Discurso durante a 20ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questão da demarcação de terras indígenas no Brasil.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Questão da demarcação de terras indígenas no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2004 - Página 4308
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, AUDIENCIA PUBLICA, AUTORIDADE ESTADUAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DE RORAIMA (RR), EMERGENCIA, PROBLEMA, CONFLITO, INDIO.
  • ANALISE, POLITICA INDIGENISTA, CORREÇÃO, DIMENSÃO, TERRITORIO, POPULAÇÃO, DESCUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, HOMOLOGAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, SOLUÇÃO, BENEFICIO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • ANALISE, SEGURANÇA NACIONAL, FAIXA DE FRONTEIRA, PROPRIEDADE, UNIÃO FEDERAL, QUESTIONAMENTO, PROBLEMA, TRAFICO INTERNACIONAL, DROGA, RESERVA INDIGENA, DENUNCIA, MANIPULAÇÃO, LIDERANÇA, INDUÇÃO, CONFLITO, TRIBO.
  • DEBATE, INCLUSÃO, COMUNIDADE, INFERIORIDADE, PODER AQUISITIVO, FORMULA, CAPITALISMO, DEFESA, CREDITOS, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, AUSENCIA, DISCRIMINAÇÃO, DIMENSÃO, INVESTIMENTO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Serys Slhessarenko, Srªs e Srs. Senadores, devido aos embates ocorridos desde o ano passado até o presente quanto às terras indígenas, resolvi abordar o tema.

Ontem, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional realizou audiência pública que contou com a participação de algumas autoridades de Estados que convivem com problemas graves dessa ordem, como é o caso dos Governos do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Roraima.

O problema está sendo tratado de forma isolada devido à emergência dos acontecimentos, mas a questão indígena brasileira necessita de uma resposta mais efetiva.

Do pouco que conheço do assunto, escutando os prós e os contras, o problema reside principalmente na compreensão da concessão ou não do direito desses povos e do respeito a eles. Quando se trata de nação, surge o primeiro dos graves problemas, qual seja, a reação contrária a esses direitos. Essas etnias possuem cultura, história, território, língua e religiosidade próprios, podendo ser consideradas nações. Sendo assim, existem aqueles que chegam a questionar se não se está induzindo uma nova definição do tamanho do território do Estado brasileiro. Outro aspecto que me chama a atenção é o tamanho do território. Esse dado é alarmante porque já existe, até mesmo no Senado Federal, preocupação com a densidade demográfica, ou seja, a relação entre o tamanho da área e o número de habitantes. Escutamos muitos discursos fervorosos sobre as áreas que se destinam aos índios, mas não falam dos não-índios que possuem milhões de hectares de terras.

Embora não me lembre a área total do Estado e a área destinada aos indígenas, gostaria de fazer uma comparação. Contando-se a área destinada aos índios no Brasil e as suas populações, se o problema for o tamanho do território, como vamos justificar a situação de um país como a Suíça, cujo território é quarenta e um mil quilômetros quadrados para sete milhões de pessoas? Comparando o território e a população da Suíça, o território e população da Índia, que tem 3,5 milhões de quilômetros quadrados para uma população superior a 1 bilhão - a Índia tem mais ou menos um terço da extensão do Brasil e sua população está próxima aos 170 milhões - como ficam os indianos nessa comparação?

Faço outra comparação entre o tamanho do território e o número de habitantes da Holanda. A Holanda, com quarenta e um mil quilômetros quadrados, tem 16 milhões de habitantes. Qual o grau de felicidade, de distribuição de renda e qualidade de vida desses 16 milhões de holandeses, mesmo tendo que brigar para com o Mar do Norte por seu território?! Para que o mar não avance, eles são obrigados a construir diques e paredes. Também há as cheias. Suas terras são baixas, no período de cheias, o país corre sérios riscos de grandes inundações. A Suíça, que está numa região montanhosa, nos Alpes, tem grande parte do seu território impróprio à exploração econômica. E como esses povos conseguem ser felizes?

O Brasil, que conta com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e uma população de 170 milhões de pessoas, vive a crise do tamanho do território. Vou mais longe ainda quanto à questão da aberração do tamanho de nosso território. Há poucos anos, um único cidadão brasileiro reclamou a propriedade de sete milhões de hectares de terra no Estado do Pará. Não fosse a reação da comunidade local, ele teria abocanhado toda essa terra. Se consideramos cabível, plenamente possível que uma pessoa tenha sete milhões de hectares de terra no Estado do Pará, vamos colocar em dúvida, em xeque, o tamanho de uma terra indígena?

