Discurso durante a 13ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise do processo de desenvolvimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), lamentando a demora da instituição em decidir sobre a aquisição da Garoto pela Nestlé.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR. LEGISLAÇÃO COMERCIAL.:
  • Análise do processo de desenvolvimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), lamentando a demora da instituição em decidir sobre a aquisição da Garoto pela Nestlé.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2004 - Página 6588
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR. LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROCESSO, CRIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA (CADE).
  • ANALISE, CRITICA, DEMORA, DECISÃO, CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA (CADE), IMPEDIMENTO, FUSÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, INDUSTRIA, CHOCOLATE, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES).
  • DEFESA, URGENCIA, REVERSÃO, DECISÃO, CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA (CADE).

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a demora com que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) analisou e decidiu acerca do processo de fusão das empresas Nestlé e Garoto vem merecendo críticas generalizadas.

Em oportunidades pretéritas, como a de integração Varig-Tam e de outras providências importantes, o seu pronunciamento, em tempo razoável, atendeu às expectativas dos interessados e do mercado.

Deve-se esclarecer que o Conselho foi instituído em 1962 como órgão vinculado diretamente à Presidência do Conselho de Ministros. Pouco mais de três décadas depois, foi transformado em autarquia federal por força das disposições da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, também vinculando-o ao Ministério da Justiça.

Registra a história que a política nacional de concorrência era uma realidade já em 1930. A Carta Constitucional de 1934, em seu art. 115, também refletia o interesse do Estado pela livre iniciativa.

No entanto, somente com a Constituição de 1937, e depois do Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, considerado a primeira norma antitruste do País, passou-se a tratar os delitos econômicos como crime contra o Estado e o consumidor.

Constituía competência do Tribunal de Segurança Nacional o processo e julgamento de tais condutas e, pela primeira vez no sistema jurídico nacional, o decreto-lei também dispunha sobre regras antitruste, ainda hoje existentes, como as que coíbem o “açambarcamento de mercadorias; a manipulação da oferta e da procura; e a fixação de preços por meio de acordo entre empresas”, estabelecendo o chamado “preço predatório”.

Em 1945, com o Decreto-Lei nº 7.666, também conhecido como “Lei Malaia”, o tema foi disciplinado de forma específica e sistemática. As suas disposições foram por muitos interpretadas como um ato de nacionalismo econômico, desencorajador do ingresso de capitais forâneos, a própria semente da atual regulamentação.

A Administração Pública devia identificar as práticas contrárias aos interesses da economia popular. Para tanto, criou-se, naquele ano, a Comissão Administrativa de Defesa Econômica, introduzindo no ordenamento jurídico sistema de autorização prévia para a formação, incorporação, transformação e agrupamento de empresas, “além do registro de outros ajustes e acordos”.

No ano seguinte, a Constituição Federal registrou, em seu art. 148, o princípio da repressão ao abuso do poder econômico, que seria regulamentado pela Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, que, em seu art. 8º, criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

Surgia o Cade, separado das disposições acerca da economia popular e do abastecimento, “como um dos princípios basilares da ordem econômica e social”, e órgão de “repressão ao abuso do poder econômico”, caracterizado pelo domínio dos mercados, pela eliminação da concorrência e pelo aumento arbitrário dos lucros.

A revista IstoÉ Dinheiro, do último dia 11 de fevereiro, refere-se à sessão do Cade que indeferiu a pretendida fusão. O Presidente da Nestlé, Ivan Zurita, que promoveu grandes modificações na “gigante alimentícia no Brasil”, a partir de maio de 2001, deixou a sala de audiências em total desapontamento.

Invalidava-se, dessa forma, parte substancial do processo de marketing da empresa, que deslocava o nome de produtos como Nescau e Leite Moça para a marca Nestlé, institucionalizando a publicidade.

Também, empresas atacadistas substituíram parcialmente a rede de distribuidores exclusivos, e trocaram-se diversos diretores e gerentes. Os resultados dessa intervenção não foram integralmente positivos. No entanto, o Presidente da Nestlé esperava a união com a Garoto para a reversão desse quadro indesejável.

