Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a reestruturação do setor elétrico brasileiro, contida nas Medidas Provisórias 144 e 145, de 2003. (como Líder)

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Considerações sobre a reestruturação do setor elétrico brasileiro, contida nas Medidas Provisórias 144 e 145, de 2003. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 12/02/2004 - Página 3916
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DISCUSSÃO, SENADO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, OBJETIVO, MELHORIA, PREÇO, TARIFAS, QUALIDADE, SERVIÇO, AMPLIAÇÃO, OFERTA, ACESSO, UTILIZAÇÃO, ELETRICIDADE, CONTENÇÃO, FORMAÇÃO, MONOPOLIO, CRIAÇÃO, EMPRESA, PLANEJAMENTO, APROVEITAMENTO HIDROELETRICO, RECURSOS HIDRICOS, PAIS.
  • NECESSIDADE, ORGANIZAÇÃO, RESTABELECIMENTO, CONTROLE, ESTADO, AREA ESTRATEGICA, DESENVOLVIMENTO, PAIS, DISCIPLINAMENTO, SETOR, ENERGIA ELETRICA.
  • QUESTIONAMENTO, INEFICACIA, MODELO, ADMINISTRAÇÃO, ENERGIA ELETRICA, GOVERNO FEDERAL, ANTERIORIDADE, AUSENCIA, ORGANIZAÇÃO, PROVOCAÇÃO, CRISE, RACIONAMENTO, FORNECIMENTO, ELETRICIDADE, ATRASO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, NOCIVIDADE, RESULTADO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, CRITICA, EMPRESA PRIVADA, CONCESSIONARIA, AUSENCIA, INVESTIMENTO, AUMENTO, PREÇO, TARIFAS, ELETRICIDADE, OMISSÃO, RESPONSABILIDADE, ORGÃO REGULADOR, ORGÃO FISCALIZADOR, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL).

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na próxima terça-feira, certamente, já estaremos em condições de discutir em pormenores e chegarmos a uma definição sobre as Medidas Provisórias nºs 144 e 145, que tratam das modificações na legislação do setor elétrico, estabelecendo um novo modelo a ser empreendido no Brasil, para restabelecer não apenas o controle do Estado sobre setor tão importante, estratégico e crítico para a sociedade brasileira, como também criar condições para que as distorções do sistema anterior sejam totalmente afastadas, em nome de uma sociedade justa, democrática, equilibrada, onde todos se beneficiem do fruto da nossa riqueza.

Sabemos, Sr. Presidente, que a energia elétrica é fundamental - é lugar comum dizer isso - para o desenvolvimento de qualquer país. Um setor elétrico organizado leva um país aos saltos no espaço do desenvolvimento internacional. Vimos o que aconteceu no ano de 2001, quando, em decorrência de equívocos cometidos pela administração passada, ocorreu o famoso “apagão”, o racionamento de energia elétrica, desequilibrando totalmente o avanço desenvolvimentista que poderia haver em nosso País, da ordem de 3%.

Essa perda no nosso progresso, no nosso crescimento, levará anos para ser restaurada, para ser restabelecida. Esse transtorno foi causado pela desorganização do setor elétrico, que não investiu e, antes de investir, procurou apenas aumentar as tarifas.

Aliás, Sr. Presidente, quando das privatizações ocorridas em todo o Brasil, quais os compromissos assumidos pelo Governo anterior, do Presidente Fernando Henrique Cardoso? Citarei os principais: com as privatizações, haveria a retomada do desenvolvimento, o livre mercado e, por meio da competição entre as empresas, isso facilitaria de forma preponderante a queda das tarifas ao consumidor brasileiro.

