Discurso durante a 38ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Declarações do Ministro José Dirceu sobre a questão ética na condução da política econômica brasileira. Denúncias envolvendo os programas sociais do Governo passado.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL.:
  • Declarações do Ministro José Dirceu sobre a questão ética na condução da política econômica brasileira. Denúncias envolvendo os programas sociais do Governo passado.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2004 - Página 10450
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, DECLARAÇÃO, JOSE DIRCEU, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, INEFICACIA, GOVERNO FEDERAL, ANTERIORIDADE, GESTÃO, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL.
  • CRITICA, INEFICACIA, GOVERNO FEDERAL, GESTÃO, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvimos, ontem, declarações de integrantes do Governo que merecem a nossa reflexão.

Sobre as declarações do Ministro José Dirceu gostaria de fazer alguns comentários. Afirmou ontem o Sr. Ministro José Dirceu: “Sem reduzir as desigualdades sociais não vale a pena governar e a política econômica não terá nenhum fim ético”.

Continua o Ministro: “Sempre houve má gestão dos programas sociais neste País.”

E o Ministro continuou a sua fala sugerindo a criação de um observatório latino-americano de acompanhamento das políticas sociais desenvolvidas pelos governos dos países da região.

Logo em seguida, o Ministro Patrus Ananias, também usando da palavra numa reunião interna no Palácio, afirmava com toda a ênfase: “Não podemos jogar para Deus as tarefas e responsabilidades que são nossas.”

Continuando a sua fala, S. Exª declara: “A democracia é ágil, tem a participação popular, mas não é terra de ‘João Ninguém’. Deve estabelecer prazos e regras de procedimentos.”

Sem dúvida, temos que concordar com as declarações do Ministro José Dirceu, ainda mais quando se supõe que ele deve estar falando do Governo Lula.

Carece, realmente, de fim ético uma política econômica que leva o País a ter um crescimento econômico negativo em 2003; carece de fim ético uma política econômica que, pelo andar da carruagem, apresentará um crescimento econômico pífio em 2004 e que registra taxas de desemprego da ordem de 13%, com queda da renda dos trabalhadores, que penaliza toda a política social, inclusive aquela lançada pelo Governo Lula.

No que se refere à gestão dos programas sociais, cabe lembrar que, se o Ministro considera que sempre houve má gestão, ela foi aprofundada em 2003 e neste início de 2004. Isso porque tiveram desempenho favorável apenas aqueles programas cuja rotina estava consolidada, como, por exemplo, os programas de transferência de renda com pagamento direto às famílias.

Todas as famílias que já estavam cadastradas e recebiam o benefício diretamente pelo cartão magnético não tiveram problemas e continuam recebendo normalmente. Entretanto, não foi feito um único registro novo. Não houve cadastramento em 2003. O Governo optou por manter o número de famílias que já estavam cadastradas ou em via de o serem pelos Municípios. Por isso, somente a Bolsa Alimentação, que já previa aumento no atendimento para 2003 e 2004, passou de um montante de 1,7 milhão de beneficiários em 2002 para 2,6 milhões em 2003.

Por outro lado, a Bolsa Escola teve seu público alvo reduzido de 5,5 milhões de famílias em 2002 para 5,1 em 2003. O auxílio-gás, que chegou a atender mais de 9 milhões de famílias em 2002, só atendeu 7 milhões e 700 mil famílias, em 2003.

Com a criação do Bolsa-Família, unificação da gestão dos programas já existentes, os demais estão sendo desmantelados sem que ninguém tenha informações de quantas famílias são atendidas. A única informação disponível é a de que o Bolsa-Família atende a 3,6 milhões de famílias, todas oriundas dos programas Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás e Cartão-Alimentação. Nenhuma nova família foi cadastrada para compor esse novo programa, assim como nenhum novo recurso foi disponibilizado para a sua execução em 2003. Todos os recursos saíram dos demais programas, inclusive do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), que não faz parte do conjunto de programas unificados.

O Peti, por necessitar de parceria entre União, Estados e Municípios, não apenas está sofrendo atrasos de mais de dois meses no repasse dos recursos, provocando um retorno das crianças ao trabalho, como teve o seu orçamento cortado em cerca de R$500 milhões, em 2002 e 2003, para menos de R$100 milhões, em 2004.

Quando a referência são os programas sociais lançados por esse Governo e aqueles relativos à saúde e saneamento, o quadro é realmente assustador e dá a medida exata da “má gestão dos programas sociais neste País”, segundo as palavras do Ministro José Dirceu.

Do Fome Zero, lançado com todas as honras de programa salvador da pátria - e não apenas da Pátria Brasil, mas de todas do mundo -, ninguém nunca mais ouviu falar. Programa que deveria ocupar lugar de honra no Palácio do Planalto, sumiu do mapa da Esplanada dos Ministérios, vem funcionando, sob a coordenação de um Secretário de Segurança Alimentar e Nutrição no Setor Comercial de Brasília, setor que, como o próprio nome indica, não tem nada a ver com as funções de governo e que não abriga qualquer órgão federal.

O Primeiro Emprego é outro exemplo da má gestão. Lançado para resolver o problema da população jovem desempregada, não consegue sair do papel. Consta que o Ministério do Trabalho está revendo as premissas desse programa para melhorá-lo, depois de se negar a aceitar qualquer sugestão desta Casa, qualquer emenda de Parlamentares. Houve sugestões de anexar o programa a outros já existentes, como o Agente Jovem e o Serviço Civil Voluntário, mas tudo foi ignorado, esquecido e rechaçado quando procuramos colaborar com a melhoria do projeto encaminhado pelo Governo. Agora, o programa precisa ser melhorado depois de se constatar que, no máximo, foram empregados 0,2% do número de jovens que deveriam ser contratados em 2003. Mas, até o momento, ninguém tem notícia das novas diretrizes.

Dados do SIAFI indicam que, durante os três primeiros meses de 2004, somente 1,1% destinado a investimentos na área social foi executado.

A proposta de criação de um observatório de políticas sociais, apontada pelo Ministro José Dirceu, como eu disse anteriormente, seria inovadora se não fosse a falta de entrosamento que marca a equipe do Governo Lula. Enquanto o Ministro José Dirceu propõe a criação, o Ministro Berzoini desmonta o que já existe.

Desde 2002, foi criado, no âmbito do Ministério do Trabalho, o Observatório do Mercado de Trabalho, que mantinha intercâmbio com observatórios dos países do Mercosul, com reuniões freqüentes na sede do Mercosul no Uruguai. Desde janeiro deste ano, o Observatório do Brasil foi desativado, e os técnicos que ali trabalhavam deixaram o Ministério do Trabalho e não foram substituídos por outros. Ou seja, desmancha-se o que existe, e se fazem propostas como se constituíssem grandes novidades.

Quanto às declarações do Ministro Patrus Ananias, cabem aqui dois rápidos comentários. O primeiro é que, em nome de “estabelecer prazos, regras e procedimentos”, o Ministro não disse ainda a que veio. A segunda observação é a de que se trata de mais um “bate-cabeça” entre as declarações do Presidente e de seus Ministros. Por exemplo, na mensagem de Páscoa, o Presidente afirmou: “Que Deus possa ajudar o povo brasileiro, sobretudo aqueles que estão sofrendo, sobretudo aqueles que estão desempregados!” Agora, o Ministro desautoriza o Presidente, afirmando que “não se devem jogar para Deus as tarefas e responsabilidades que são nossas”.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2004 - Página 10450