A decisão do Cade, rejeitando a proposta de fusão por cinco votos a um dos conselheiros e negando seguimento ao processo de fusão das duas empresas, corresponde a um impacto negativo na estratégia empresarial e altera o “panorama dos negócios no País”. Acresce que, desde a sua criação, em 1962, jamais o Conselho decidiu tão radicalmente em questão de tal porte no País.

No mundo dos negócios, a decisão provocou “acalorada polêmica”. Para uns, ela demonstra que, “como em todos os países desenvolvidos, o Brasil também tem organismos de defesa da concorrência funcionando”.

Para outros, “as multinacionais já estão acostumadas a enfrentar esse tipo de intervenção de órgãos de defesa da concorrência”, e que “foi um ótimo sinal para o investidor externo, que agora sabe que pode colocar dinheiro no Brasil, sem temer ser esmagado por um concorrente maior.”

Certos críticos apontam que “a decisão do Cade pode atrapalhar algumas transações”; outros, que agora o mercado vai ficar mais atento e que “não dá para esperar dois anos por uma decisão”, pois, dessa forma, “qualquer operação de fusão fica inviabilizada”. Para o Conselheiro Grandino Rodas, único a votar favoravelmente à fusão, a decisão “ultrapassa os limites da intervenção” e “é inconstitucional e radical”.

Para o Cade, no entanto, “a participação de 54% da nova empresa seria excessiva”, e a operação prejudicaria a concorrência e os consumidores. A sentença também obriga a Nestlé a vender todos os ativos da Garoto para outro investidor que não tenha mais de 20% de participação no mercado de chocolates, o que elimina a participação da principal adversária da fusão.

À força dessa argumentação, e ante a evidente contrariedade do interesse econômico nacional, a par de cristalizar-se como grave ameaça de desemprego de milhares de trabalhadores, incluo-me entre os que defendem a imediata reversão da decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica que determinou a venda do controle da fábrica de Chocolates Garoto, adquirida, como vimos, pela multinacional Nestlé.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Papaléo Paes, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Papaléo Paes, o País já o conhecia como médico, brilhante cardiologista. Tão brilhante que o povo o tirou do consultório e o fez Prefeito, sem dúvida nenhuma um dos melhores Prefeitos da nossa história. E esse mesmo povo o trouxe para cá. V. Exª surpreende a todos nós com a competência que demonstra, não apenas nos assuntos médicos, como Presidente da Subcomissão de Saúde, da qual faço parte como relator. V. Exª tem demonstrado muito conhecimento em todos os temas de importância que tem debatido. Outro dia, durante a discussão da reforma judiciária, V. Exª trouxe a sua vivência e experiência. Agora aborda o problema econômico. Associo-me ao pronunciamento de V. Exª para dizer que este Governo erra mais uma vez. Há poucos dias, sugeri à Senadora Heloísa Helena que levasse o livro Reinventando o Governo, de Ted Gaebler e David Osborne, para o núcleo duro do Palácio do Planalto. Os Estados Unidos são um país capitalista, assim como nós. E essa gente acha que o Muro de Berlim ainda não caiu, a Rússia ainda é grandiosa, o comunismo ainda vai vencer. Sabemos que administrar o capitalismo na democracia é difícil. Então, Bill Clinton mandou estudar as dificuldades, e saiu esse livro Reinventando o Governo, em que se diz, resumidamente, que o governo tem que ser cada vez menor, não pode ser grande demais. E o Presidente da República aumentou de 15 para 40 o número de ministérios, para dar emprego aos derrotados do PT. Como diz o livro, o governo tem que ser pequeno, pois, se for grande demais, afundará como o Titanic. É o que está acontecendo com o Brasil. Então, o governo tem que ser menor e ágil e não tolher a iniciativa privada, porque há uma lei soberana que regula o mercado: a oferta e a procura. O mundo todo busca esses consórcios, essas associações e fusões porque é mais econômico até na publicidade. Agora mesmo estamos vendo o caso da nossa cerveja, que amplia seu mercado em nível mundial e ninguém vai deter isso. Muito menos o Cade com seus técnicos de pouco estudo do PT.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª o aparte, que muito me honra, Senador Mão Santa.

