Discurso durante a 123ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Solicitação de apoio ao Projeto de Lei do Senado 308, de 2003, de sua autoria, que visa regulamentar e restringir a publicidade de medicamentos.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Solicitação de apoio ao Projeto de Lei do Senado 308, de 2003, de sua autoria, que visa regulamentar e restringir a publicidade de medicamentos.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos, João Capiberibe, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2003 - Página 27416
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, PROMOÇÃO, PUBLICIDADE, MEDICAMENTOS, NECESSIDADE, CONTENÇÃO, ABUSO, PROPAGANDA, LABORATORIO, CRITICA, PRIORIDADE, LUCRO, COMERCIALIZAÇÃO, PREJUIZO, SAUDE, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, PUBLICAÇÃO, EXCLUSIVIDADE, DESTINAÇÃO, MEDICO, ENTIDADE, SAUDE, PROPAGANDA, MEDICAMENTOS, REDUÇÃO, INFLUENCIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, CIDADÃO, CONTENÇÃO, IRREGULARIDADE, CONSUMO, PRODUTO FARMACEUTICO, TOXICO.
  • REGISTRO, FISCALIZAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (ANVISA), EXCESSO, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, PUBLICIDADE, COMERCIALIZAÇÃO, MEDICAMENTOS, IRREGULARIDADE, OMISSÃO, INFORMAÇÕES.
  • ESCLARECIMENTOS, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, RESTRIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, MELHORIA, IDENTIFICAÇÃO, MEDICAMENTOS, PREVENÇÃO, CONSUMO, TOXICO, EXPECTATIVA, APOIO, MATERIA, CONGRESSISTA, GARANTIA, DIREITOS, SAUDE.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a promulgação da Constituição de 1988 representou um momento histórico em que os direitos de cidadania foram evidenciados. A Assembléia Nacional Constituinte procurou distinguir normas, valores e princípios que são essenciais ao Estado Democrático de Direito em que estamos inseridos. Certos direitos, juridicamente protegidos em nossa ordem interna, não dão margem à negociação; negociá-los ou mitigá-los poderia colocar em jogo todo o nosso arcabouço normativo e social, conquistado com muito sacrifício.

Nesta oportunidade, lembro a V. Exªs o direito à saúde e o direito à integridade física, aspectos fundamentais do exercício da cidadania plena. É precisamente na busca de reforçar valores tão cruciais da vida em sociedade que venho buscar apoio ao Projeto de Lei do Senado nº 308/03, por mim apresentado em 07 de agosto deste ano, que visa, principalmente, a regulamentar a promoção e a publicidade de medicamentos.

Primeiramente, é preciso frisar que os propósitos deste Projeto de Lei são absolutamente convergentes com a ética que deve reger o exercício das profissões vinculadas à saúde. Posso citar, a título ilustrativo, os artigos 9º e 10 do Código de Ética Médica. Aquele dispõe que “o trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com o objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa”, enquanto este estabelece que “a Medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, minha formação profissional é a de médico e por força de meu contexto pessoal e profissional, me sensibilizo de maneira singular com aquilo que costumo qualificar como o descompasso existente, nos dias atuais, entre os valores que deveriam nortear a prática das profissões vinculadas à saúde, de um lado, e os abusos que verificamos na publicidade e nas práticas laboratoriais, de outro lado. Tais abusos desvirtuam completamente o sentido que o comércio de medicamentos deveria ter.

É por reconhecermos a existência de um hiato entre a ética e a efetiva prática profissional de alguns setores que considero oportuno debatermos - e aprovarmos - o PLS 308/2003, que pode estabelecer ponto de inflexão no tratamento dado, pela legislação brasileira, à promoção e à publicidade de medicamentos neste País.

Digo isso com segurança, porque este projeto parte de uma premissa muito clara, tão singela quanto essencial: medicamento não pode ser tratado como um produto qualquer, medicamento não é commodity; seu comércio não pode obedecer a critérios pura e simplesmente econômicos, às curvas de oferta e de demanda presentes nos diversos modelos econométricos. E não pode por uma razão bastante evidente, Srªs e Srs. Senadores: os medicamentos, logicamente, são bens que podem afetar diretamente o mais precioso dos direitos, que é o direito à vida. As conseqüências de seu mau uso, da administração equivocada de algumas substâncias, podem causar danos irreparáveis e até serem fatais.

