Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários ao artigo intitulado "Sobre décadas e heranças", de autoria do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, publicada no jornal O Estado de S.Paulo, edição de ontem.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Comentários ao artigo intitulado "Sobre décadas e heranças", de autoria do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, publicada no jornal O Estado de S.Paulo, edição de ontem.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/2003 - Página 34837
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, BALANÇO, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.)

A CONTINUIDADE DA REFORMA DO ESTADO É NECESSÁRIA PARA O CRESCIMENTO DO PAÍS, DIZ FHC

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com uma riqueza de dados estatísticos, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso escreve, na edição de ontem de O Estado de S.Paulo, simultaneamente com o mesmo artigo em espanhol no El Clarin, de Buenos Aires.

Lembra o ex-Presidente que parte da chamada fracassomania, a expressão usada por Albert Hirschman, é devida à dinâmica do mundo. E, a propósito, faz um balanço da economia brasileira antes algumas crises internacionais, a começar pela do México, em 1997, para chegar à da Argentina, em 2001.

Fernando Henrique sugere, como fórmula para o País seguir avançando - “que está à disposição dos governos sérios - a continuidade da reforma do Estado, não para diminuí-lo, mas para torná-lo mais apto. É preciso melhorar a gestão pública e entregá-la a profissionais competentes”.

Pela oportunidade do tema, leio o artigo do ex-Presidente, para que, assim, passe a constar dos Anais do Senado da República:

Sobre décadas e heranças

Nos últimos decênios uma onda de pessimismo colocou névoa nos olhares brasileiros,com poucas exceções. E não só brasileiros, mas também latino-americanos.Eu tachei essa atitude de“fracassomania”,copiando a expressão de Albert Hirschman. Razões para pessimismo bem que existem. Possivelmente, mais ligadas à dinâmica do mundo do que à dinâmica interna dos principais países da região. Enquanto exerci a Presidência, se algo deixou um certo travo e muita dúvida foram as restrições impostas por crises financeiras: em 1994/95, a do México; em 1997, a da Ásia; em 1998, a da Rússia, que quase nos levou de roldão, no início de 1999; em 2001, a da Argentina e a das bolsas norte-americanas, agravada esta pelos atentados de 11 de setembro. E mais, ao longo de todo o período, o Japão continuou a bater recordes de inércia e a Europa, com a Alemanha à frente, a perder élan econômico. Ainda assim, alguns países latino-americanos conseguiram, se não grandes resultados em termos de crescimento, pelo menos não se desorganizar sob o impacto de tantos choques externos (e ainda assim crescer). Entre eles, Chile, México e Brasil.

Mas o que mais surpreende no caso brasileiro - e não é diferente para os outros dois países citados, especialmente o Chile - é a melhoria nas condições de vida da população, incluídas as camadas de baixa renda. Apesar da catilinária fracassomaníaca - ou politicamente interessada - sobre as “décadas perdidas” ou sobre heranças supostamente “malditas”- quase todas aceitas e levadas adiante -, os anos 90 foram de avanços sociais no Brasil e em outros países da América Latina (AL).

A recente publicação pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) da síntese de indicadores sobre as condições sociais da população entre 1992 e 2002 deveria permitir que se abrissem os olhos para esse fato. Não para exaltá-lo e dizer que tudo está bem, mas para ver que a situação está melhorando e que os caminhos que percorremos estão certos.

Um pessimista irredutível dirá: “Mas ainda falta muito para chegarmos à situação das sociedades desenvolvidas e talvez a distância entre nós e elas esteja aumentando.”

