Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apreensão sobre a liberação oficial da produção de mais uma safra de soja transgênica em solo brasileiro.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Apreensão sobre a liberação oficial da produção de mais uma safra de soja transgênica em solo brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 25/09/2003 - Página 28956
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, APREENSÃO, POSSIBILIDADE, LIBERAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PRODUÇÃO, BRASIL, PRODUTO TRANSGENICO, SOJA, REGISTRO, DESAPROVAÇÃO, MATERIA, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), MINISTERIO DA SAUDE (MS), MOTIVO, FALTA, INFORMAÇÕES, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, EFEITO, SAUDE, VIDA HUMANA, MEIO AMBIENTE, PRODUTO, ALTERAÇÃO, GENETICA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, MONOPOLIO, PRODUTO TRANSGENICO, SOJA, AMBITO INTERNACIONAL, TENTATIVA, CONTROLE, PRODUÇÃO, BRASIL, ANALISE, RISCOS, ACEITAÇÃO, LOBBY, EMPRESA ESTRANGEIRA, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, PRODUTOR, COBRANÇA, ROYALTIES, EXPORTAÇÃO, PRODUTO, ALTERAÇÃO, GENETICA.
  • COMENTARIO, FALTA, INFORMAÇÕES, CONSUMO, PRODUTO TRANSGENICO, AUSENCIA, REQUISITOS, BRASIL, ACOMPANHAMENTO, FISCALIZAÇÃO, MATERIA, EXPECTATIVA, DECISÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NECESSIDADE, COMBATE, EXCLUSIVIDADE, INTERESSE, EMPRESA MULTINACIONAL.
  • ESCLARECIMENTOS, OCORRENCIA, REJEIÇÃO, CONTINENTE, ASIA, EUROPA, IMPORTAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, SOJA, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ARGENTINA, DEFESA, APROVEITAMENTO, SITUAÇÃO, BRASIL, MANUTENÇÃO, PRODUÇÃO, AUSENCIA, ALTERAÇÃO, GENETICA, AMPLIAÇÃO, MERCADO EXTERNO, GARANTIA, SEGURANÇA, NATUREZA ALIMENTAR.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, mais uma vez, a sociedade brasileira aguarda com apreensão uma decisão que cabe ao Presidente da República anunciar, nestes dias: trata-se de liberar ou não a produção de mais uma safra de soja round-up ready em solos brasileiros.

Cultivada ilegalmente no Rio Grande do Sul, no ano passado, a primeira safra gaúcha dessa soja teve sua comercialização liberada no Brasil este ano, sob estritos condicionamentos legais quanto à segregação de grãos transgênicos e grãos convencionais, ao consumo e à rotulagem de seus produtos derivados.

Sobre este fato, compartilhamos preocupações e proposições, neste plenário, na semana passada, ocasião em que saudávamos a chegada, em Brasília, do acampamento das organizações sociais mobilizadas por políticas e leis que ordenem adequadamente nossa convivência com produtos biotecnológicos.

Contudo, esta semana se inicia sob forte pressão no sentido de se estender a liberação também ao plantio das sementes oriundas da safra transgênica 2002/2003.

Para tratar desse assunto, o Presidente Lula reuniu-se, na última sexta-feira, com o governador Germano Rigotto, do Rio Grande do Sul, parlamentares, representantes de alguns ministérios e algumas lideranças da área agrícola, e anuncia uma decisão para breve.

Sabe-se que o Ministério do Meio Ambiente recomenda a não-liberação, até que haja conhecimento científico, condições técnicas e debate público suficientes para garantir segurança à utilização dessa tecnologia em nosso País. 

Por sua vez, o Ministério da Agricultura e o Ministério da Saúde admitem oficialmente que não dispõem de condições técnico-científicas sequer para cumprir as restrições e condicionamentos previstos em lei, quanto ao controle e à fiscalização sobre os destinos da safra que está sendo comercializada. Também ainda não há condições para acompanhar e garantir segurança sobre os efeitos desses produtos para a saúde humana, nas múltiplas interações entre as espécies animais e vegetais, e o meio ambiente.

Já a empresa que patrocina o lobby pró-transgênico, no momento, assume expressamente que não se compromete com os efeitos de seus produtos no ambiente ou na saúde de seus consumidores.

Nesse sentido, o diretor de Comunicações da Monsanto, Sr. Phil Angell, fez a seguinte declaração ao jornal The New YorK Times: "Não é a Monsanto que tem de se preocupar com a segurança dos seus produtos alimentares. Nosso interesse é vender o mais possível. Verificar a segurança é com o governo."

