Discurso durante a 149ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Esclarecimentos sobre o pagamento do Fundef. Repúdio ao projeto de desmembramento do Distrito Federal.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. DIVISÃO TERRITORIAL.:
  • Esclarecimentos sobre o pagamento do Fundef. Repúdio ao projeto de desmembramento do Distrito Federal.
Aparteantes
Arthur Virgílio, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2003 - Página 33784
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. DIVISÃO TERRITORIAL.
Indexação
  • REFERENCIA, PROBLEMA, PAGAMENTO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, ESTADOS, REGISTRO, ESCLARECIMENTOS, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), EXPECTATIVA, COMPLEMENTAÇÃO, BENEFICIO, EDUCAÇÃO.
  • MANIFESTAÇÃO, REPUDIO, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, DESMEMBRAMENTO, TERRITORIO, DISTRITO FEDERAL (DF), ANALISE, HISTORIA, CONSTRUÇÃO, CIDADE, ESFORÇO, IMPLANTAÇÃO, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, EXERCICIO, DEMOCRACIA, CAPITAL FEDERAL.
  • ANALISE, PROPOSTA, REDUÇÃO, TERRITORIO, DISTRITO FEDERAL (DF), CRIAÇÃO, CIDADE, REGIÃO, PROXIMIDADE, AUSENCIA, VANTAGENS, CRESCIMENTO ECONOMICO, PERDA, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, CAPITAL FEDERAL, AMPLIAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • DEFESA, PROPOSTA, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DISTRITO FEDERAL (DF), PROTEÇÃO, RECURSOS NATURAIS, COMBATE, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, PODER PUBLICO, GARANTIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senadora Heloisa Helena, ontem o Senador Duciomar Costa discursava sobre o Fundef em relação a três Estados que estavam com problemas de caixa. Liguei para o Ministério da Educação, e obtive a informação de que o Fundef é uma previsão de recurso, portanto não tem um número determinado, depende da arrecadação para o fundo. O Ministro da Economia tinha baixado portaria repondo os valores para que não houvesse um saldo diferenciado do que estava proposto para este ano. Portanto, foi corrigido pela portaria e agora há uma suplementação para repor esses recursos.

Desejava dar essas explicações principalmente porque soube ontem que o Sr. Ministro da Educação não está bem de saúde. Desejamos o pronto restabelecimento de S. Exª, que tomará conhecimento da nova solução dada para o Fundef.

O ministério responsável pelos recursos, ao publicar essa portaria, restabeleceu os valores no patamar necessário para o Fundef cumprir as suas rubricas no que diz respeito à educação nos Municípios e Estados em que faltava a complementação.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz a esta tribuna hoje é um projeto que está tramitando nesta Casa, a Proposta de Emenda Constitucional nº 56, de autoria do ex-Senador Francisco Escórcio, que cria o Estado do Planalto.

Segundo a proposta, o Distrito Federal passaria a contar com as áreas do Plano Piloto, Lagos Norte e Sul, Cruzeiro, Candangolândia, Núcleo Bandeirante, Guará e parte do Paranoá.

As demais cidades constituiriam o Estado do Planalto, que incorporaria alguns Municípios do entorno, como Unaí e Luziânia. Esse novo Estado teria como capital a cidade de Taguatinga.

Antes de mais nada, registro o meu repúdio a essa proposta que constitui um verdadeiro ataque à autonomia do Distrito Federal, tão duramente conquistada através de anos de luta.

O saudoso Presidente Tancredo Neves participou ativamente da luta pela autonomia do Distrito Federal. Em seus pronunciamentos, dizia já ter visto muitas pessoas cassadas, mas que apenas no Distrito Federal encontrava-se um Estado cassado e um povo cassado. Ele registrava essa preocupação, comprometendo-se no sentido de trabalhar para sanar essa cidadania cassada ou não estabelecida para o povo que compõe o Distrito Federal.