Srª Presidente, como estou acompanhando mais de perto, constato que algumas pessoas chegam a negar a história da questão indígena brasileira quando se debate uma dívida constitucional de 1988, quando a Assembléia Nacional Constituinte fixou o prazo de cinco anos para resolver a questão, e não o fez. Todas as demarcações e homologações de terra não foram feitas - é uma dívida -, mas, quando vamos abordar esse assunto, dizem que não se pode tocar na História. Sei que não podemos. Não dá para arrancar hoje a cidade de São Paulo e devolver aos guaranis; não dá para arrancar hoje a cidade do Rio de Janeiro e devolver aos aimorés; não dá para arrancar nenhum solo brasileiro ocupado por não-índio. Acredito nisso.

Srª Presidente, o terceiro grave problema trata da segurança de fronteira em território indígena. Se olharmos o mapa das fronteiras brasileiras, na parte que seria propriedade da União, vamos encontrar população não-índia, cidades consolidadas, pontes, estradas e tudo o mais, pecuária, produção agrícola e assentamentos de reforma agrária do Rio Grande do Sul até o Mato Grosso, Estado de V. Exª. A Constituição de 1988 ampliou a área destinada como reserva de segurança de fronteira para 150km, estabelecendo que essas terras são propriedade da União e que a gestão dela é assunto de segurança nacional. Estabeleceu ainda que a presença militar, a presença das Forças Armadas nessas áreas estariam asseguradas. E o que fazer com todas as pessoas que adquiriram títulos e propriedades em terras nesses 150 quilômetros? Argumenta-se atualmente que não se pode homologar terras indígenas nas fronteiras dos Estados da Amazônia, porque interfere na segurança nacional.

Outro grande problema: todas as terras indígenas próximas às fronteiras facilitam o movimento do narcotráfico. Contraditoriamente a isso, vimos quase todos os dias na imprensa que é exatamente onde há pontes, cidades limítrofes a maior freqüência de escândalos sobre narcotráfico.

Fico aqui pensando: quando é que vamos estabelecer de fato um pacto pela paz no campo, pela paz em relação à questão indígena? Nações têm sua cultura, sua forma de vida, seu jeito de ser, sua forma de crer. No entanto, querem criar um tribunal, uma legislação, estabelecendo que os indígenas são tutelados. Não considero um demérito essa idéia, mas pergunto: como nós podemos instituir normas para uma cultura totalmente diferente da nossa? Como pode ser não-índio o tribunal que arbitra conflitos, estabelece direitos, deveres e punição para os abusos que possam ser cometidos por eles?

Infelizmente, parece-me, toda a questão indígena coloca-se frontalmente como uma pedra no caminho do desenvolvimento econômico. Foi assim desde o começo. E assistimos ainda, em alguns momentos, à indução de conflito interno entre suas lideranças, suas culturas, uma nação indígena sendo colocada contra a outra. E, ao relembrarmos a História, embora alguns não gostem que se diga, vemos que os portugueses se aliaram a algumas nações indígenas para combater os franceses, os quais também se aliaram a outras nações, fazendo com que se digladiassem. E essa situação, infelizmente, ainda se repete.

Particularmente, penso que, em relação aos encapuzados de Mato Grosso, todas as pessoas vão rejeitá-los sempre, por esse ou qualquer outro tipo de abuso. Todo e qualquer tipo de abuso deve ser rejeitado. Quem quer que tenha usado capuz no Mato Grosso para tomar determinada atitude pouco recomendável deve ser repudiado. Repudiaremos a todos, sejam os encapuzados do Mato Grosso, sejam os encapuzados da Ku-Klux-Klan, nos Estados Unidos, sejam os encapuzados de qualquer lugar. Sempre vamos repudiá-lo, porque o encapuzado significa terror, desmerecimento.

Queremos tratar principalmente dos abusos. Como vamos devolver a essas nações cidadania e direitos históricos? Quando é que basta, quando será suficiente a ação sobre terras indígenas? Todos os casos que conhecemos se repetem: alguém entra numa terra indígena, conquista o chamado direito de posse pelo tempo de permanência e, em seguida, reclama o direito de propriedade. E, se essa nação indígena cobra o direito de propriedade, argumenta-se que não se pode mais negociar porque já há instalações naquele local.

Vou fazer uma comparação que pode parecer esdrúxula: quando se constrói uma grande hidrelétrica, a inundação de um lago força a retirada de muitas pessoas, mas, devido ao interesse econômico, à necessidade do Estado, é preciso haver indenizações e remoção dessas pessoas. Entendo que podemos dar o mesmo tratamento à questão indígena, tomando as mesmas medidas em relação à ela. Então, negociar vira fato consumado, jurisprudência, cria precedência. Se não homologarmos as terras completamente e de acordo com o ordenamento do território nacional, vamos criar um precedente, ao qual nunca será dado um basta. Porque, como dizia minha mãe, a medida do “t” nunca enche. Minha mãe dizia que, se alguém está em zero e luta para chegar a um, tão logo chegue a um, vai querer o dois, e, depois, o quatro, numa progressão geométrica.