Por outro lado, houve outro compromisso de que, com as privatizações das nossas distribuidoras, fatalmente a empresa privada detentora da concessão iria ser responsável pelo surgimento de novos investimentos no setor elétrico. Nada disso aconteceu, nem as tarifas foram reduzidas, porque elas aumentaram, até o ano de 2002, cerca de 40%, e não se houve falar de investimentos vultosos da iniciativa privada, tão beneficiada naquelas privatizações do setor elétrico. Das 53 usinas termoelétricas previstas, apenas nove entraram em funcionamento.

Portanto, Sr. Presidente, crescer economicamente ou atender à demanda de energia elétrica para a população implica ampliar oferta de energia e baixar o seu preço. As termoelétricas privadas não resolvem essa questão; além de caras, são insuficientes para prover as nossas necessidades. Nem muito menos a regulação desse setor por intermédio do mercado. Por essa via, chegamos ao racionamento, como falei. Daí ser necessário ampliar a capacidade de planejamento energético do Estado, capacidade esta que é restaurada por meio das medidas provisórias.

A privatização e o redesenho fatiado do sistema elétrico em geração, transmissão e distribuição terminaram por desarticular o antigo sistema integrado de geração e distribuição de energia, criando mais problemas para a regulamentação de um setor, já por si, difícil de regular.

Privatizaram quase todas as distribuidoras e criaram um órgão regulador, a Aneel, antes de estabelecerem a lei de regulamentação da atividade. Deixaram sem solução problemas fundamentais do seu modelo privatista, como a relação que se estabelecia entre o preço da chamada energia velha, de origem hidráulica e de investimento amortizado, com o da energia nova, de investimento novo ou de origem térmica, como também o problema do preço do gás natural importado, sujeito à variação de preço por meio do dólar, muito instável a partir da flutuação cambial. Essas duas variáveis estratégicas permaneceram sem solução definitiva e eficiente. Não respeitaram a característica singular do nosso sistema elétrico, que é o fato de 90% da energia ser de origem hidráulica.

Para piorar, esse modelo pretendia criar um mercado inteiramente livre para as contratações de fornecimento de energia, não só para os consumidores livres, os grandes consumidores, como também para as distribuidoras venderem aos seus consumidores cativos, como a população comum e o comércio. Sem a adequada e prudente regulamentação e com a Aneel se omitindo na fiscalização, o resultado foi uma enorme confusão no mercado de contratos negociados no mercado atacadista de energia até a sua virtual paralisação.

Por fim, retiraram completamente a responsabilidade do Estado em garantir a estabilidade, continuidade e expansão da geração e transmissão de energia, confiando cegamente em que os investimentos privados, deixados em liberdade, seriam capazes de garantir energia barata e suficiente à nossa economia e aos consumidores domésticos. Por outro lado, a Aneel, a princípio, uma agência fiscalizadora, passou a concentrar também o poder regulador, usurpando do poder político, do Poder Legislativo, do próprio Executivo sua responsabilidade regulatória. A Agência passou a ser o órgão regulamentador, fiscalizador e ainda o representante do poder concedente.

O resultado não poderia ter sido mais desastroso. Deixado ao sabor do mercado e com graves problemas de regulação pendentes, o sistema elétrico desarticulou-se: virou palco de especulação e de ganhos fáceis. Os investimentos em geração e transmissão não aconteceram. As tarifas domésticas subiram, e a energia faltou. Pagamos por essa irresponsabilidade do Governo FHC com o “Apagão” de 2002, com a perda da confiabilidade no sistema, com o aumento do custo energético e com uma restrição de longo prazo na capacidade de se gerar energia suficiente para dar sustentação a um crescimento mais vigoroso da economia nacional.

Para consertar emergencialmente a crise de abastecimento, o “Ministério do Apagão” só conseguiu gerar novas regras onerando o consumidor com os novos encargos para financiar o risco de colapso do sistema criado pela política de privatização do Governo Fernando Henrique Cardoso. 

