Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a entrevista do Ministro José Dirceu à revista Veja.

Autor
Antero Paes de Barros (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MT)
Nome completo: Antero Paes de Barros Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a entrevista do Ministro José Dirceu à revista Veja.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 09/03/2004 - Página 6160
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, ENTREVISTA, JOSE DIRCEU, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CONTESTAÇÃO, FALTA, ESCLARECIMENTOS, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, AUSENCIA, ETICA, GOVERNO FEDERAL, LOBBY, IMPEDIMENTO, LIDER, INDICAÇÃO, MEMBROS, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, JOGO DE AZAR, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITOS, MINORIA, CONGRESSISTA.

O SR. ANTERO PAES DE BARROS (PSDB - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diz um adágio popular: “permaneça calado ou diga coisas que valem mais que o silêncio”. O Ministro José Dirceu rompeu o silêncio, mas teria sido melhor permanecer calado.

Sua entrevista à revista Veja é um deboche à inteligência nacional. O Ministro trata mal os fatos, maltrata a verdade, mente. Vou provar. Vamos aos fatos.

Na sexta-feira, 13 de fevereiro, dia da circulação da revista Época com a reportagem “Dinheiro Sujo”, eu trazia a este Plenário a preocupação com aquelas imagens e fatos, hoje de conhecimento nacional.

Fiz questão, na oportunidade, de enfatizar que trazia os fatos não como Senador do PSDB e, portanto, da Oposição, mas como Senador da República preocupado com os destinos do País.

Após apresentar os fatos à Nação, dei a minha opinião e vou repeti-la. Em todo esse processo, daquele momento até hoje, em nenhum momento mudei de posição, em nenhum momento ela foi alterada. Defendi, naquele instante, a urgente necessidade de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e a demissão ou afastamento do Ministro José Dirceu.

Ao apresentar os fatos e ao defender essa tese, relatei, naquela oportunidade, 13 de fevereiro, o comportamento do ex-Presidente Itamar Franco quando da sua decisão sobre o amigo e coincidentemente o Chefe da Casa Civil à época, ex-Ministro Henrique Hargreaves.

O Ministro José Dirceu, portanto, ao dizer à Veja que eu propus o seu afastamento e, em troca, o fim da CPI, trabalhou com um fato absolutamente inverídico. Não é verdadeira essa afirmação. Eu não disse isso em momento algum em meus pronunciamentos nesta Casa - e vários são os pronunciamentos que fiz. Falei várias vezes sobre esse episódio e nunca fiz tal proposta. Eu faço política, não faço chantagens. Eu faço política pública e não faço negócios da política.

Por mais que eu conheça os anos de vida pública do Ministro José Dirceu, S. Exª não tem autoridade para, numa entrevista, dizer que defendo teses de desestabilização namorando com o perigo.

Vou repetir da tribuna o que já disse a alguns jornalistas que me procuraram: irresponsabilidade é não apurar esses fatos, que são gravíssimos. Irresponsabilidade é defender a não-existência de CPI após mencionar ter uma vida pública de 40 anos - é verdade -; e, nesses 40 anos, é a única vez que ele fica contra uma CPI.

Namorar com o perigo, Ministro, é nomear o Waldomiro, não mandar investigá-lo após as denúncias da imprensa e defender que o Parlamento se omita na investigação.

Portanto, quem namorou com o perigo, nesse episódio, foi o Ministro José Dirceu.

O Ministro José Dirceu também é contraditório ao dizer à revista Veja o que aqui já foi comentado pelo Senador Arthur Virgílio. Diz o Ministro:

Eu não tinha notícia sobre isso. E, infelizmente, não tinha notícia sobre esse inquérito sigiloso que o Senador Almeida Lima levou ao conhecimento do País daquela maneira irresponsável.

Ora, qual é a grande crítica ao Senador Almeida Lima? A grande crítica ao Senador foi a de que S. Exª disse que iria trazer uma novidade à Nação, e, chegando aqui, trouxe um fato que já era conhecido da população. A crítica ao Senador Almeida Lima não é em relação à gravidade do que disse, mas, sim, em função do que S. Exª disse já ter sido divulgado pela revista IstoÉ e pelo site da coluna do Cláudio Humberto.