É por tais motivos que pretendemos restringir, sobremaneira, a propaganda de medicamentos e de terapias de qualquer tipo ou espécie. De acordo com nosso entendimento, essa publicidade só poderá ser feita em publicações especializadas, dirigidas direta e exclusivamente a profissionais e a instituições de saúde.

E por que tal rigor? Porque estamos convictos de que a propaganda de medicamentos e de terapias nos meios de comunicações, induz o consumidor leigo a erro, incentiva a automedicação e, como conseqüência, favorece o surgimento de quadros graves de intoxicação, que constituem um dos maiores problemas de saúde pública do Brasil.

Vale lembrar que essa matéria já se encontra regulamentada, por exemplo, pela Resolução nº 102, de 30 de novembro de 2000, exarada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa. Essa norma detalha, em mais de 100 dispositivos, os conceitos, princípios e condições que devem ser observados para que possa ser feita a chamada “propaganda comercial” de medicamentos. Entretanto, Sr. Presidente, a prática demonstra de modo cabal a insuficiência e a inadequação das normas em vigor em face das práticas publicitárias veiculadas nos meios de comunicação.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Concedo o aparte, com muita honra, ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Papaléo Paes, como médico, quero cumprimentá-lo pelo conteúdo do brilhante discurso que faz hoje. Realmente, é estarrecedor vermos pelas emissoras de televisão, ouvirmos pelo rádio ou lermos nos jornais como é fácil anunciar medicamentos e até como a propaganda é colocada de maneira inversa. Ou seja, faz-se a propaganda do medicamento, geralmente prometendo soluções miraculosas, como, por exemplo, os medicamentos para resolver o problema da impotência sexual, e, ao final, é que se coloca “a persistirem os sintomas, consulte o médico”, quando deveria ser o contrário: para usar o medicamento, consulte antes um médico. Em algumas revistas como Veja, IstoÉ e Época, até existem algumas propagandas relativamente éticas, porque falam do problema e mandam procurar o médico. Penso que esse deveria ser o caminho. Isso se concordarmos em que pode haver propaganda de medicamentos em veículos de comunicação, que são lidos ou assistidos, na maioria das vezes, por leigos, por pessoas comuns que não têm formação na área médica e que, portanto, são obviamente induzidos, de maneira muito fácil, a usar o medicamento que promete, por exemplo, a solução deste ou daquele problema que a pessoa julga ter, ou até mesmo que tem, mas toma a medicação e não tem o sucesso esperado. Eu mesmo tive um exemplo em minha família: vivia permanentemente brigando com meu pai, porque ele era um viciado em propaganda de remédio, pois experimentava qualquer remédio que tivesse sua propaganda divulgada na televisão, em revistas ou em jornais. Concordo com V. Exª. Realmente tem que haver um rigor muito sério nessa questão da propaganda de medicamentos. Existem regras já estabelecidas. Portanto, tem que haver, por parte da agência reguladora encarregada da fiscalização, uma maior energia e uma punição para esses casos. E vou mais adiante, penso que devemos avançar e até mesmo proibir a propaganda de medicamentos por qualquer veículo de comunicação: televisão, rádio ou jornal.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a sua participação, pois é muito importante para o tema que estamos levantando neste momento.

E pela nossa prática como médico, Senador Mozarildo Cavalcanti, também vemos, no dia-a-dia, quando prescrevemos um medicamento - conscientemente prescrito, ou seja, sem a interferência de propagandas comerciais - acontecer de o balconista da farmácia trocar o medicamento, dizendo ao indivíduo que aquele que ele, balconista, está recomendando é melhor e mais barato do que o receitado pelo médico. E a pessoa, que tem uma convivência mais próxima, mais íntima com o balconista, acaba acatando a sua sugestão, o que também é muito grave.

