Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários às matérias intituladas "A turnê de Lula pelas ditaduras", "Diplomacia da rapadura" publicadas na Revista Veja, edição de 17 de dezembro de 2003.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Comentários às matérias intituladas "A turnê de Lula pelas ditaduras", "Diplomacia da rapadura" publicadas na Revista Veja, edição de 17 de dezembro de 2003.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2003 - Página 41342
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, POLITICA EXTERNA, BRASIL, DENUNCIA, FAVORECIMENTO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CONTRATO, PAISES ARABES.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) -

A TURNÊ DE LULA PELAS DITADURAS

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no futuro, quando o historiador se dispuser a analisar em profundidade o Governo petista do Presidente Lula, muita coisa poderá sem dúvida ser encontrada nos Anais do Senado da República.

É com esse objetivo que, hoje, leio, para que conste dos nossos Anais, a excelente reportagem publicada pela revista Veja, edição de 17 de dezembro de 2003. É uma boa análise da viagem de Lula ao Oriente, com este título: A turnê de Lula pelas ditaduras.

Segundo a revista, “Duas coisas o Governo Lula tem de ruim. A primeira é sua política social, que até hoje não se viu no que consiste. A outra é a diplomacia: “a ação política de Lula no campo externo é apenas insignificante, quando não grotesca.”

É o seguinte o texto da reportagem de Veja:

Presidência

A turnê de Lula

pelas ditaduras

A viagem do presidente não traz ganho

comercial e o prejuízo político só não é maior

pela irrelevância do Brasil nas questões que

realmente importam no mundo árabe

Eurípedes Alcântara Duas coisas o governo Lula tem de ruim. A primeira é sua política social, que até hoje não se viu em que consiste. A outra é a diplomacia, que já deu perfeitamente para ver do que é feita. No campo da política externa, o governo brasileiro tem a pretensão grandiloqüente de alterar a "geografia" do poder e do comércio internacional. Na vida real, a ação política de Brasília no setor externo é apenas insignificante, quando não grotesca. A turnê do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos países árabes na semana passada teve ambas as características. Lula foi às Arábias tentar obter a simpatia dos turbantes para a formação de um clube de países do Terceiro Mundo que possa pressionar as nações ricas nas disputas pelo comércio e pelo poder no mundo. No círculo dos países poderosos, que os assessores diplomáticos de Lula querem enfrentar com seu bloco terceiro-mundista, a repercussão da viagem dos brasileiros foi nula. Nos países árabes, a visita criou oportunidades das mil e uma noites para festas de arromba, com danças ritualísticas, aspergimento de essências aromáticas e até uma conferência realizada dentro de uma tenda beduína. Mas nada disso teve reflexo positivo algum para a economia ou para a imagem brasileira no exterior.

Ao contrário, fica-se sem entender por que razão os sábios da diplomacia brasileira arrastaram o presidente da República a uma excursão exótica por países governados por ditadores. Um deles é o espalhafatoso coronel Muamar Kadafi, ditador perpétuo da Líbia, que durante trinta anos financiou o terrorismo internacional. Num palco que reunia representantes das nações da região, a Liga dos Países Árabes, Lula pareceu esquecer-se de onde estava e falou em democracia, sob o pretexto de criticar os países ricos que seriam, em sua análise, antidemocráticos na distribuição de poder dentro do Conselho de Segurança da ONU. Democracia é um conceito que engatinha nas partes mais arejadas do mundo árabe. Na Líbia e na Síria, democracia é uma reivindicação que dá cadeia. Entre os países visitados por Lula e comitiva, só o Líbano vive sob um regime que pode ser considerado representativo, mesmo que vigiado por tropas sírias atentas em garantir que a democracia não atrapalhe os interesses de Damasco no país.