Sr. Presidente, esse foi o problema regulatório herdado e que o Governo Lula, com essa medida provisória, pretende começar a solucionar. O princípio geral que obedece à introdução da nova regulamentação é garantir a confiabilidade e a expansão do fornecimento de energia elétrica, mas sem fazer mudanças bruscas que afetem a necessária estabilidade jurídica. Vale dizer que os contratos assinados terão validade e serão respeitados. Infelizmente, uma parte dos problemas herdados, como a defasagem de investimentos do setor e a conseqüente existência do seguro-apagão, só poderá ser corrigida a longo prazo.

Em resumo, o desafio do Governo é mudar o marco regulatório do setor elétrico sem afetar os contratos existentes, ao tempo em que tem de conviver por alguns anos com parte dos problemas herdados do modelo passado.

São quatro os princípios da nova regulamentação previstos, Sr. Presidente, e incluídos nessas medidas provisórias. O primeiro, o Princípio da Modicidade Tarifária. Ele é atendido com a estruturação do planejamento e uma maior transparência nas regras de atuação das empresas concessionárias de distribuição, inclusive com a obrigatoriedade de licitação pelo critério de menor tarifa em toda a contratação regulada da energia, visando ao atendimento dos consumidores cativos.

Sr. Presidente, no modelo anterior, a venda de energia pela geradora podia ser feita por meio de ágio - ou seja, houve ágio até na venda de distribuidoras de energia elétrica, houve ágios de até 3.090%. Será que esse ágio ficava apenas no papel e não era transferido para os consumidores? O ágio foi transferido para os consumidores pagarem essa conta decorrente da irresponsabilidade, da falta de regulamentação pelo Governo anterior.

Outro princípio dá continuidade e qualidade na prestação do serviço. Ele é objeto de várias disposições da medida provisória, destacando-se a obrigatoriedade de contratação por parte dos agentes de consumo de 100% de sua necessidade de energia. A realização de licitações simultâneas para outorga de concessões e para contratação de energia, permitindo que contratos de longo prazo viabilizem a construção de novas usinas e criem melhores condições para a atração dos investimentos, conforme se escreveu na exposição de motivos do Ministério de Minas e Energia.

Há também o princípio da justa remuneração aos investidores. A atenção a esse princípio permite que a nova regulamentação incentive os investidores a expandirem o serviço e a garantirem a sua qualidade. Busca-se cumprir esse princípio, determinando a obrigatoriedade da licitação de contratos de fornecimento de energia de longo prazo entre geradoras e distribuidoras, mas permitindo também que os agentes de geração atuem tanto em ambiente de contratação regulado como no de livre contratação.

Por fim, o princípio da universalização do acesso e do uso do serviço de energia elétrica.

Esse princípio, Sr. Presidente, é uma condição sine qua non para o sucesso do programa Luz para Todos, que é deste Governo. Sabemos que, se existe exclusão na educação, se existe exclusão no campo, na saúde, em vários setores da vida social brasileira, existe exclusão sim, Sr. Presidente, no setor de energia elétrica. São mais de 12 milhões de brasileiros que, de luz, só conhecem a luz do dia, mas não conhecem aquela que é proveniente da energia elétrica.

Eu gostaria de destacar alguns outros pontos positivos, de forma concreta, nessas medidas provisórias. Por exemplo: a desverticalização do setor. O que isso significa? Uma empresa de distribuição de energia elétrica, uma distribuidora, no sistema do Governo Fernando Henrique Cardoso, podia ter uma geradora. Isso implicava, naquela região, a existência de um monopólio dentro do setor privado, podendo a distribuidora, junto com a geradora, já que eram a mesma empresa, estabelecer preços de energia elétrica, tarifas absurdas, como ocorreu, por exemplo, no Estado de Pernambuco. A Chesf podia comprar a energia elétrica a R$56,00, mas preferiu comprar sua própria empresa geradora a mais de R$100,00, transferindo esse ônus para o consumidor pernambucano.