Enquanto isso, no Brasil, a Monsanto publicou um aviso, nos jornais das principais regiões produtoras de soja, lembrando que a empresa detém a patente da tecnologia que "criou" aquela "nova espécie" de soja e que vai cobrar royalties sobre sua utilização.

Em comunicado oficial, explica que serão feitos testes nas alfândegas dos países importadores para verificar a presença da soja round-up ready. Constatada essa ocorrência, a empresa cobrará os devidos royalties ao exportador - como é normal neste ramo de negócios.

Srªs e Srs. Senadores, freqüentemente defendidos como avanço científico a serviço do desenvolvimento e do combate à fome no mundo, era de se esperar que, pelo menos, se desenvolvessem produtos transgênicos próprios para a alimentação humana, que priorizassem o manejo de solos pobres e em pequenas lavouras, sem necessidade de agroquímicos, irrigação e maquinaria cara.

Ao contrário, no entanto, as sementes transgênicas que se impõem no mercado mundial, de modo geral, exigem solos férteis, maquinaria e agroquímicos específicos, está mais voltada à produção de ração animal e, em alguns casos, apresentam produtividade inferior às espécies tradicionais.

Então precisamos ter claro que não é da transgenia ou da biotecnologia que estamos tratando quando nos colocamos contra a sua liberação no Brasil. Estamos tratando do lobby de uma grande empresa de biotecnologia, que quer lançar também no Brasil mais este produto - a qualquer custo, sem compromisso com nossas prioridades sociais ou econômicas, e sem o assentimento informado da sociedade.

No entanto, muitos são os argumentos mundialmente difundidos pelo marketing dessa empresa. Por exemplo, o argumento corrente (aqui mencionado pelo senador Osmar Dias, na sessão da última segunda-feira) refere-se ao fato de que o cultivo da soja transgênica da Monsanto economiza duas pulverizações de herbicida sobre a lavoura, e que duas pulverizações a menos implicam menor impacto ambiental.

Pulveriza-se menos vezes, é verdade. Mas não menos quantidade de herbicida - composto à base de glifosato. Ao contrário, por ser resistente ao herbicida, aquela lavoura transgênica pode ser pulverizada menos vezes mas com grandes medidas, o que contribui para que o grão colhido desses plantios concentre muito mais resíduo de glifosato que o grão convencional.

E o aumento de resíduo do glifosato, segundo estudo recente de oncologistas suecos, tem relação significativa com a ocorrência de uma forma de cancro humano e com a mutação de genes.

Além desses, há uma série de efeitos que não estamos habituados a considerar. Segundo a bióloga Margarida Silva, da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, as plantas que foram alteradas para resistir à presença de altas concentrações de pesticidas produzem maior concentração proteínas. A soja convencional tem pelo menos 16 proteínas alergênicas. Na soja transgênica da Monsanto, no entanto, um dos alergenes mais importantes aparece 26,7% mais concentrado que no grão natural. Ainda não há estudos sobre o impacto dessa elevada concentração de proteínas.

O Senador alegou também que os transgênicos não afetam a saúde humana, posto que já há inúmeros produtos, derivados de organismos geneticamente modificados, colocados à venda em supermercados, e não se tem registro de quaisquer efeitos nocivos desses produtos.

Ora, como é possível verificar os efeitos desses produtos? Esses produtos estão sendo difundidos há apenas alguns anos, sem o controle do Estado, sem o conhecimento da sociedade, sem qualquer informação ao consumidor que o utiliza.

E se não há segregação entre os grãos transgênicos e os convencionais, e se não se sabe quem, quando consumiu ou o quanto se consumiu desses produtos, como avaliar os seus efeitos?

Srªs e Srs. Senadores, a primeira safra transgênica já está aí, liberada condicionalmente. 

Agora pretende-se a liberação também para o plantio de uma segunda safra transgênica. Os seus defensores alegam que essa providência requer a agilidade de uma medida provisória, porque não há mais tempo hábil para que se cumpra o processo legislativo normal.

Então, a pergunta que nos ocorre é: não há tempo hábil para que e para quem?

Ora, já vimos que o Brasil não teve, e ainda não tem, condições de controlar e fiscalizar os plantios efetivados em seu território; nem de separar safras transgênicas das convencionais ou de acompanhar o destino desses produtos; e muito menos de avaliar seus efeitos.

