Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lançamento da Campanha Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Lançamento da Campanha Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2003 - Página 33233
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, LANÇAMENTO, GOVERNO FEDERAL, CAMPANHA, ERRADICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO.
  • COMENTARIO, EXCESSO, OCORRENCIA, TRABALHO ESCRAVO, ZONA RURAL, RESPONSABILIDADE, PROPRIETARIO, MEDIO PRODUTOR RURAL, LATIFUNDIO, EMPRESA RURAL, ALICIAMENTO, TRABALHADOR, PROMESSA, REMUNERAÇÃO, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, PERMANENCIA, IMPUNIDADE, AUTOR, CRIME.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, TRABALHO ESCRAVO, PAIS, AUMENTO, EFICACIA, ATUAÇÃO, GRUPO, FISCALIZAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE).
  • IMPORTANCIA, PROJETO DE LEI, APROVAÇÃO, SENADO, CRIAÇÃO, VARAS JUDICIARIAS, JUSTIÇA DO TRABALHO, PAIS, PREVISÃO, INSTALAÇÃO, REGIÃO, EXCESSO, INCIDENCIA, TRABALHO ESCRAVO, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO SUL, ESTADO DO PARA (PA).

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em março deste ano vim a esta tribuna falar sobre o lançamento do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. O referido Plano significou o compromisso do governo de erradicar o trabalho escravo, prática vergonhosa que tem ocorrido no Brasil, especialmente no meu Estado, o Pará. Para tanto, foram definidas metas e ações a serem implementadas no curto e no médio prazo.

Pois bem, hoje tenho a grata satisfação de voltar ao tema para abordar o lançamento da Campanha Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, uma das ações previstas no Plano. A importância dessa Campanha se justifica principalmente se tivermos claro que a prática do trabalho escravo é uma questão ampla, envolve diferentes atores e apresenta facetas diversas.

As chamadas formas contemporâneas de escravidão vão além da nossa tradição escravocrata. É certo que entre os adeptos dessa prática há fazendeiros médios, mas não podemos ignorar a presença de grandes fazendeiros e muitas vezes empresas das regiões mais ricas do País que se utilizam do trabalho escravo em estados mais pobres, no caso não só o Pará, mas também o Maranhão e o Amazonas, por exemplo.

Contemporaneamente, o recrutamento de trabalhadores escravos é feito por meio do aliciamento com promessas que envolvem remuneração e condições de trabalho. Frustradas essas promessas, o trabalho é feito sob coerção a pretexto de dívidas contraídas, que envolvem desde a alimentação do trabalhador (via de regra de baixa qualidade) e até mesmo o próprio transporte até a propriedade.

Na grande maioria dos casos, o aliciamento é feito por prepostos dos empregadores, os chamados “gatos”, levando à diluição da figura do empregador. Como bem observa o Padre Ricardo Rezende, que viveu muito tempo na cidade de Rio Maria, no meu estado, “as relações tendem a ser impessoais e o proprietário se sente de alguma forma menos responsável pelos “excessos” dos gatos, não alimenta escrúpulos e alega, diante das autoridades e da imprensa, nada saber sobre o descumprimento das regras penais e trabalhistas. Isso acontece mesmo quando há reincidência de denúncias por anos sucessivos. A aparente ignorância se manifesta também em depoimentos de pessoas que se beneficiam da compra da produção que supostamente poderia estar vindo também do trabalho escravo.”

Esse quadro ilustra bem a necessidade de que sejam colocadas em prática ações específicas de conscientização, capacitação e sensibilização, como é o caso da Campanha Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Apenas para dar a dimensão que o trabalho escravo alcança em nosso país, gostaria de mencionar que, somente no ano de 2002, 5.559 trabalhadores escravos foram identificados em todo Brasil. Desse total, 4.227 estavam no Pará, com maior concentração nas regiões sul e sudeste do estado.

Neste ano, 2003, até o mês de julho as equipes de fiscalização do Ministério do Trabalho realizaram 32 operações de fiscalização em 115 fazendas. Foram libertados 2.587 trabalhadores que se encontravam em condições desumanas. O número é 62,29% superior em relação ao mesmo período de 2002. Obviamente, não podemos dizer que esse aumento significativo do número de trabalhadores libertados seja uma evidência do aumento da prática, muito antes pelo contrário, é uma clara evidência de uma ação fiscalizatória mais presente e eficaz. E, nesse sentido, não podemos deixar de citar a ação do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, que tem se revelado um eficiente instrumento de repressão ao trabalho forçado.

Contudo, devemos lembrar que a fiscalização, para ser efetiva, deve resultar em ações punitivas. O que percebemos é que o aumento da eficiência da fiscalização tem revelado a dimensão do problema, mas, infelizmente, a impunidade continua a existir. Segundo o artigo do professor Paul Singer, publicado na Folha de S.Paulo no último dia 20, os responsáveis pela escravização de trabalhadores são processados, mas raramente são punidos, e o crescimento do número de denúncias e trabalhadores resgatados é explicado pela CPT pela "provável conjunção de um alastramento que continua e de um efeito de divulgação que encoraja as vítimas a denunciar, mas sobretudo pela permanência da impunidade.”

Ciente disso, o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, criado no governo Lula, buscou atacar o problema em sua totalidade, não se limitou a ações de conscientização e sensibilização, como a referida Campanha que hoje está sendo lançada, mas previu também ações que venham contribuir para a diminuição da impunidade.

Entre essas ações está a criação de 269 Varas de Trabalho, prevista no Projeto aprovado nesta Casa há poucos dias. Esse projeto, do qual fui relatora, vem corroborar a luta contra o trabalho escravo, uma vez que pelo menos 50 das Varas de Trabalho previstas têm previsão de instalação nas regiões onde se detectou a maior incidência do trabalho escravo, em especial no sul do Pará. A primeira Vara, por exemplo, será em Redenção (PA), município onde também tem-se identificado tal prática.

Ao criar as Varas de Trabalho nos municípios onde ocorre o crime do trabalho escravo, garante-se aos trabalhadores vitimados a acessibilidade ao direito. Afinal, deve ser ressaltado que a atenção pública deve voltar-se para a questão penal, em termos de premência, mas também para o problema do ressarcimento patrimonial dos trabalhadores libertados pelos órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal.

Tenho a convicção de que estamos no caminho certo. Pois apenas se atacarmos o problema como um todo, nas diversas facetas que ele apresenta, seremos vitoriosos nessa importante luta contra a prática do trabalho escravo no Brasil.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2003 - Página 33233