Os caminhos atuais da diplomacia brasileira são definidos por um grupo que, no passado, foi batizado de "turma dos barbudinhos". A definição foi obra do embaixador dos Estados Unidos no Brasil Anthony Motley, que serviu em Brasília entre 1981 e 1983. A "turma dos barbudinhos" era composta de diplomatas nacionalistas. A intenção de Motley era pejorativa. O economista Roberto Campos, morto há dois anos, grande adversário dos "barbudinhos", tinha intenção mais aguda ainda ao dizer que eles formavam um grupo de burocratas sem senso crítico, "um caso perdido de incompetência treinada". O grupo teve grande projeção durante o regime militar, particularmente no governo de Ernesto Geisel (1974-1979). Está novamente em ascensão na diplomacia brasileira com o apoio do assessor de política externa de Lula, Marco Aurélio Garcia. Seus integrantes não são petistas nem esquerdistas de origem. "Eles são competentes, mas soam um tanto infantis no discurso antiamericano pois sabem que na prática nada podem fazer", diz Paulo Tarso Flecha de Lima, que foi chanceler e embaixador do Brasil em Londres e Washington. Hoje, os representantes do grupo nacionalista ocupam postos-chave no Itamaraty, a começar pelo próprio chanceler Celso Amorim, cuja carreira diplomática tem quase quatro décadas. No governo do general João Figueiredo, Amorim foi diretor-geral da Embrafilme, uma estatal cujo objetivo era obrigar por lei os brasileiros a pagar a produção de filmes nacionais e, depois, obrigá-los também por lei a assistir a eles. O grupo se define como defensor da PEI - política externa independente. Independente, é claro, dos Estados Unidos - mesmo que, no intervalo, se possam perfeitamente fazer declarações deslumbradas em benefício de ditadores como Kadafi e o sírio Bashar Assad. O último do grupo a ascender na carreira foi o embaixador Roberto Abdenur, escalado para assumir o posto de embaixador do Brasil em Washington no ano que vem. Amigo do chanceler Amorim, Abdenur, além da barba, tem outras afinidades com o chefe. No governo de Itamar Franco (1992-1994), Roberto Abdenur foi secretário-geral de Celso Amorim, que ocupou o posto de chanceler. Quando dava as cartas na política externa no período militar, esse grupo tentou aproximar o Brasil da África e aderiu ao bloco dos países "não-alinhados", cuja ação era sempre muito alinhada quando se tratava de condenar os Estados Unidos e fazer vista grossa aos desmandos da extinta União Soviética.

Na semana passada, o Brasil sediou um encontro de dois dias com peso diplomático específico muito maior do que a alegre excursão de Lula pelas Arábias. Representantes de dezoito países, que integram o GX, desembarcaram em Brasília para participar de seis reuniões de trabalho e se encontraram com o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Supachai Panitchpakdi, e com o comissário de Comércio da União Européia, Pascal Lamy. Formado por países em desenvolvimento, o grupo foi criado nas vésperas da última reunião da OMC no balneário mexicano de Cancún, há três meses, tendo, na época, dezesseis integrantes. Chegou a ter 22 membros ainda durante o encontro no México e, na semana passada, contava com dezenove países - daí o apelido, GX, que se deve à permanente dança dos números. Seu principal objetivo é arrancar dos Estados Unidos e da União Européia um acordo global de comércio que leve em conta os interesses dos países em desenvolvimento. Como as nações ricas fizeram ouvidos de mercador, a reunião de Cancún redundou num fracasso estrondoso. O encontro em Brasília tentou achar uma solução para o impasse. Sua simples realização atesta que aos países ricos também não interessa um impasse nas discussões sobre o livre-comércio.

Nas últimas três décadas, o mundo mudou substancialmente. No plano econômico, acelerou-se o processo de globalização. No plano político, acabaram-se a Guerra Fria, o Muro de Berlim e a bipolaridade ideológica, que repartia os países entre pró-americanos e pró-soviéticos. Tudo mudou, mas a política externa brasileira continua refletindo o passado. Lula foi a Cuba, à África e agora excursionou pelo paraíso das ditaduras árabes. Os resultados econômicos dessas viagens são diminutos. O prejuízo político só não é maior pela irrelevância das posições brasileiras a respeito do andamento das questões significativas para o mundo naquela região - o combate ao terrorismo e a modernização institucional. Em Genebra, onde estava na semana passada a serviço da ONU, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse simplesmente que a viagem de Lula era "muito mais uma questão de barulho do que de política externa. Celso Lafer, que foi chanceler de FHC, estendeu-se mais sobre o significado da excursão às Arábias. "Se o governo Lula transpuser para a política externa sua visão sindicalista de operário versus patrão, acho que há o risco de complicar a vida", disse. "O cenário internacional é um pouco mais complexo, mais diversificado e mais pluralista que isso." Lafer criticou o excesso de peso internacional que a diplomacia brasileira vem se atribuindo. Conclui: "Em política externa não podemos subestimar mas também não podemos superestimar o que você significa para os outros países. Temos influência e respeitabilidade. Para exercê-las, é preciso ter medida e não pretensão".

(Com reportagem de Policarpo Junior e Alexandre Oltramari)

Sr. Presidente, desejo ainda falar sobre

A DIPLOMACIA DA RAPADURA NA VISÃO DE DIOGO MAINARDI

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a continuar nesse rojão, a impressão que o Governo Lula passa é que o País em breve será uma grande sociedade anônima nas mãos de petistas, o Brasil PT S.A. Pelo menos é o que se deduz das denúncias que se vão acumulando contra atos praticados pelo Planalto.

