, POLICIA MILITAR, DISTRITO FEDERAL (DF), FORMAÇÃO, CRIANÇA, ENSINO FUNDAMENTAL, PROGRAMA, RESISTENCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, INCLUSÃO, PARCERIA, FAMILIA, POLITICA, PREVENÇÃO, INICIO, ESCLARECIMENTOS, TABAGISMO, BEBIDA ALCOOLICA.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando se fala em insegurança, a conexão mais imediata que vem à nossa mente é com a violência. De fato, um dos fatores que mais geram medo, insegurança, preocupação no cotidiano das pessoas é a violência. Mas muitos se esquecem que, atrás de atos violentos, age um verdadeiro dragão da maldade, um autêntico monstro do terror: as drogas. Submetidas aos efeitos deletérios das drogas, as pessoas tornam-se marionetes de invisíveis comandos, bonecos desprovidos de consciência, desconectados da auto-determinação e de seu próprio arbítrio. Submergem em um mundo sem limites, sem fronteiras entre o bem e o mal que, se parece maravilhoso por algum tempo, mostra-se assombroso mais tarde, quando passa o efeito da droga.

Bem sei, Sr. Presidente, que nesta Casa têm ressoado, continuamente, as vozes de preocupação, de inquietação, de indignação até, contra o malefício das drogas. Nunca será demais falar contra elas, trazer o assunto à tona! É nesse fluxo de preocupações que vem desaguar meu pronunciamento de hoje, Srªs e Srs. Senadores! Será mais um elo dessa extensa corrente que não pode parar de crescer, de assumir um vulto cada vez maior diante da assustadora escalada das drogas em nosso meio.

A verdade é que o mundo das drogas não deixa de produzir suas novidades. Quando pensávamos que o pior era a cocaína, surgiu o crack. É revelador o que se lê no livro Carandiru, do médico infectologista Dráusio Varela, sobre o impacto da entrada do crack no maior presídio de São Paulo. O potencial destrutivo de tal droga na vida dos presidiários foi a tal ponto avassalador, que, não fora o caráter testemunhal do livro, pensaríamos estar lendo páginas da mais mirabolante e imaginosa ficção. Pois bem, depois da cocaína, veio o crack. Poderia ser a última droga. Mas não foi. Agora, a novidade do momento é o ecstasy.

Com ele, mais um mito tem de ser combatido, como já combatemos no passado o mito de que a maconha não era droga, ou de que não fazia mal ao organismo. Tido como a “pílula do amor”, o ecstasy se revestiu do falso marketing de substância inofensiva, que provoca euforia sem causar dependência. Isso é uma deslavada mentira! Segundo a psiquiatra Vânia Novelli Domingues, especialista em tratamento de viciados, o ecstasy causa dependência psíquica, que é muito mais difícil de ser tratada.

Criado em laboratório em 1914, o ecstasy é parente das anfetaminas, drogas presentes em remédios para emagrecer e usadas pelos caminhoneiros para permanecer acordados durante as madrugadas. O princípio ativo da droga, o MDMA, provoca forte descarga de serotonina no organismo, o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e bem-estar. Daí a sensação de felicidade ao extremo, euforia, emoções à flor da pele, que surgem nas primeiras horas. Passadas de quatro a seis horas, o nível de serotonina cai próximo a zero, trazendo a sensação de “baixo-astral”, que pode evoluir, a longo prazo, para um quadro clínico de depressão. Isso faz com que o usuário sempre queira voltar à droga, para manter o prazer nas alturas. Mas, mesmo com mais droga, não há resultado - o corpo leva até duas semanas para recuperar as reservas de serotonina.

O que mais nos preocupa, Sr. Presidente, é o crescimento de mais essa droga junto a nossa juventude, que é o segmento que mais a consome, em casas de amigos e em festas de música eletrônica - as chamadas raves. O crescimento do ecstasy é comprovado pelas apreensões feitas pela Polícia Federal nos últimos meses. De janeiro a abril deste ano foram apreendidos mais de 54 mil comprimidos - três vezes mais que o total apreendido durante todo o ano de 2002. Esse número, no entanto, não reflete a realidade do comércio ilícito da droga. Como a Polícia Federal não inclui em suas estatísticas as apreensões feitas pelas polícias estaduais, o número deve ser bem maior.

