Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avaliação sobre a gravação divulgada ontem pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, de conversa entre o subprocurador da República, José Roberto Santoro, e o Sr. Carlinhos Cachoeira. Transcrição na íntegra do pronunciamento do Senador José Sarney proferido em 21/03/2002.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Avaliação sobre a gravação divulgada ontem pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, de conversa entre o subprocurador da República, José Roberto Santoro, e o Sr. Carlinhos Cachoeira. Transcrição na íntegra do pronunciamento do Senador José Sarney proferido em 21/03/2002.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2004 - Página 8878
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, CONTEUDO, FITA MAGNETICA, DIVULGAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DIALOGO, SUB PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, PARTICIPAÇÃO, DIRIGENTE, CONTRAVENÇÃO, JOGO DO BICHO.
  • NECESSIDADE, INVESTIGAÇÃO, AUSENCIA, IDONEIDADE, CONDUTA, SUB PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, OPINIÃO, ORADOR, TENTATIVA, PREJUIZO, ESTABILIDADE, GOVERNO FEDERAL.
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, JOSE SARNEY, SENADOR, PERIODO, GESTÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, INVASÃO, POLICIA FEDERAL, ESCRITORIO, ROSEANA SARNEY, EX GOVERNADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA).

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um artigo de consumo neste País que deve estar bastante valorizado: os gravadores. São tantas as fitas! As fitas que têm vindo a público são fitas graves. Na primeira delas aparece o Sr. Waldomiro Diniz pedindo propina, quando era presidente da Loteria do Estado de Rio de Janeiro em 2002. Ontem, surgiu outra fita, em que um Subprocurador da República estava achacando, de madrugada, um bicheiro para obter uma fita. A fita do caso Waldomiro é tão grave que aquele pedido de propina, televisionado e gravado, provocou a sua demissão imediata, a abertura de um inquérito da Polícia Federal, acompanhado pelo Ministério Público, e a instalação de uma CPI na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, porque os fatos gravados ocorreram no Rio de Janeiro, no exercício do cargo de Presidente da loteria daquele Estado.

A fita de ontem, em que aparece o Subprocurador da República, Dr. José Santoro, que nada mais, nada menos é o segundo homem na hierarquia do Ministério Público, também é bastante grave. E é muito importante aqui se registrar que o que esta fita traz em nenhum momento coloca sub judice, sob suspeita o Ministério Público do nosso País, que tem sido uma instituição fundamental no combate ao crime organizado, à corrupção, aos crimes ambientais, tem sido um amparo à cidadania e ao fortalecimento da democracia no nosso País. A suspeita está sobre o Subprocurador, Dr. José Santoro, e sobre o Dr. Serra Azul, que, segundo a reportagem, também estava. A gravação desta fita, o episódio, a colhida, foi feita na calada da noite e ainda deixa muito claro que ele não podia ser pego. O Dr. Cláudio Fonteles, o Procurador-Geral da República, não poderia surpreender aquela coleta de depoimento, que seria algo normal, usual. Se estava procedendo a uma investigação, poderia ser surpreendido a qualquer momento - qual o problema? -, se estivesse no legítimo direito do exercício do seu cargo.

Mas o Dr. Santoro, na fita, deixa muito claro:

Daqui a pouco o Procurador-Geral chega e vai dizer assim (...) Você tá querendo ferrar o assessor do Zé Dirceu, o que você tem a ver com isso?” (sic)

E mais adiante:

Ele vai chegar aqui e vai dizer “o sacana do Santoro resolveu acabar com o Governo do PT, e, para isso, arrumou um jornalista, juntaram-se com um bicheiro, e resolveram na calada da noite tomar depoimento.” “Não foi nem durante o dia, foi às 3 horas.” (sic).