Portanto, fazemos esse discurso em memória do saudoso Presidente Tancredo Neves e de todos aqueles candangos que compuseram a saga histórica da construção da nossa capital, não só do ponto de vista da construção estrutural, mas da luta pela emancipação política. A autonomia do Distrito Federal desenvolveu-se a partir daquelas pessoas que vieram para cá e que sentiram a importância de construir sua cidadania.

Gostaria ainda de fazer um resgate da história de Brasília, para que os senhores e as senhoras relembrem a dimensão do processo histórico que deu origem a nossa capital e ao Distrito Federal.

Desde 1789, os inconfidentes reivindicavam o processo de interiorização de nosso País, com a transferência da capital.

Em 1821, surgiu, pela primeira vez, a proposta de Brasília para dar nome à nova capital.

Em 1892, a chamada Missão Cruls, da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, constrói quatro marcos na região, gerando um relatório descritivo que foi o marco desse processo.

No centenário da nossa Independência, foi lançada em Planaltina a Pedra Fundamental do Distrito Federal.

Em 1933, uma comissão do IBGE resolve recomendar a mudança da Capital e resgata os marcos da Missão Cruls.

Em 1946, a questão é retomada pelo então Deputado Federal Juscelino Kubitschek, que defende a transferência da capital para a região central do País.

A Constituição de 1946 consagra a mudança e retoma o nome de Brasília, sugerido por José Bonifácio.

A cidade projetada por Lúcio Costa, construída por Oscar Niemeyer, a nova capital, é inaugurada em 21 de abril de 1960, consagrando um sonho de muitos e unindo neste feito trabalhadores vindos de todos os cantos do País para a epopéia de mudança da capital, orientada pela política desenvolvimentista implementada pelo Governo JK.

Daí para os dias de hoje, o Distrito Federal tem sido palco de inúmeros acontecimentos históricos.

Em 1984, nossas ruas foram tomadas pela campanha nacional pelas Diretas Já, mostrando que nossa população sabia se mobilizar e exigir seus direitos. Em 1986, conquistamos mais um passo rumo à nossa cidadania plena, com o exercício do voto direto para nossos primeiros Deputados e Senadores. Nessa ocasião, tive oportunidade de ser Parlamentar da Câmara Legislativa, e fomos responsáveis pela elaboração da Lei Orgânica, a Carta Magna do Distrito Federal.

Na elaboração da Constituinte, momento marcado pela organização e participação popular, conquistamos o direito de eleger governadores e membros de uma Câmara Legislativa, consagrado na Constituição de 1988.

Temos, assim, pouco mais de uma década de exercício democrático pleno e vivemos ainda um processo de aprimoramento de nossas instituições.

Os escândalos envolvendo Parlamentares da base de apoio ao Governador Joaquim Roriz, como a recente prisão do Deputado Distrital José Edmar, são graves e precisam ser investigados, gerando a necessária penalidade. Contudo, é importante reconhecer que a Câmara Legislativa tem sido palco de importantes debates e decisões que dizem respeito a nossa população, contribuindo para o processo de politização e participação em nossa cidade.

A discussão de um Estado neutro com cassação de autonomia política revela-se um retrocesso. E a comparação feita pelo propositor da emenda com a sede do governo americano revela-se uma visão colonial tupiniquim.

Do ponto de vista da viabilidade, a proposta é insustentável. Sabemos que boa parte das verbas que garantem sustentabilidade ao Distrito Federal provêm dos recursos destinados pela União.

Como bem alertou o Deputado Eunício de Oliveira, com a criação do novo Estado, o Distrito Federal poderia perder verbas para as áreas de educação, saúde e segurança, porém continuaria atendendo a população do Entorno. Compartilho da necessidade de caminharmos na direção de maior autonomia financeira a partir de um modelo de desenvolvimento sustentável, que leve em conta a vocação econômica da região, suas potencialidades, recursos e aspectos culturais, mas admito que ainda dependemos enormemente dos recursos federais para manter nossos serviços públicos em funcionamento.

O custo de Brasília equivale à importância de ter a capital federal nesta região do território nacional. Entretanto, esse custo seria o mesmo em qualquer lugar onde estivesse instalada a capital. Portanto, isso não serve de amparo a essa proposta.