A pílula de ecstasy vem ganhando a preferência dos jovens de classe média por ser uma alternativa “segura” - conforme os próprios jovens dizem - à cocaína e à maconha. À dificuldade de obtenção dessas últimas está adicionado o risco da proximidade com os narcotraficantes. Com o ecstasy, o risco diminui: as pílulas são vendidas pelo colega de faculdade ou por algum freqüentador das danceterias. Além disso, o comprimido de ecstasy pode passar facilmente por um inofensivo remédio para dor de cabeça, não tem o cheiro forte da maconha nem exige um ritual para ser consumida, como a cocaína. Tudo isso dificulta a ação da polícia. E facilita a vida do usuário... e a do traficante, claro! 

Eu acredito fortemente, Sr. Presidente, que o melhor remédio para afastar nossas crianças e jovens da perdição das drogas é a informação. A informação honesta, comprovada, objetiva. A informação que vem da família, da escola, dos meios de comunicação, dos poderes constituídos. Sabemos o impacto que causou na audiência brasileira o tratamento dado ao assunto “drogas” na novela O Clone. A autora, Glória Perez, acertou em cheio ao introduzir o assunto no enredo da novela das oito. Além dos personagens envolvidos com a droga, foram incluídos na trama testemunhos verídicos de ex-dependentes, para não haver mistificação no tratamento do assunto. Quanta gente passou a entender mais o que são as drogas, que conseqüências trazem, em que mundo estão inseridas, quanta violência e destruição acarretam em seu rastro! Pena que hoje os meios de comunicação deixaram o tema de lado. Dada sua constante ameaça, ele deveria ser tratado com perenidade.

No mesmo sentido, tenho de confessar a satisfação ao tomar conhecimento, dias atrás, da matéria intitulada “Unidos contra a droga”, publicada no Correio Braziliense do dia 9. A matéria noticiava a conclusão de mais uma turma de formandos do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência. Sabem quem eram os formandos? Alunos da 4a série de uma escola do Cruzeiro, com idade entre 9 e 12 anos. Sabem quem foram os instrutores? Integrantes da Polícia Militar. Os instrutores vão à escola semanalmente, durante um semestre, conscientizar as crianças sobre os riscos da droga. Pais e mães também são envolvidos nas atividades do programa e, no final, os alunos participantes recebem um diploma de conclusão do Programa. Considero a parceria entre pais e escola fundamental para o sucesso de qualquer programa de prevenção. Sabemos das dificuldades de muitas famílias em orientar, educar, informar os filhos. Quando o assunto é drogas, a situação se torna mais difícil, porque falta aos pais a própria informação a passar para os filhos, falta o conhecimento particularizado, falta o modo correto de abordar assunto tão espinhoso!... A participação de pessoas preparadas para falar do assunto, como, no caso relatado, os policiais militares, dá credibilidade ao programa e apoio à ação posterior dos pais. Fiz questão de incorporar a notícia ao meu pronunciamento, como forma de mostrar que a prevenção é um dos melhores caminhos para afastar nossas crianças e jovens do mundo das drogas.

Isso não vale apenas para o caso do ecstasy. Nossas crianças e jovens devem saber o quanto qualquer droga faz mal. Devemos começar pelas chamadas drogas lícitas: o fumo e o álcool. São lícitas, porque não tivemos até agora a força e a vontade necessárias para bani-las da legalidade. Mas são tão ou mais prejudiciais que muitas das demais drogas. O fumo é o maior causador de câncer do pulmão, por exemplo! Cada trago provoca endurecimento das artérias, fazendo o coração trabalhar mais depressa, enquanto os pulmões absorvem uma série de substâncias nocivas, como: monóxido de carbono, amônio, ácido carbônico, piridina, alcatrão, etc. O fumo acarreta dependência física e psíquica. Pior de tudo: o vício é incentivado em nossa sociedade, por belas campanhas publicitárias - porém enganosas! -, e pelo charme que os filmes americanos deram ao ato de fumar - não se sabe a que preço!

