Discurso durante a 151ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Polêmica à divulgação de anteprojetos de lei do governo federal que trata da reestruturação das agências reguladoras, propondo a criação das ouvidorias.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Polêmica à divulgação de anteprojetos de lei do governo federal que trata da reestruturação das agências reguladoras, propondo a criação das ouvidorias.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2003 - Página 34221
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, POLEMICA, ANTEPROJETO, GOVERNO FEDERAL, REESTRUTURAÇÃO, AGENCIA, ORGÃO REGULADOR, PREVISÃO, CRIAÇÃO, SETOR, RECEBIMENTO, RECLAMAÇÃO, CONSUMIDOR.
  • REGISTRO, EXISTENCIA, AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL), SETOR, RESPONSAVEL, RECEBIMENTO, RECLAMAÇÃO, CONSUMIDOR.
  • COMENTARIO, RELATORIO, OUVIDOR, AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL), IDENTIFICAÇÃO, PROBLEMA, ORGÃO REGULADOR.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no final do mês de setembro, o Governo divulgou alguns anteprojetos de lei tratando da reestruturação das agências reguladoras. O conteúdo desses documentos gerou grande polêmica, com críticas duras, de um lado, e alguns elogios entusiasmados, de outro. Uma das questões mais discutidas, desde então, foi a da proposta de criação das ouvidorias das agências, consideradas, por uns, uma excrescência; por outros, um pilar necessário da transparência de sua atuação.

Com efeito, se a função das agências é a de fiscalizar a atuação das concessionárias de serviços públicos, sua atuação já é, por sua própria definição, a de cobrar dessas empresas o atendimento pleno ao povo dos serviços que lhes cabem. A função de um ouvidor em uma empresa qualquer é a de ser um fiscal dos fregueses dentro da empresa, cobrando dela a correta prestação de seus serviços. Ora, como se pode entender, então, o papel de um ouvidor dentro de uma agência reguladora, organização que, em princípio, atua pelo público, mas não diretamente para o público?

Ou seja, a pergunta é: o que poderá alguém reclamar a um ouvidor de agência reguladora? Que a dita agência não está cumprindo seu papel? Mas como poderá saber o cidadão comum se uma agência não está agindo corretamente, se ela não presta um serviço direto a ele? Tudo o que o cidadão sabe é que, por exemplo, uma operadora de telefonia não cumpriu um prazo de instalação de linha telefônica, ou que uma distribuidora de energia elétrica exorbitou na cobrança de uma conta. Essas são, de fato, denúncias a serem encaminhadas às respectivas agências, mas não constituem queixas a respeito dos serviços das próprias agências, senão dos serviços das empresas por elas fiscalizadas.

Essa questão, de fundo tão entranhadamente formal, é abordada, com um curioso viés existencialista e inspirada abonação literária e filosófica, pelo ouvidor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Sr. Fernando Antônio Fagundes Reis, em seu relatório semestral publicado em agosto deste ano, que é o segundo de sua gestão. Sim, Srªs e Srs. Senadores, a Anatel já mantém uma ouvidoria antes mesmo de a idéia haver aparecido no anteprojeto do Governo - e a mantém apesar das dúvidas excruciantes sobre seu papel na estrutura do órgão.

Ainda assim, o Sr. Fagundes Reis tece uma série de críticas sobre a atuação da Anatel, que provavelmente são extensivas às outras agências. A primeira observação é no sentido de que as agências se estruturaram de maneira excessivamente voltada para as questões técnicas, deixando de lado a transparência e a opinião do público.

Isto é, faltaria à agência o sentido de sua inserção social. Esse fato estaria mais claramente manifestado na pouca freqüência com que a Anatel realiza consultas e audiências públicas, e no baixo retorno que dá, aos participantes, em informação do que fez quanto às sugestões ou reclamações recebidas nessas ocasiões. A não-ativação dos comitês previstos em seu regimento, quais sejam, o Comitê de Defesa dos Usuários e o Comitê de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, segundo o ouvidor, seria mais um sintoma desse desprezo de sua agência por sua obrigação estatutária de transparência no serviço ao público.

Outra crítica do ouvidor à Anatel refere-se à baixa interação da agência com os órgãos e entidades civis de defesa do consumidor. Durante o segundo trimestre de 2003, por exemplo, a Superintendência de Avaliação manteve contactos com órgãos de defesa do consumidor em apenas 15 das 27 Unidades Federadas, entre as quais Roraima. De maneira geral, à exceção do Piauí, o Nordeste ficou de fora.

Fagundes Reis destaca, ainda, em contraste com a razoável competição conseguida na telefonia de longa distância e na celular, a insuficiência do estímulo à concorrência no campo da telefonia fixa local. Isso é mais um aspecto no qual a Anatel, na visão de seu ouvidor, está a dever ao usuário de telefonia, pois a concorrência é a melhor via para a melhoria da qualidade do atendimento, além de seu papel decisivo na redução das tarifas.

O relatório mostra, a propósito, que grande maioria das queixas dos consumidores referiu-se, no período considerado, à questão das cobranças percebidas como indevidas ou exorbitantes. No Estado do Acre, por exemplo, cem por cento das reclamações foram nesse sentido, e na Bahia, Estado onde ela foi menor entre todas as Unidades Federadas, ainda assim, chegou a 54 por cento, implicando, portanto, que mais da metade das reclamações dos baianos foram também sobre cobrança.

Um levantamento junto ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostra que o setor de telefonia é o segundo em reclamações junto ao órgão, perdendo apenas para o setor dos planos de saúde, cada um representando mais de vinte por cento de todas as queixas dos brasileiros manifestadas ao órgão.

Em sua conclusão, Fagundes Reis apresenta algumas sugestões para a revisão do Regulamento dos Serviços de Telefonia Fixa Comutada (STFC), entre os quais se destacam a necessidade de regras bem elaboradas para a questão da autorização, à autoridade policial, de escutas telefônicas, para a dos procedimentos a serem seguidos nos casos de inadimplemento de assinantes, e para a da atenção individual dos usuários, prejudicada pelo fechamento dos postos de atendimento pessoal. São todos pontos muito importantes para o aperfeiçoamento dos serviços de telefonia no País e para a melhoria da própria regulação.

Se as outras agências não têm, ainda, um serviço de ouvidoria, a experiência da Anatel será muito instrutiva para a próxima institucionalização desse serviço nelas também.

O relatório semestral da ouvidoria da Anatel, assim, é rico em lições para a pretendida mudança nos regulamentos das agências, a partir da iniciativa do Poder Executivo em elaborar os anteprojetos de lei, a serem enviados oportunamente ao Congresso Nacional. Nós precisamos, igualmente, entender essas lições, ao fazermos nossa análise desses projetos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2003 - Página 34221