Portanto, a fita, o horário, as condições, a situação, a impossibilidade de ser surpreendido, tudo isso, por si só, fala da ilegalidade, do ilícito que estava sendo cometido. Aquilo tudo tinha um objetivo: pegar uma fita. Tanto é que Santoro, em determinado momento, faz esta proposta:

Faz o seguinte: entrega a fita, não depõe, diz que vai depor mais tarde para ver o que aconteceu, porque aí você acautela que você colaborou com a Justiça, entregou a fita, acautelou prova ilícita (...) então... e aí vem o cafofo.” (sic)

Ou seja, o que o Dr. Santoro queira era a fita. Por que o Dr. Santoro queria a fita? Eu não consegui entender a necessidade da fita com tanta premência.

Havíamos sido informados pelo Senador Antero Paes de Barros, no dia 13 de fevereiro. E está aqui a íntegra.

Quando me chegaram os fatos, a fita, há mais de vinte dias [portanto, no final de janeiro, o Senador viu a gravidade], tive o cuidado de encaminhá-los ao Ministério Público Federal para que fossem avaliados e periciados.

Portanto, o Ministério Público já tinha a fita no final de janeiro.

Por que o Dr. Santoro queria tanto a fita? Propôs inclusive entregá-la para acautelar. Não podia ser numa batida. O Cachoeira propôs: “Entrego o endereço, entrego tudo... combino o local.” (sic)

E Santoro diz:

A busca e apreensão vai ser feita pela Polícia Federal (...) a primeira pessoas que vai ter acesso a essa fita é o (Paulo) Lacerda (diretor da PF), o segundo é o Ministro da Justiça e o terceiro é Zé Dirceu. E o quarto o Presidente. (sic)

Então, não podia ser apreensão, tinha que ser entrega.

Eu não sabia nada da fita - vejam que coisa interessante - mas eu vim à tribuna ontem expressar a minha surpresa, indignação. É uma situação muito estranha a do processo aberto pelo Dr. Serra Azul contra os dirigentes da Caixa Econômica, em que a apreensão dos documentos, feita uma semana antes, não tinha ordem judicial. Teve a participação de Giácomo Santoro, que também estava na coleta do depoimento da gravação de ontem e nesta denúncia já aparece...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Sr. Presidente, eu queria apenas que zerasse para contar os cinco minutos.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - Quero esclarecer ao Plenário que o tempo de V. Exª pela Liderança do PT terminou exatamente agora. V. Exª deseja falar pela Liderança do Bloco?.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Sim, para concluir o meu raciocínio.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - Tem a palavra V. Exª por cinco minutos para uma comunicação de interesse partidário, pelo Bloco.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço.

Continuando, ontem à tarde, por coincidência, muitas pessoas me perguntaram se eu já sabia da fita, e eu dizia que não. Mas estava muito indignada devido à denúncia apresentada pelo Dr. Marcelo Serra Azul contra os dirigentes da Caixa, na qual anistiava, deixava de lado tudo o que tinha acontecido anteriormente no contrato GTech/Caixa, quando outros Procuradores da República, como Drª Raquel Branquinho e o Dr. Luiz Francisco de Souza, já estavam há mais de um ano recolhendo documentos, analisando, investigando o contrato GTech/Caixa. E, no entanto, repito, um outro Procurador Regional, o Dr. Marcelo Serra Azul, que, por coincidência, estava no depoimento gravado, segundo a reportagem de ontem, anistia tudo o que aconteceu antes. Segundo ele, não há irregularidade nenhuma, ilegalidade alguma, problema algum, houve aumento sucessivo nos contratos, nunca houve licitação, que se trata de um procedimento não compreendido ainda por ninguém, porque não se sabe como a Caixa se amarrou num contrato com alguém que nunca participou de licitação.

O Dr. Marcelo Serra Azul anistia tudo. Ele joga peso, corrupção, gestão fraudulenta, um monte de artigos do Código Penal, sobre os dirigentes da Caixa Econômica Federal e anistia os representantes da GTech, exatamente o Dr. Carlinhos Cachoeira. Inclusive, no depoimento colhido na fita, aparecia o Dr. Santoro se comprometendo a aliviar o Carlinhos Cachoeira caso ele entregasse a fita.