Um outro aspecto interessante foi ressaltado por professor da UnB em seminário realizado pela Câmara Distrital sobre o tema: território, base econômica e sustentabilidade socioespacial são essenciais para a viabilização de uma nova unidade federativa.

Dados do Ministério do Trabalho atestam que, em 1999, o Plano Piloto concentrava 77% dos postos de emprego do Distrito Federal.

Do ponto de vista social, seria aprofundar uma injustiça que separa geograficamente ricos e pobres. O referencial seria mudado, mas a distância seria ampliada. Para mim, essa é a essência da proposta.

Temos uma realidade marcada por uma enorme desigualdade entre nossas cidades, o que tem impacto direto na qualidade de vida de seus habitantes. Enquanto Lago Sul e Lago Norte destacam-se nacionalmente pelo alto poder aquisitivo, com mais de 60% das famílias recebendo acima de 40 salários mínimos mensais, as regiões administrativas de Recanto das Emas, Paranoá, Santa Maria, São Sebastião, Ceilândia e Samambaia destacam-se pelo grande percentual de famílias em situação de extrema pobreza, com mais de 90% das famílias com renda abaixo de 10 salários mínimos.

A criação do Estado do Planalto é, portanto, uma proposta retrógrada do ponto de vista político, insustentável do ponto de vista econômico e injusta socialmente, não atendendo aos interesses de nossa população. Resta-nos a pergunta: a quem pode interessar? Certamente grileiros e outros fora-da-lei, que nos últimos anos têm contado com a conivência do poder público para perpetrar suas ilegalidades, teriam muito mais a ganhar com o fim da autonomia e o conseqüente enfraquecimento das forças populares e de suas representações. Perderia a democracia, ganharia a arbitrariedade!

Sou a favor de uma proposta de desenvolvimento para o Distrito Federal, resguardados os interesses das futuras gerações, com a preservação de nossas reservas e recursos naturais, da participação do poder público e da iniciativa privada na concepção e execução desse modelo e do aprimoramento de mecanismos de consulta e participação popular.

Comungo com os que acreditam na democracia e luto para que nossas instituições de representação possam-se livrar da influência do poder econômico e ecoar as reais necessidades e anseios de nossa população.

Encerro meu pronunciamento, conclamando todos a se posicionarem contra a proposta, honrando o sonho dos que aqui vieram para transformar em realidade o sonho de uma capital que contribuísse para um Brasil melhor.

Essa é a nossa proposição. Com certeza este Senado, com a experiência longa dos seus componentes, por sua tradição na política nacional, experimentada não só nos Legislativos Estaduais como também em outras esferas do Executivo, como governos estaduais e ministérios, saberá conduzir a discussão desta importante matéria com o trato que lhe é pertinente.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - A discussão é sobre a criação do novo Estado?

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Exatamente. Registro aqui o meu protesto, a minha posição contrária à PEC nº 56, que cria o Estado do Planalto.