Sem isso, como se pode responsavelmente liberar a produção e sua ampla difusão em nosso meio?

Nesse sentido, pode não haver tempo hábil para a implementação imediata das condições adequadas à livre produção e comercialização da soja round-up ready, conforme as pretensões comerciais da Monsanto no Brasil. Mas temos um tempo e um roteiro de providências ditados por nossas leis internas e pelos acordos e convenções internacionais sobre biotecnologia.

Além do mais, estima-se que 70% da soja norte-americana e 90% da Argentina são transgênicas. Os campos norte-americanos e argentinos ocupados com a produção transgênica somam quase a totalidade dos 72,5 milhões de hectares plantados com soja round-up ready no mundo. O que também demonstra que poucos países concordaram em se arriscar por esse caminho.

Por outro lado, os três grandes produtores mundiais de soja são os EUA, a Argentina e o Brasil. Com sua produção agrícola subsidiada, os produtores norte-americanos têm oferecido melhores preços aos importadores de seus grãos.

No entanto, como os grandes importadores da Ásia e da Europa têm rejeitado os produtos transgênicos por exigência crescente de seus consumidores, o Brasil é, momentaneamente, o único grande produtor de soja em condições de produzir grãos convencionais em larga escala.

Esse é, pois, um momento especialmente estratégico para o Brasil ampliar suas exportações, conquistando novas fatias de mercado externo, sem comprometer o ambiente natural e a segurança alimentar com riscos desnecessários.

Além disso, por enquanto, deliberadamente estimulados à produção clandestina, nossos pequenos produtores experimentaram condições excepcionais para a produção transgênica - contabilizados como custos de implementação da soja round-up ready no Brasil.

Contudo, uma vez liberada a produção transgênica, quem pagará os custos dos royalties, agora reclamados pela Monsanto? De quanto tempo e dinheiro se disporá para implementar o complexo sistema de segregação dos grãos, a infra-estrutura necessária ao armazenamento e ao transporte dos grãos diferenciados, da certificação, da rotulagem, da fiscalização, da avaliação dos impactos ambientais etc. , unanimemente defendidos?

Quanto a esse aspecto, é bom lembrar que nos EUA e no Canadá, a compra de tubérculos e sementes transgênicas da Monsanto exige a assinatura de um contrato com o produtor - que se compromete a não reservar nenhum grão de sua colheita para semear no ano posterior e permite que a Monsanto inspecione a sua lavoura. Para incrementar essa inspeção, a Monsanto ainda disponibiliza uma linha telefônica para delatores, contrata investigadores privados e já instaurou centenas de processos judiciais por quebra de contrato. 

Os contratos da Monsanto também dispõem de uma cláusula específica sobre a fidelidade ao herbicida da Monsanto. Assim se completa um processo pelo qual o agricultor é colocado em situação de permanente dependência a um subcontrato industrial.

Srªs e Srs. Senadores, as grandes empresas de biotecnologia seduzem o mundo com inúmeras possibilidades de aplicação da transgenia. Em seu pronunciamento, o nobre senador Osmar Dias citava, como exemplos, o caso da insulina produzida por engenharia genética, de grande utilidade para as pessoas diabéticas; a produção experimental de um tomate transgênico, dotado de uma espécie de vacina contra o câncer; uma laranja com uma substância de combate à gripe; um trigo modificado geneticamente para que tenha mais glúten. Sem dúvida, são algumas das muitas possibilidades de aplicação da transgenia, que justificam uma outra discussão.

Mas, por enquanto, o que há de real e concreto, que nos pressiona e mobiliza, aqui e agora, é que uma grande empresa, que detém o monopólio da produção de soja transgênica no mundo, quer neutralizar seus concorrentes, compensar seus investimentos e seus prejuízos nos EUA e na Argentina, sob todos e quaisquer riscos, à custa daquilo que nos é mais caro: nosso imenso e rico território, nossa megadiversidade biológica e nossa autonomia para construir nosso destino ao nosso modo.

Srªs e Srs. Senadores, para concluir, quero ressalvar que concordo com o Presidente Lula e com o Senador Osmar Dias, quando consideram que autorizar ou não o plantio de mais uma safra transgênica no Sul do Brasil é uma decisão que exige fundamentação técnico-científica. E, por isso mesmo, essa decisão não se pode amesquinhar ao limite dos exclusivos interesses econômico-financeiros de uma ou outra empresa multinacional de biotecnologia, mimetizados em promessas progresso fantasioso.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/09/2003 - Página 28956