Posiciono-me contra esse caso, querendo dar minha parcela de contribuição, porque penso que é preciso encontrar uma ação negociada.

Ouvi os rizicultores de Roraima reclamando porque não têm onde plantar. O território do Acre tem hoje 150 mil km², 15 milhões de hectares, dos quais a metade está sob área de proteção. Estamos trabalhando como nunca, desafiando pessoas a nos ajudar a transformar essa cobertura florestal nativa em potencial econômico. Para nós, não é um problema de território, nem de qualidade de desenvolvimento, mas de inclusão de pessoas indistintamente nesse processo de desenvolvimento. No nosso Estado, tentaremos colaborar, criando um modelo de desenvolvimento a partir de uma economia florestal, acreditando que a natureza dotou todos os biomas brasileiros com garantias de vida para qualquer morador, até o do semi-árido nordestino, porque, se for encontrada a fórmula da irrigação, todos poderão produzir e alcançar uma qualidade de vida melhor, como os que têm dinheiro.

Quero, agora, fazer um paralelo entre riqueza e poder. Como dizia Ranulfo Peloso, que foi meu professor, quem detém poder econômico acaba detendo também o poder da política; é quem interfere e faz ingerências na política. Portanto, convivemos todos os dias com o discurso entre o atendimento aos grandes conglomerados da economia, como o desenvolvimento do capital, e políticas de compensação social, ao tratarmos de populações de poder aquisitivo menor. Mas esse não é um problema atual; é um problema do sistema capitalista. Isso vale tanto para uma família, como para uma pessoa pobre que busca qualquer tipo de ajuda governamental, como se fosse um flagelado permanente da economia; como vale também para um município, para uma nação e para os grandes mercados econômicos.

Estou convencido de que é preciso encontrar a fórmula correta de incluir o setor pequeno, o chamado baixo poder aquisitivo, como uma peça do capital. Temos até feito uma brincadeira para provocar o debate. Não queremos mais a fórmula PPP, participação pública privada porque criamos a fórmula K=P1+P2+C. Nessa fórmula K significa capital, P1 é o Poder Público, P2 é o poder privado e C é o poder comunitário, a sociedade de poder aquisitivo menor. É preciso substituir compensação social por investimento e desenvolvimento numa economia emergente dentro de nosso País.

Um dos meios de produção mais sagrados da nossa história, é bíblico, vem desde Moisés, é a terra. A terra é um dos meios de produção alcançáveis por muitas pessoas. Oxalá todos tivessem direito à terra, seja ela rural, seja ela urbana. Na geografia nós discutimos um ponto que todos os seres vivos procuram; ou seja, o chamado ótimo de conforto. No ótimo de conforto deve haver as condições mínimas para uma qualidade de vida. As raposas têm as suas tocas; os seres humanos precisam de uma casa. Se trabalho é dignidade da distribuição de renda, todos merecem um trabalho. É impossível gritarmos, bradarmos fábricas para os sem-fábrica; é impossível bradarmos bancos para os sem-bancos. Mas é muito possível bradarmos terra para os sem-terra. E é nesse sentido que eu queria chamar para o desafio de que é preciso restabelecer que o capital social esteja incluído na fórmula do PPP.

Queremos sugerir também, para o sucesso de todos - já que todos querem ganhar dinheiro, e os pequenos também - que todas as bolsas de compensação, como bem lembrou o Senador Geraldo Mesquita, não sejam tratadas como microcrédito. Crédito é crédito em qualquer volume, o montante não importa. O que importa é a lógica, segundo o Senador Geraldo Mesquita. Temos que retirar da nossa lógica o chamado microcrédito. Para os outros é crédito, para nós é micro. Ou seja, mata na raiz o tamanho do investimento. O tamanho do investimento tem que estar relacionado com a capacidade de gestão e nós jamais podemos conciliar capacidade de gestão com a palavra microcrédito, matando na origem a capacidade desse investimento.

Srª Presidente, um pouco em tom de desabafo, mas é para que possamos provocar um pouco mais de debate com mais serenidade. Não conheço a realidade vivida hoje por Mato Grosso do Sul; conheço um pouco a de Roraima e conheço a de vários outros Estados da Amazônia. Mas acredito que é um rico debate: reconstituição da história indígena? Sim. Tamanho do território? Não é o problema, de jeito nenhum. Fronteiras? Não é o problema, de jeito nenhum. O verdadeiro problema é quando bastar a ação do capital sobre terras legítimas indígenas, que é um dever, uma obrigação, uma dívida da sociedade brasileira para com esses povos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2004 - Página 4308