Concedo um aparte ao Senador Eduardo Siqueira Campos.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Senador Papaléo Paes, quero igualmente parabenizar V. Exª que, com o equilíbrio de sempre e com visão ampla, estratégica e centrada, traz temas tão importantes que interessam aos consumidores do Brasil inteiro. Eu aduziria, a título de informação, que apresentei, assim que cheguei a esta Casa, um projeto de resolução que cria a Comissão de Defesa do Consumidor no âmbito do Senado da República. Apresentei esse projeto porque percebi, ao longo do tempo, que a população tinha seus olhos muito mais voltados para a Câmara dos Deputados do que para o Senado. O Senado era uma Casa clássica, um tanto quanto mais lenta. De alguns anos para cá - a constatação não é minha -, os dados revelam que a TV Senado é muito mais vista do que a TV Câmara, talvez pelo próprio processo de organização das sessões. A Câmara não se adaptou tão bem quanto o Senado na dinâmica das transmissões e organização dos seus trabalhos, dos próprios horários. Isso fez com que o Senado se aproximasse muito da população brasileira. Hoje, a população conhece bem os integrantes do Senado da República, aqueles que vêm à tribuna diariamente, que fazem apartes, aqueles que presidem, participam efetivamente dos trabalhos. Portanto, nessa linha de aproximar o Senado da população brasileira, faz falta nesta Casa a Comissão de Defesa do Consumidor. Já avançamos muito com o Código de Defesa do Consumidor, que completou dez anos. Temos a Comissão de Assuntos Econômicos, mas que trata muito mais do endividamento dos Estados, de temas mais amplos. Acredito que a Comissão de Defesa do Consumidor seria um fórum adequado para debatermos questões como, por exemplo, estas levantadas por V. Exª, em audiência pública. Não apenas a Garoto, mas a própria Nestlé e outras empresas interessadas viriam para que ouvíssemos todos. Citei, dias atrás, o caso da Gol, que vem reclamando que o DAC não lhe dá as autorizações, e isso interfere diretamente no preço da passagem e no interesse do consumidor. Eu aproveito o pronunciamento de V. Exª para renovar a solicitação de que esta Casa possa deliberar sobre o assunto. Vamos criar ou não, mas que a proposta não fique eternamente tramitando sem uma decisão sobre a instalação da Comissão de Defesa do Consumidor, que está bastante pertinente com o pronunciamento de V. Exª.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª o aparte e concordo plenamente com o seu raciocínio. Essa comissão é importante para esta Casa, que está mostrando ao povo brasileiro a sua participação no cenário de responsabilidade na direção deste País.

No último domingo, li um artigo - que os senhores também devem ter lido - que dizia que “o Senado, de céu, está caminhando para ser o inferno”. Na maneira de ver do jornalista, o Senado seria o céu, porque aqui seria o local do Legislativo onde tudo era abençoado, tudo era paz, inclusive com essa cor azul, os Senadores seriam políticos bem acomodados, que não questionavam nada. E que a Câmara, então, que seria um inferno, estava caminhando em direção ao céu, porque lá as coisas são mais fáceis, o Governo consegue controlar muito melhor, as opiniões já são muito mais dirigidas pelo Governo. Aqui, não. Aqui, estamos debatendo com responsabilidade, mostrando que continuará sendo o céu, sim, porque, no céu, as coisas são justas. E nós vamos sempre buscar a justiça.

Estreante nesta Casa, com um ano e dois meses de mandato, graças a Deus, estou pegando um ambiente completamente futurista. Esta Casa realmente tem uma grande responsabilidade, faz os maiores questionamentos e desloca maior atenção do Executivo. Lutaremos sempre para manter o Senado Federal dentro do respeito que o povo brasileiro merece.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2004 - Página 6588