Portanto, o Ministro não diz a verdade quando declara que não sabia em razão do inquérito sigiloso. O que nos foi revelado do inquérito sigiloso nada mais é do que a repetição da matéria de junho da revista IstoÉ e das notas já publicadas na coluna do jornalista Cláudio Humberto.

O Ministro está sem memória ao dizer que em 14 meses de Governo não houve uma única denúncia de corrupção no Governo Lula. A não ser que ele esteja querendo dizer que houve muitas e não só uma única.

Acreditar que não houve denúncia?! Não pretendo aqui perder tempo em relatá-las, mas os fatos mais recentes indicam a atuação de Waldomiro, em 2003. E insistem que os fatos ocorreram em 2002, antes do Governo do PT! Ficaram provados vários encontros de Waldomiro Diniz com Carlinhos Cachoeira no Hotel Blue Tree Park, as coincidências das datas dos encontros e que a Caixa Econômica Federal renovou o contrato, coincidentemente, uma semana, dez dias após os encontros do Sr. Waldomiro Diniz. Isso não é denúncia? E os fatos já relatados pelo Senador Arthur Virgílio, inclusive com relação às viagens pouco explicadas de Ministros?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o momento que vivemos é grave. O Governo jura que o episódio tem início e fim em Waldomiro Diniz, mas não deseja sobre ele uma investigação independente com a presença do Congresso brasileiro.

A posição de impedir a CPI desmonta a lógica do Governo. Não é possível! Será que é por causa de Waldomiro, que não é nem filiado ao PT, que a Bancada do PT ameaçou fiscalizar todos os atos dos Governos passados? A Oposição topou a investigação, o PT desistiu. Era um blefe.

Será que foi por causa do Sr. Waldomiro, um reles ex-funcionário da Casa Civil, que nem é filiado ao PT, que o Governo pressiona os Parlamentares que o apóiam no Senado e na Câmara para que não assinem o pedido da CPI para apurar as relações daquele cidadão Waldomiro com os jogos de azar?

Será que foi por causa do Sr. Waldomiro, repito, um reles ex-funcionário da Casa Civil, que nem mesmo é filiado ao PT, que o Governo forçou os Senadores do seu Partido a retirarem as assinaturas que tinham dado para a instalação de uma CPI destinada a investigar o mar de lama que corre por trás dessa fachada de jogos eletrônicos?

Será que foi por causa do Sr. Waldomiro, repito, um reles ex-funcionário da Casa Civil, que nem mesmo é filiado ao PT, que o Governo conseguiu que os Líderes que o apóiam no Senado renunciassem, fizessem uma nota pública à Nação enterrando a Constituição, dizendo que não vão indicar os nomes para a CPI?

Será que foi por causa do Waldomiro que o art. 58, § 3º, da Constituição será desrespeitado aqui pelo Senado da República? Diz o art. 58, § 3º, da Constituição a República:

Art. 58....................................................

§ 3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no regimento das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara do Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros (...)

Aqui não se diz que serão criadas, se os líderes indicarem, mas “serão criadas”. Esse é um direito constitucional da Minoria.

Se tudo começa e se tudo termina no Waldomiro, o Waldomiro é tão importante assim para rasgar a Constituição? Para fazer líderes partidários, inclusive os do Partido dos Trabalhadores, a deixarem registrado nos anais da história do Senado esse escárnio à Constituição brasileira?

Mesmo o Regimento da Câmara dos Deputados e o Regimento Comum do Congresso, obrigando o Presidente da Casa a indicar, se o Presidente não designá-los é por que tudo começa e termina em Waldomiro? Será que é por causa de Waldomiro, um reles ex-funcionário da Casa Civil, que não é filiado ao PT?

Sr. Presidente, teremos momentos difíceis nos próximos dias. O que está em disputa aqui não é apenas a CPI sobre o Waldomiro, mas um direito da Minoria consagrado na Constituição Federal brasileira. O que está em disputa aqui é enterrar a Constituição. O que está em disputa aqui é que o Governo do PT, que arrotava democracia, coloca em debate no Senado da República os valores democráticos em discussão.

O argumento de que temos que ter agenda positiva? Quer algo mais positivo do que apurar corrupção? Quer algo mais positivo, para gerar credibilidade lá fora, do que fazer realmente com que este País apure todas as suas mazelas? Essa agenda é ultrapositiva! O argumento de que a Constituição pára o Brasil é mentiroso.

