Discurso durante a 164ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Congratulações à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pela decisão de mudar as mensagens e imagens a serem impressas nos maços de cigarros.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Congratulações à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pela decisão de mudar as mensagens e imagens a serem impressas nos maços de cigarros.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2003 - Página 37538
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • GRAVIDADE, DOENÇA, VINCULAÇÃO, TABAGISMO, SAUDE PUBLICA, COMENTARIO, EVOLUÇÃO, PROVIDENCIA, CONTROLE, PROBLEMA, PROIBIÇÃO, PUBLICIDADE, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, COMBATE, LOBBY, INDUSTRIA, CIGARRO.
  • SAUDAÇÃO, DECISÃO, AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (ANVISA), RENOVAÇÃO, MENSAGEM (MSG), IMAGEM VISUAL, IMPRESSÃO, EMBALAGEM, CIGARRO, OBJETIVO, REFORÇO, CAMPANHA, OPOSIÇÃO, TABAGISMO, ELOGIO, ATUAÇÃO, FISCALIZAÇÃO.
  • DEFESA, AUMENTO, LIMITAÇÃO, LIBERDADE, USUARIO, CIGARRO, RESTRIÇÃO, LOCAL, PROTEÇÃO, POPULAÇÃO, AUSENCIA, VICIO.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tabagismo está comprovadamente associado à incidência de diversos tipos de câncer e de outras moléstias degenerativas, como os distúrbios cardiovasculares e as disfunções pulmonares e respiratórias. Nas mulheres, está associado ainda a problemas gestacionais. Dados do Ministério da Saúde revelam que, a cada ano, cerca de duzentos mil brasileiros morrem em conseqüência de males causados pelo hábito de fumar. Estatísticas semelhantes de outros países mostram que o tabagismo é, para quem trabalha na área da saúde pública, uma verdadeira epidemia.

A consciência dos malefícios do fumo começou a se formar, a princípio lentamente, na segunda metade do século passado. Até os anos cinqüenta, por exemplo, os grandes galãs e as divas hollywoodianas tinham suas imagens de sensualidade e sofisticação fortemente ligadas, no material iconográfico em geral, como fotografias e filmes, ao cigarro, sempre cuidadosamente a pender no canto dos lábios ou segurado provocadoramente entre dois dedos de uma das mãos em pose estudada.

Hoje, por contraste, até mesmo os atores e atrizes que -- por acaso ou desgraça -- sejam fumantes, tendem a evitar serem fotografados com exposição de seu vício. Nos filmes leves, nas comédias românticas norte-americanas mais recentes, nenhuma personagem fuma, ao contrário do que acontecia há apenas quarenta, cinqüenta anos.

Desde os anos sessenta, as autoridades sanitárias estadunidenses, e as de outros países desenvolvidos, começaram a se preocupar com o problema. Ações de combate ao tabagismo foram encetadas a partir de então, dirigidas segundo quatro diretrizes principais. Primeiro, a divulgação de dados epidemiológicos, cada vez mais eloqüentes e irrefutáveis, em campanhas intensas de esclarecimento à população. Segundo, a imposição de restrições mais e mais severas à publicidade dos produtos derivados do tabaco, de modo a restringir o estímulo ao consumo. Terceiro, a imposição da obrigatoriedade da inscrição, sobre as embalagens desses produtos, de advertências quanto aos perigos a que se expõem seus usuários. Quarto, restrições à liberdade dos próprios fumantes, pela proibição do cigarro em determinados ambientes.

Muito tardiamente o Brasil veio a tomar o mesmo rumo, e assim mesmo somente após superar a resistência dos lobbies da indústria tabageira, cuja força, inclusive neste Congresso Nacional, tem se mostrado titânica. Felizmente, conseguimos aprovar a vedação total da publicidade de cigarros nos meios de comunicação de massa -- televisão, rádio, órgãos de imprensa --, restringindo sua exibição a pequenos cartazes nos postos de venda.

Até há algum tempo, quem assistia à televisão, por exemplo, era martelado insistentemente por anúncios que associavam o costume de fumar ao sucesso nos negócios ou nos esportes de ponta os mais exóticos, a uma vida plena de realização no campo amoroso ou a uma atitude charmosa de não-conformismo, a depender do perfil de personalidade visado pelos nossos gênios da publicidade. Tudo isso era instilado, em doses nada homeopáticas, nas crianças e nos jovens, segmentos vulneráveis, por natureza, à sedução desses apelos. Ainda bem que agora nossas crianças e adolescentes se encontram livres desses filmes acintosos.

Também de algum tempo para cá, os fabricantes de cigarros de nosso País estão obrigados a estampar, nas embalagens de seus produtos, mensagens de advertência sobre as conseqüências potenciais do uso do cigarro, acompanhadas de imagens fortes ilustrando essas conseqüências.

Diz um provérbio, Sr. Presidente, que uma imagem vale por mil palavras. Quando pensamos no número de brasileiros que não sabem ler, ou que são os chamados analfabetos funcionais, tendemos a concordar ainda mais com esse preceito da sabedoria popular. Acresce a isso o fato de que, cada vez mais, as pessoas pertencentes às camadas de maior renda e mais alto nível de instrução, exatamente por serem as mais bem informadas, estão deixando de fumar.