Esta semana, na revista Veja, mais uma dessas denúncias.

Este Governo que aí está nada faz para cumprir o que prometeu com grande alarde. Nada faz para implantar sua promessa de atendimento social. Nada faz para criar os decantados 10 milhões de empregos.

Mas viaja p’rá burro e vai jogando o futuro do Brasil para o caminho com que ninguém sonha, aquele do velho refrão que qualifica as coisas erradas como sinal que pode nos levar a dar com os burros n'água.

Como diz o jornalista Diogo Mainardi, da revista Veja, que esta semana (edição de 17 de dezembro de 2003) faz séria denúncia de favorecimento público, com dinheiro do BNDES, para que grupos de empresários petistas venham a construir uma usina de açúcar na Síria. “Para vender rapadura aos árabes”, salienta o jornalista.

Estou requerendo ao Ministro do Desenvolvimento e Comércio Exterior informações a respeito da denúncia. Enfatizei aqui, na sexta-feira passada, que a oposição, cumprindo seu dever, será implacável na fiscalização dos atos do Governo.

As explicações requeridas baseiam-se em fato concreto, que é a denúncia de uma das mais importantes revistas brasileiras.

Além disso, leio a matéria de Diogo Mainardi, para que, integrando este pronunciamento, passe a constar dos Anais do Senado da República. É o seguinte o texto:

Diogo Mainardi

Diplomacia da rapadura

"O Brasil não precisa de política externa,

precisa só de preços baixos. Deveríamos

transformar nossas embaixadas em frigoríficos

para frango congelado e suco de laranja"

Vamos vender rapadura aos árabes. Foi o saldo da viagem de Lula ao Oriente Médio. O contrato para o fornecimento de rapadura depende da construção de uma refinaria de açúcar na Síria, por parte de usineiros de Ribeirão Preto. Não entendi se o empreendimento irá contar com dinheiro do BNDES. Entendi apenas que o Brasil não receberá investimentos dos árabes, serão os árabes a receber investimentos dos brasileiros. Para um mascate internacional, como Lula definiu a si mesmo, o resultado não é muito animador: 150 milhões de dólares aplicados num país que está na bica de sofrer um boicote econômico.

Os usineiros de Ribeirão Preto que irão construir a refinaria na Síria são antigos aliados do PT. Eles financiaram as campanhas eleitorais de Antonio Palocci. O prefeito petista de Piracicaba, José Machado, também foi financiado por usineiros da região. José Machado era sócio do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel numa empresa de consultoria que intermediava licitações em prefeituras do PT. Outros sócios da empresa eram Miriam Belchior, atual secretária de Lula, e Sérgio Gomes, suspeito de ser o mandante do assassinato de Celso Daniel. Luiz Gu-shiken também tinha uma empresa de consultoria, contratada pelo PT para traçar o projeto da reforma da Previdência. Quando virou ministro, Gushiken tratou de nomear os diretores dos fundos de pensão das estatais. O setor, um dos mais ricos da economia, está inteiramente nas mãos dele. Os petistas podem não saber cuidar dos interesses da nação, mas sem dúvida sabem cuidar de seus próprios interesses.

Tudo indica que Lula pretende inserir o Brasil no falido movimento dos países não-alinhados. Ele repete sem parar os bordões do movimento sobre o multilateralismo e a cooperação Sul-Sul. Os cinco países árabes que ele visitou são não-alinhados, assim como Bolívia, Peru e Venezuela, que receberam dinheiro público brasileiro ao longo do ano. O maior engano do PT é acreditar que mais peso político significa mais poder de barganha no comércio internacional. O Brasil não precisa de política externa, precisa só de preços baixos. Deveríamos transformar nossas embaixadas em frigoríficos para frango congelado e suco de laranja. Deveríamos também abrir mão da cadeira no Conselho de Segurança na ONU, e ficar em silêncio por algum tempo. Iraque? Israel? Palestina? Cuba? Colômbia? Problema deles. Não temos nada a ver com isso. Os brasileiros, sempre que deparam com um mendigo, viram a cara e fingem que não estão vendo. É o jeito certo de agir diante dos grandes conflitos mundiais.

Na semana passada falei sobre a dificuldade de encontrar escola para meu filho deficiente. Recebi montes de cartas. Fui parado na rua. Me telefonaram. Muitos pais sofreram a mesma discriminação. O Brasil está cheio de gente boçal. Mas também está cheio de gente dedicada e corajosa, que se mexe, que protesta, que acolhe. Relataram-me uma infinidade de experiências bem-sucedidas em escolas espalhadas pelo país, de Maringá a Maceió. Foi bom saber. Não somos um caso perdido. “


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2003 - Página 41342