Falo com a autoridade de quem é Presidente da CPMI do Banestado, com a autoridade de quem ouviu, dali, naquela tribuna e desta tribuna, as pessoas se revezarem para dizer que, se a CPMI do Banestado fosse instalada, não haveria reforma nenhuma neste País. A CPMI saiu e as reformas foram aprovadas. O Congresso funcionou bem.

O Congresso não pode se apequenar. Um homem da estatura do Presidente Sarney não pode deixar que apequenem a sua história. Ninguém mais do que o Presidente Sarney foi gigante ao defender a transição. A democracia brasileira registra nos anais dívida enorme do País e da democracia com a tolerância, com a persistência, com a convicção democrática do Presidente Sarney.

Como diz o Senador Arthur Virgílio, vão suprimir esse direito sem votar os três quintos da Constituição? Isso ficará impune? E tudo isso é por causa do Waldomiro? E tudo começa e termina em Waldomiro?

Por causa do Waldomiro - e o PT não tem nada com isso.

Mas a mesma revista Veja, que traz a entrevista do Ministro José Dirceu, traz também uma informação na pág. 45: “... o Waldomiro era um reles ex-funcionário da Casa Civil, mas foi indicado no Rio de Janeiro por quem? Pelo Ministro José Dirceu”. Era um reles ex-funcionário da Casa Civil, mas tenho aqui, em mãos, documentos que mostram que a loteria se implantou no Rio Grande do Sul tendo como base a orientação e o contrato do Waldomiro no Rio de Janeiro. E com um detalhe: Waldomiro, no Rio de Janeiro, assessorava um governo do PT e esse documento foi para orientar um governo do PT no Rio Grande do Sul. Waldomiro é um reles ex-funcionário da Casa Civil, mas era o representante do Governo do Mato Grosso do Sul em Brasília, conforme relata a revista Veja, na pág. 45, ao concluir sua matéria. Waldomiro era um reles ex-funcionário da Casa Civil, mas há um ofício aqui do Sr. Hélio de Lima, assessor executivo do Governador Zeca do PT, de 06 de julho de 2000, no qual diz o seguinte:

De ordem do Sr. Governador, informamos que cópias de todos os projetos encaminhados ao Governo Federal, visando captação de recursos, deverão ser enviados ao escritório de representação de Mato Grosso do Sul em Brasília, que está encarregado de centralizar e acompanhar o andamento dos mesmos.

Contatos poderão ser efetuados com Thaís, nos telefones (tais, tais), ou com Waldomiro, no telefone (tal).

Aqui não diz que é o Waldomiro Diniz, mas as pessoas crêem que pode ser o Waldomiro Diniz. O Senado da República vai dizer que por causa de Waldomiro - e o Governo jura de pés juntos que tudo começa e termina em Waldomiro - não fará a CPI? Por causa de Waldomiro, vamos enterrar a Constituição. Por causa de Waldomiro, vamos colocar em debate, novamente, o conceito de democracia no Brasil.

Concedo um aparte ao Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Antero Paes de Barros, o discurso de V. Exª é didático, explicativo e inquestionável. Acrescento ao discurso de V. Exª, como argumento favorável à instalação de CPI, o que foi pronunciado da tribuna da Câmara dos Deputados em 02.05.2001: “Há um clamor nas ruas pela ética na política, um dever com a História do Brasil, que é o de viabilizar uma CPI. A CPI não pune previamente, mesmo porque não é sua função. Ela não pune, mas apura, investiga, dá transparência, coloca luzes. Com isso, aprimora o estatuto da democracia e resgata a ética na política, tarefa essencial à preservação desta instituição e dos valores democráticos da sociedade”. Aloizio Mercadante, atual Líder do Governo.

O SR. ANTERO PAES DE BARROS (PSDB - MT) - Agradeço o aparte de V. Exª.

Ao final, quero fazer um apelo a esta Casa. Hoje, somos Minoria. Amanhã, existirão outras Minorias. O que está na Constituição é uma conquista das Minorias, portanto, é uma conquista da democracia.

Ousaria lembrar Rosa Luxemburgo, tão apreciada nos debates do PT, que dizia: “Os problemas da democracia só se resolvem com mais democracia, jamais se resolverão com menos democracia”. E, nesse caso, não há como fugir da CPI do Waldomiro, ou então vai ficar muito esquisita a tese de que tudo começa e tudo termina em Waldomiro.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/03/2004 - Página 6160