Ouço V. Exª, com muito prazer.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Eurípedes Camargo, quero saudar V. Exª. pelo pronunciamento. Sei que este tema, como bem diz V. Exª, será muito debatido nesta Casa. As suas considerações são muito importantes, pela vivência, pela experiência, pela responsabilidade, por não estar V. Exª. articulado com nenhum grupelho político que possa, de alguma forma, criar uma nova situação política ou administrativa para a partilha do poder político local. Portanto, quero saudar V. Exª. Brasília passa a ter um sentido especial na vida de cada um de nós que aqui moramos com nossos filhos. Quando eu não morava aqui, Senador Eurípedes Camargo, sempre tinha uma imagem muito distante de Brasília. Às vezes até digo que é a cidade dos corações de pedra - claro que os corações de pedra estão instalados nas instâncias de decisões políticas, nas instâncias de poder, com as exceções que fazem parte de todos os espaços da sociedade. Mas, depois que viemos morar aqui, tornou-se a nossa segunda casa. Temos o nosso Estado, o meu querido Estado de Alagoas. Como toda criança pobre do interior do Estado de Alagoas, moramos em muitas cidades. Em muitas cidades que moramos, chegamos lá e as pessoas dizem: “Ah! a Heloísa é daqui também”. Mas viemos para Brasília com os nossos filhos, que vão criando identidade com a cidade, formando amigos, e a cidade passa a ter uma intimidade conosco. Duas cidades, como bem disse V. Exª: aquela em que andamos mais e a outra, a da exclusão, da pobreza; a cidade dos belos e maravilhosos projetos arquitetônicos do nosso querido Niemayer convivendo com a pobreza, com o cheira-cola, com a menininha na rua vendendo o corpo por um prato de comida. Parabéns, Senador, pelo pronunciamento. Espero que esta Casa faça o debate, não como se esta área geográfica pudesse ser agora repartida pelas conveniências da política local. Caso isso aconteça, ou não, que o seja por meio do debate tecnicamente qualificado, como traz V. Exª na manhã de hoje. Espero, como solicita e apela V. Exª, que esta Casa possa fazê-lo, diante da complexidade que o tema efetivamente exige. Parabéns a V. Exª.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Agradeço o aparte de V. Exª, que, com clareza, enriquece este debate, que já se inicia com a sua participação.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Ouço o aparte de V. Exª, Senador pelo Amazonas, que tem dado tanta contribuição a esta Casa com a sua visão de Estado e que, por diversas vezes, usa a tribuna para abordar questões de interesse nacional. E não poderia ser diferente agora, uma vez que o tema sobre a criação de um Estado é de importância nacional.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Eurípedes Camargo, antes registro que V. Exª é um dos companheiros de trabalho, um dos colegas mais cordiais que temos aqui na Casa, respeitado e estimado por todos. Este é um depoimento que quero deixar, de minha lavra modesta, no seu discurso. Outro é que, acompanhando atentamente a sua fala, devo dizer que já fui procurado por pessoas que, com a maior seriedade, me apresentaram argumentos contra os seus. Mas os meus argumentos são os seus. Em qualquer momento em que haja votação dessa matéria, meu Partido e eu nos encaminharemos no sentido da manutenção da autonomia política de Brasília. Falam muito em Washington, que inclusive elege prefeitos. Lembramo-nos de bons prefeitos, que até se notabilizaram por escândalos. De qualquer maneira, Washington é uma cidade com autonomia política plena, com eleição direta para prefeito para gerir os seus destinos. Quero também tranqüilizar V. Exª e todos aqueles que esperam o Distrito Federal autônomo, crescente e se desenvolvendo. Está em muito boas mãos essa matéria. O relator é simplesmente um dos nossos mais dignos e talentosos colegas na Casa, o Líder do PFL, Senador José Agripino Maia. Obrigado a V. Exª.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Senador Arthur Virgílio, agradeço a V. Exª o aparte.

Eu gostaria de fazer uma homenagem, neste momento, a Arthur Virgílio, pai de V. Exª. Quando ele era Presidente do INSS, eu era líder comunitário, presidente da Associação dos Incansáveis Moradores da Ceilândia. Na ocasião, tive oportunidade de fazer gestão junto a ele para que fosse atendida uma necessidade daquela cidade em termos de políticas públicas. O INSS era distante e não havia posto ou agência de atendimento na Ceilândia, cuja população carente representava um quarto da população de Brasília. Prontamente fui atendido. A partir daí, estabelecemos uma discussão, e Ceilândia foi contemplada com a criação de uma agência, que, infelizmente, mais tarde, foi transferida. Gostaria de ressaltar a compreensão das questões sociais por seu pai, como Presidente do INSS naquele momento. É o registro que faço de público.

Muito obrigado pelo seu aparte.

Sr. Presidente, encerro meu pronunciamento, incorporando os apartes dos Srs. Senadores.

Muito obrigado a todos. Com certeza, faremos grandes debates sobre esse tema e construiremos uma proposta viável para o Distrito Federal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2003 - Página 33784