O álcool é outra droga permitida, e a mais consumida pelos estudantes brasileiros. Pesquisa da Unesco revela que 10% dos estudantes brasileiros de 13 a 24 anos consomem regularmente bebidas alcoólicas. A permissividade que impera no Brasil quanto ao acesso ao fumo e ao álcool é um verdadeiro caso de polícia, Sr. Presidente! Compra-se a qualquer hora, em qualquer lugar! Basta ocorrer um evento festivo público - um show, uma feira, um jogo qualquer - para brotarem de todos os lados carrinhos e caixas de isopor abarrotados de cerveja! Propagandas ficam incutindo na cabeça do brasileiro que a cerveja é a bebida nacional. Ora, vamos e venhamos! A bebida nacional, se tivéssemos de eleger uma, deveria ser o guaraná. Para obter lucros e mais lucros, a indústria de bebidas alcoólicas põe de lado a saúde, a ética, e só mira o lucro!

Sabemos que muitos jovens conheceram as drogas ilícitas por aquela que é considerada sua porta de entrada: a maconha. Iludidos e enganados, pensaram que a maconha não era droga. Mas a verdade é outra: ela é um alucinógeno, isto é, faz o cérebro funcionar de forma desconcertante e fora do normal. No cerebelo, o princípio ativo da maconha provoca letargia, redução no controle dos movimentos e desorientação espacial e temporal. No córtex cerebral, ocorrem alterações transitórias nas sensações do tato, visão e audição.

Por ser uma das drogas ilegais mais consumidas no mundo, não gostaria de deixar de mencionar a cocaína e seus efeitos deletérios. A cocaína é um psicotrópico: age no sistema nervoso central, cérebro e medula espinhal, exatamente os órgãos que comandam os pensamentos e as ações das pessoas. O indivíduo dependente de cocaína está sujeito a riscos graves: pode chegar ao colapso cardíaco ou à intoxicação. As alucinações provocadas pela cocaína são terríveis! Segundo pesquisas com macacos rhesus, o uso de cocaína durante a gravidez pode causar danos irreversíveis ao cérebro do recém-nascido: perda de mais da metade dos neurônios do córtex cerebral e cérebro cerca de 20% menor.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu temo, realmente, que os mitos e as facilidades associados ao ecstasy provoquem uma disparada no consumo, levando nossos jovens à beira do abismo, às bordas do precipício, que é para onde os levam os traficantes, os dependentes, os viciados.

Os serviços de inteligência brasileiros devem manter sua atenção voltada para o aumento do consumo do ecstasy. Não se pode negar a possibilidade de ocorrer uma explosão no consumo desse alucinógeno. Não custa lembrar que aqui no Distrito Federal, nas barbas dos poderes da Nação, foram presos, só em maio deste ano, cinco estrangeiros com drogas. Um deles era um sul-africano, que carregava o equivalente a 200 comprimidos de ecstasy, triturados e escondidos em canudinhos de refrigerante para serem vendidos numa festa rave em Sobradinho.

Relatório anual da seção das Nações Unidas que controla drogas e crime já alertou para a curva ascendente do ecstasy ao redor do mundo. O consumo das pílulas está rompendo fronteiras geográficas e sociais e puxando porcentagens para cima. Segundo a ONU, o número de usuários de drogas ilícitas entre a população acima de 15 anos de idade cresceu de 4,2% em 2001 para 4,7% no ano passado. Os entorpecentes mais consumidos foram a cannabis - maconha e haxixe - e as drogas sintéticas. Entre as sintéticas, está o ecstasy, o grande responsável pela expansão do mercado dos tóxicos fabricados em laboratório.

O perigo parece estar bem próximo, Sr. Presidente! Poderemos estar diante do segundo boom do ecstasy. O primeiro se deu no final dos anos 80. Nas grandes cidades da Europa e Estados Unidos, a juventude underground experimentava a atmosfera permissiva das festas regadas a música eletrônica e pílulas de ecstasy. No final dos anos 90, o preço da droga despencou. A qualidade também. A droga passava por uma forte industrialização. Em Brasília, o preço do comprimido varia entre 30 e 50 reais. Ao mesmo tempo, o ecstasy deixou de se restringir ao ambiente das festas rave e passou a freqüentar qualquer boate, bar ou festinha de gente moderninha. Também adquiriu novas formas. Pode vir em pó, líquido ou em cápsulas.

A luta contra as drogas não pode esmorecer nunca! Como homem público, reafirmo meu compromisso de lutar contra as drogas diuturnamente, a todo momento e em qualquer lugar, com os meios que me forem acessíveis para tanto!

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2003 - Página 27318