É verdade. Mas a fórmula para continuar melhorando está à disposição dos governos sérios. É preciso continuar reformando o Estado, não para diminuí-lo, mas para torná-lo mais apto. É preciso melhorar a gestão pública e entregá-la a profissionais competentes. É preciso focalizar as políticas sociais para que atinjam os mais pobres. É preciso dar continuidade aos programas sociais, avaliá-los mais, torná-los mais transparentes, mas não cair no salvacionismo da fórmula cínica e milagrosa, e assim por diante. E é preciso, sobretudo, aceitar que a estabilização da economia e a responsabilidade fiscal - juntamente com o crescimento do PIB - são os pilares do combate à pobreza e da construção da futura “sociedade do conhecimento”. Não preciso insistir nos números recém-publicados. Mas vale destacar alguns exemplos. O acesso à água passou de 73,6% em 1992 para 82% dos domicílios em 2002. No mesmo período, o esgotamento sanitário expandiu- se de 56,7% para 68,1% das casas. O serviço de coleta de lixo ampliou-se de 66,6% para 84,8% dos domicílios.

Juntamente com a melhoria dessa infra-estrutura, a criação e o fortalecimento de programas específicos do Ministério da Saúde, como os de “médico da família”e “agentes comunitários de saúde”, resultaram na redução da mortalidade infantil de 44 mortes para menos de 28 mortes por mil nascimentos, segundo dados de outras fontes para o mesmo período. Que a população começava a ter acesso mais amplo aos bens de consumo de massa já se sabia. O IBGE reafirma: de 1992 a 2002, o número de lares com geladeiras saltou de 71,5% para 86,7%; com máquinas de lavar roupa, de 24,1% para 34%; com TVs, de 74% para quase 90%. Apenas o número de rádios teve pequeno acréscimo porque já estava muito difundida a presença desses aparelhos.

O que se sabia com menos clareza era o quanto o nível educacional e o acesso aos meios modernos de comunicação e conhecimento haviam aumentado. Os telefones, presentes em 19% das casas em 1992, existiam em 61,6% delas em 2002! É o primeiro passo para uma expansão ainda maior do acesso à Internet. De um ano para o outro, de 2001 para 2002, os únicos para os quais há dados disponíveis, as residências que dispunham de microcomputador passaram de 12,6% para 14,2%, dos quais 10,3% ligados à Internet.

No caso da educação, o avanço foi notável. A proporção de crianças entre 7 e 14 anos que não freqüentavam escolas caiu de 13,4% para 3,1%, e houve queda expressiva em todos os demais grupos de idade considerados.

É de notar o aumento da escolaridade das mulheres, dos mais pobres e dos negros. A taxa de analfabetismo caiu de 16,4% para 11,5%, em dez anos, e não voltará a crescer porque agora as crianças estão freqüentando as escolas.

Por fim, até mesmo a renda parece ter-se desconcentrado, apesar dos pesares de injustiças seculares. Li inúmeras matérias noticiando os avanços sociais, mas... a concentração de renda, diziam, ficou intocada. E lá vem o coeficiente de Gini a jogar-nos no outro lado da costa atlântica. Sem entrar em pormenores sobre os cuidados necessários para analisar esse indicador que mede a distância relativa entre os mais ricos e os mais pobres, sugiro olhar a situação antes e depois do Plano Real.

No período considerado, o ano de maior concentração de renda foi 1993. Se o tomarmos como referência, vamos verificar que os 10% mais pobres melhoraram sua renda em 44% e os 10% mais ricos em 9%, entre1991 e 2002. Os que mais ganharam, em termos relativos, foram os que estão hoje um pouco acima dos 10% mais pobres. De fato, considerados os 20% mais pobres, o aumento da renda foi de 48%. Os únicos que perderam, de novo em termos relativos, são os que estão entre o 1% de maior rendimento, que perdeu 3% de sua renda. Teria sido esse conjunto de avanços fruto de uma política “neoliberal” ou da ação coerente de governo, buscando melhorar progressivamente o nível de vida da população, apesar das dificuldades econômicas?

Se algo claudicou, foi o mercado, e não o Estado, que, apesar dos pesares, produziu resultados palpáveis. Longe do ideal, mas também longe da percepção de um fracasso continuado.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/2003 - Página 34837