Com efeito, no mundo todo, o tabagismo está se tornando, em geral, um hábito dos pobres, tanto dentro de cada país como em nível internacional: habitantes de países pobres fumam mais. E os fabricantes de cigarros sabem muito bem disso e dirigem suas verbas publicitárias para a periferia miserável do mundo. O tabagismo, assim, além de ser uma tragédia sanitária, vai-se tornando também uma chaga social.

Uma imagem, como eu dizia, pode valer por mil palavras. Porém, de tantas vezes vistas e repetidas, as imagens, tanto quanto as advertências escritas, vão perdendo sua força, seu impacto, caindo na rotina, na mesmice do usuário da droga, do mesmo modo que nos vamos tornando insensíveis à miséria que nos rodeia, às crianças que vemos nas ruas, nós, detentores da cidadania plena, que passamos em nossos automóveis.

Por isso, quero saudar a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de mudar as mensagens e as imagens a serem impressas nos maços de cigarros por novas estampas padronizadas, acompanhadas das respectivas advertências escritas. Novas imagens e advertências mais impactantes e, eu diria, chocantes.

É preciso que seja assim. Embora as vendas de cigarros venham caindo no País, reduzindo os lucros das empresas do ramo, cujas ações vêm perdendo valor na bolsa de valores, muitos jovens ainda aderem ao tabagismo todos os dias, persuadidos por colegas ou iludidos com as promessas de status e de aquisição da aparência de adultos. É preciso, sempre mais e mais, procurar evitar o acesso dos jovens a esses produtos. E a proibição de sua venda a menores de dezoito anos é uma medida salutar nesse sentido.

Deve-se, ainda, saudar a Anvisa por sua atuação na fiscalização dos atos de promoção desses produtos, feitos pelas empresas tabageiras. Exemplo recente é a advertência dirigida a uma das maiores empresas do setor, por haver, em sua página da Internet, divulgado informes que listam substâncias nutritivas, como sais minerais, presentes em alimentos dos mais saudáveis, que supostamente fariam parte também da composição dos cigarros. Pode até ser que essas substâncias façam parte da fórmula, mas o problema é que esse informe omite a presença de mais de 4 mil e setecentas substâncias tóxicas, muitas das quais comprovadamente cancerígenas, que também estão presentes nos cigarros. Trata-se, em duas palavras, de publicidade enganosa.

Isso para não falarmos da nicotina, que, segundo as pesquisas em toxicodependência, seria uma das substâncias com maior poder de causar dependência.

Aliás, quanto a isso cabe mais um elogio à Anvisa, que proibiu a divulgação dos teores de substâncias como a nicotina e o alcatrão nos cigarros. O fato é que os tão propagandeados “baixos teores” constituem uma falácia. Afinal, se o fumante é um narcodependente da nicotina, sua satisfação somente se dá com a inalação daquela quantidade determinada do narcótico. Se os cigarros têm, individualmente, menor quantidade, o fumante, para se saciar, inevitavelmente fumará mais, e propiciará maior lucro aos fabricantes, que põem no mercado um produto mais caro e que aumenta o consumo. Gente esperta, essa!

As ações oficiais de divulgação dos malefícios do tabagismo, as restrições à publicidade e a imposição, aos fabricantes, da inclusão da contrapropaganda nas embalagens de seus produtos, embora válidas e necessárias, são insuficientes sem uma política de cerceamento da liberdade de fumar.

É preciso impor limites mais estreitos, mais rigorosos ao próprio ato de fumar em lugares públicos, para que seja assegurado a todos os cidadãos o direito a respirar um ar livre da fumaça tóxica e malcheirosa, e livre das substâncias venenosas por ela carreados. Aqui mesmo, neste Senado Federal, com quase todas as suas dependências sem janelas e permanentemente servidas por ar condicionado, seria desejável a afixação, por toda parte, de avisos alertando as pessoas sobre a proibição legal de fumar em recintos fechados.

É preciso constranger o fumante a somente dar vezo a seu mau costume em ambiente privado, ao ar livre ou em espaços especialmente reservados para isso, os fumódromos. Quem quer se intoxicar não pode pretender impor aos outros sua opção de vida -- ou de morte.

A dissuasão ao tabagismo em público deve ser veemente, e não cabem acusações de autoritarismo e de cassação de liberdades. Não estamos propondo a proibição da fabricação ou do uso de produtos do tabaco, até porque a lembrança dos resultados efetivos da chamada “lei seca”, no início do século passado nos Estados Unidos, não permite ilusões. O tráfico de bebidas passou a ser a mais importante atividade comercial naquele país e fez a fama de figuras como Al Capone.

Assim, tenho confiança, Srªs e Srs. Senadores, de que as novas advertências e imagens definidas pela Anvisa para serem estampadas nas embalagens de cigarros haverão de dissuadir milhares de jovens, nos próximos anos, de seguir o canto de sereia do tabagismo. Penso que o combate ao fumo deve ser considerado como questão de saúde pública, e o cigarro entendido como um inimigo público tão detestável quanto, para citar um exemplo, o mosquito do dengue.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2003 - Página 37538