Um grande número de notícias publicadas nos principais jornais do País nos alerta para os absurdos cometidos por aqueles que põem o dinheiro acima de qualquer coisa. A título de exemplificação, vale citar o monitoramento patrocinado pela Anvisa entre os meses de outubro de 2002 e maio deste ano. Esse projeto mostrou que nada menos que 90% das 930 peças publicitárias de medicamentos que foram analisadas feriam a legislação que regulamenta o setor. Entre as infrações mais freqüentes, encontram-se a omissão da contra-indicação principal, o uso de mensagens dirigidas a crianças e adolescentes, a ausência do número do registro do produto e a inclusão de termos tais como “aprovado”, “recomendado por especialistas”, “seguro” e “produto natural”.

Não acreditamos que multar os infratores seja suficiente. É preciso restringir a publicidade aos profissionais de saúde, como é feito, aliás, no âmbito da União Européia, na diretiva comunitária que trata da publicidade de medicamentos para uso humano. Esse ponto de vista também encontra respaldo junto à Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime). O coordenador da entidade, José Ruben de Alcântara, alerta que “vender remédio não é como vender geladeira. A natureza da publicidade, seja qual for o produto, é não destacar o lado negativo. Não dá para fazer isso com medicamentos. É preciso divulgar as contra-indicações”, pondera Alcântara.

Outro aspecto abordado no presente projeto de lei diz respeito à necessidade de restringirmos a distribuição de amostras grátis por parte dos laboratórios. Ao estabelecermos um maior número de critérios a regulamentar a distribuição de amostra grátis, tencionamos não só evitar ao máximo sua comercialização, mas também garantir o acesso a esses medicamentos por parte dos segmentos de baixa renda da sociedade, que deles mais depende. Rechaçamos, também, a prática deplorável de se prover os frascos de amostras grátis com conteúdos reduzidíssimos face às necessidades de tratamento terapêutico.

Em outro ponto do projeto, vedamos a distribuição e dispensação de medicamentos ao público em caráter promocional. Queremos acabar com as relações insidiosas e promíscuas que existem hoje entre profissionais do ramo de saúde e as indústrias farmacêuticas, pois quem perde com tais práticas, inevitavelmente, é o consumidor, é o cidadão incauto. Ao se estabelecer algum vínculo - ainda que indireto - entre médico e indústria, a relação médico-paciente fica maculada por interesses mercantilistas que agridem a Medicina como um bem maior que deve prevalecer sobre todo e qualquer procedimento comercial, ainda que este venha travestido como um “simpático” ou “inocente” costume.

Por fim, o último aspecto do PLS 308/2003 que gostaria de abordar diz respeito à necessidade de aprimorarmos a identificação dos medicamentos, mesmo que estes se encontrem fora de sua embalagem original. Talvez não seja do conhecimento de todos que os medicamentos são a primeira causa de intoxicação no País, superando inclusive os agrotóxicos e os saneantes domissanitários.

Dados referentes ao ano de 2000, recentemente fornecidos pelo Sinitox - Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológica, mantido pela Fundação Oswaldo Cruz, do Ministério da Saúde -, indicam que as intoxicações mais que dobraram na última década. Esta faceta trágica da saúde pública se deve em parte à publicidade, que induz a automedicação, e em parte também às dificuldades de se identificar o medicamento ou a substância utilizada.