Essa medida provisória vai proibir o que se chamava, antigamente, de verticalização. Ela poderá até ocorrer, pois uma holding poderá ter uma geradora e uma distribuidora de energia, mas elas não se poderão interpenetrar. Para que a geradora possa vender à distribuidora qualquer kilowatt/hora de energia, deverá vencer um leilão de forma transparente e pública, por meio de uma licitação.

Essa distorção virá em benefício de quem? Da sociedade brasileira, do consumidor, do comerciante, sem prejudicar a indústria que, naturalmente, tem o poder, por legislações anteriores, de fazer uma negociação livre com a empresa que fornecer energia elétrica por um preço mais condizente com as suas necessidades.

O último aspecto que vou analisar nessas medidas provisórias é o critério do menor preço. Antes, comprava-se uma determinada usina com ágio “lá em cima”, porque este era fundamental para que o preço da tarifa fosse aumentado. Agora, não. Essa medida provisória, em caso de venda de energia elétrica, não vai permitir o ágio. O que vai prevalecer na concorrência, na licitação ou no leilão, é o menor preço. Este, sim, é um Governo preocupado com o social.

O ágio só é bom para o Ministério da Fazenda, que o recebe para pagar a dívida externa - o dinheiro nem fica no Brasil -, e para a empresa, que vai aumentar a tarifa; mas para o consumidor é uma lástima, é uma tragédia. Isso vai acabar.

Para concluir, Sr. Presidente, já que estamos perto do término do tempo que me é conferido pelo Regimento, o Governo, por meio do Ministério de Minas e Energia, com a iniciativa louvável da Ministra Dilma Rousseff, atendeu a uma pretensão dos cientistas e dos técnicos, dos estudiosos da área do sistema elétrico brasileiro, fazendo uma retomada do planejamento estratégico da energia elétrica no Brasil, por meio de uma empresa que vai juntar todas as regiões potenciais do País e descobrir onde podem ser instaladas usinas de energia elétrica pelo sistema hidráulico, que é o mais barato, já que o Brasil é um País ainda subdesenvolvido. Depois, pegará a licença no Ministério do Meio Ambiente e a entregará à Aneel, para que promova a licitação pública.

Reitero que não será o ágio a prevalecer na nova usina a surgir desse processo, mas o preço que será imposto, futuramente, pelo concessionário para gerar energia elétrica no Brasil.

Portanto, Sr. Presidente, não sei por que motivo essas medidas provisórias estão estancadas desde algum tempo, no Senado Federal, e não se chega a um acordo.

Ontem, por incrível que pareça, participei de uma reunião da Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado Federal, à qual estavam presentes seis representantes das empresas privadas ligadas ao setor energético. Não ouvi de nenhum deles qualquer palavra positiva em relação a essas medidas provisórias. Inclusive, um deles afirmou que o Governo e as estatais tinham privilégios, em detrimento das empresas privadas do ramo de distribuição de energia elétrica. Então, indaguei-lhes: “Para que os senhores querem mais privilégios?”

O BNDES emprestou R$7,5 bilhões às empresas privadas do Brasil para tomarem dos Estados as nossas distribuidoras, sob a promessa de que baixariam as tarifas - mas as aumentaram em 40% -; de que iriam investir no setor elétrico, e não o fizeram. De outra parte, o Governo não tem nenhum privilégio, porque a Chesf do nosso Nordeste, de acordo com essa medida provisória, não vende energia elétrica a um grande consumidor como, por exemplo, uma usina de produção de aço, uma siderúrgica. A Chesf não pode vender numa negociação livre - mas a empresa privada pode -, a não ser que ganhe, em um leilão, esse privilégio, ou seja, por concorrência, por licitação pública.

Por isso, Sr. Presidente, louvo a atitude do Governo do Presidente Lula e a sapiência, a sabedoria e a identificação da Ministra Dilma Rousseff com a sociedade brasileira, com o pobre consumidor brasileiro, apenado e enganado por tantos e tantos anos.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/02/2004 - Página 3916