Eu gostaria ainda de dizer que a fita apresentada ontem é muito grave. Portanto, tenho o entendimento de que o Ministério Público deve imediatamente - parece-me que o Dr. Cláudio Fonteles já está tomando essas providências - procurar a Corregedoria para que esses dois Procuradores - é muito importante dizer - que estão com as suas atividades sob suspeita, sejam investigados. E o Ministério Público tem os mecanismos para fazê-lo. O Ministério da Justiça tem que investigar a ação dos Delegados que também pegaram os originais documentos sem ordem judicial, deixando, inclusive, a Caixa Econômica a descoberto, porque não vai poder provar mais nada referente àqueles documentos que ela deixou de possuir. E a própria Caixa Econômica Federal já está acionando a Justiça com relação aos procedimentos de todos os processos que foram acionados contra ela.

Hoje, pela manhã, no programa “Bom Dia Brasil” houve uma citação do meu nome, no sentido de que eu tinha que recuperar a capacidade de me indignar. Eu quero dizer que nunca perdi a minha capacidade de indignação. Estou hoje desempenhando a tarefa de Líder, função que requer calma, bom senso para que eu possa trabalhar para a harmonia necessária a este Plenário nas suas votações. Mas não perdi a minha capacidade de indignação em nenhum milímetro. Eu não perdi a minha capacidade de indignação e também não virei tola, não fiquei tansa, como dizem lá na minha terra, lá na minha ilha.

Está muito claro. A fita demonstra, assim, de forma transparente, a tentativa de montar, de armar, de conspirar, de articular ou de agir em conluio para desestabilizar o Governo, para paralisar o Governo, para dificultar o Governo Lula. Portanto, eu não vou sair do centro. O centro para o Governo Lula, para este País não é assumir a tarefa policialesca. A tarefa central para o povo brasileiro não é Senador e Senadora virem policiais; é votar, é transformar este País, é fazer as reformas, é votar as leis importantíssimas que temos aqui, paradas há décadas, como a Lei das Falências, a reforma do Judiciário, o projeto de preservação da Mata Atlântica, da biossegurança, da violência doméstica. Esse é o centro, isso é o que espera o País, o que espera o povo brasileiro do Senado, dos Senadores e Senadoras - não que substituamos a polícia. Por isso, vou continuar indignada, mas vou continuar centrada na tarefa primordial, que é dar condições para que o Governo Lula dê certo e que possamos cumprir o nosso papel aqui, no Senado.

Eu gostaria ainda que falar sobre mais uma questão e pedir que seja registrado na íntegra, Sr. Presidente desta sessão, Senador Eduardo Siqueira Campos, o discurso do Senador José Sarney pronunciado no dia 21 de março de 2002, logo em seguida ao episódio que atingiu também a Senadora Roseana Sarney, que, à época, era Governadora do Estado do Maranhão. Quero aqui citar apenas dois trechos, mas peço que seja registrado na íntegra, porque é uma peça histórica:

Há um fato cuja recorrência impressiona e intriga. É que toda referência a esse estilo característico de espionagem e dossiês nasce no Ministério da Saúde e envolve o ex-Ministro José Serra. Não é afirmação minha, é dos jornais. Mais do que uma estratégia de campanha, parece uma concepção de Governo.

É o que diz a Folha de S.Paulo: Delegado e Procurador ligados a Serra atuam em investigações. O presidenciável tucano, Senador José Serra, conseguiu reunir sob as asas de aliados as duas principais investigações em curso que podem implodir a campanha de seus adversários. São eles o subprocurador da República José Roberto Santoro e o delegado de Polícia Federal Marcelo Itagiba.

José Roberto Santoro e Marcelo Itagiba fazem parte da tropa de choque de Serra no aparato policial e de investigação. Os dois já estiveram juntos antes.

Ex-assessor especial de Serra no Ministério da Saúde, nos dois anos anteriores...

Portanto, Sr. Presidente, esse discurso do atual Presidente do Senado Senador José Sarney, no dia 21 de março de 2002, longo, duro, firme e contundente traz elementos históricos fundamentais para que possamos entender, inclusive, o que assistimos ontem na TV.

Muito obrigada.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA IDELI SALVATTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- Discurso proferido pelo Senador José Sarney em 21/3/2002.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2004 - Página 8878