Ainda nesse contexto, propusemos a instalação de mecanismos de segurança nas embalagens, de modo a prevenir e conter a intoxicação de crianças. Estudo conduzido pela pesquisadora Maria Élide, da Fundação Oswaldo Cruz, esclarece que, após a implementação de tais providências nos Estados Unidos na década de 1970, houve redução de 80% nos casos de intoxicação acidental por medicamentos.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Concedo um aparte a V. Exª, Senador Eduardo Siqueira Campos.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Senador Papaléo Paes, eu me atrevi a deixar a Presidência dos trabalhos e descer à bancada para que pudesse registrar a importância do pronunciamento de V. Exª. A meu lado estão vários Srs. Senadores que são médicos, companheiros, como sou de V. Exª, integrantes da região Norte, que poderiam, com muito mais propriedade e conhecimento de causa fazer-lhe este aparte. Senador Papaléo Paes, quero registrar a importância do papel que V. Exª vem desempenhando nesta Casa, talvez como o principal responsável na Comissão de Assuntos Sociais, na condição de Presidente da Subcomissão - que recentemente realizou reunião com a presença do Ministro Ricardo Berzoini - e em todas as participações e intervenções que faz, predominantemente no interesse da área da saúde, da área social, da população da região Norte do País. Em nome da população do Estado de Tocantins, deixo aqui registrado o meu reconhecimento pela importância da presença de V. Exª nesta Casa, que tão bem representa o seu Estado e também o setor da saúde. Foi uma vitória muito grande que o Brasil obteve, em passado muito recente, com relação à sistemática de distribuição dos remédios no combate à Aids - considerado, hoje, talvez o melhor programa de saúde no combate à doença. O nosso embate na OMC com relação ao fulcro do pronunciamento de V. Exª na questão dos medicamentos, a abordagem comercial e os aspectos humanísticos e sociais, V. Exª aborda com muita propriedade. Orgulho-me da recente posição tomada pela diplomacia brasileira, que presenciei em Cancun, em relação a vários aspectos, inclusive os da saúde. Meus parabéns a V. Exª.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª as palavras referidas à minha pessoa e à minha participação nesta Casa.

Aqui ficamos observando os colegas mais competentes, mais experientes, buscando ensinamentos. E uma das pessoas a quem observo com muita atenção é V. Exª, um jovem com grande experiência política e que está contribuindo muito para o seu Estado, inegavelmente, e para o nosso País, no dia a dia, em que vamos reconhecendo a sua participação como muito importante para a política brasileira.

Muito obrigado pelo seu aparte.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Papaléo Paes?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Ouço V. Exª, Senador João Capiberibe.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Papaléo Paes, a liberalidade em relação à saúde do cidadão não pode prevalecer, e V. Exª tem inteira razão em apresentar um projeto de lei nesta Casa regulamentando em definitivo a propaganda de medicamentos. Fico imaginando que, se nós continuarmos com esse grau de permissividade, teremos propaganda ensinando as pessoas a adoecer para poder consumir medicamentos. O projeto da lavra de V. Exª tem a nossa acolhida. Apoiaremos, defenderemos e votaremos a favor nesta Casa para que haja leis que protejam a saúde do cidadão. É uma obrigação de todos nós, Senadores, entendermos de saúde pública, mas não de doença. De doença cabe aos médicos conhecer, e nesta Casa há grandes médicos. Parece-me fundamental, já que V. Exª começa a trilhar esse caminho da separação entre saúde privada e pública, que é uma fronteira difícil de ser estabelecida, fazermos uma próxima discussão sobre saúde pública e privada, que evidentemente afeta o atendimento de norte a sul e de leste a oeste. Parabenizo V. Exª e registro o nosso apoio à aprovação do projeto.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Senador João Capiberibe, agradeço a V. Exª pelo aparte e pelo apoio ao nosso projeto. Quanto à questão da saúde pública e privada, mais especificamente na área de medicamentos, a nossa preocupação também, indiretamente, é em relação ao paciente que vai se consultar num órgão público, recebe uma receita de medicamentos básicos, mas que não avia aquela receita, não usa aqueles medicamentos porque é influenciado pela propaganda a comprar o medicamento - coisa que na maioria das vezes não consegue fazer com liberdade porque não tem dinheiro para isso. Essa influência indireta nós vamos sentir ao aprovar essa lei.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falávamos, no início deste pronunciamento, de valores e de princípios. Creio ser chegada a hora de o Estado brasileiro reafirmar, de maneira inequívoca, a prevalência do interesse público em relação aos interesses privados nos temas vinculados à saúde. Não pode haver dúvida de que nossa prioridade são os direitos de cidadania, que tantos séculos nos custaram para concebê-los e desenvolvê-los.

Nesse sentido, espero que o PLS nº 308/2003 possa contribuir para aproximar o exercício da Medicina da incansável busca do bem-estar e da saúde do ser humano.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2003 - Página 27416