Discurso durante a 38ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do momento enfrentado pelo Governo Federal.

Autor
Heráclito Fortes (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Análise do momento enfrentado pelo Governo Federal.
Aparteantes
Antero Paes de Barros.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2004 - Página 10458
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, NATUREZA POLITICA, DIFICULDADE, GOVERNO FEDERAL, IMPORTANCIA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ROMPIMENTO, ISOLAMENTO, POLITICO, ABERTURA, DIALOGO, OPOSIÇÃO, NECESSIDADE, CONTROLE, CONDUTA, DISCORDANCIA, TRAIÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Meu caro Senador conterrâneo e amigo Mão Santa, algumas das características da minha vida - daí por que estou aqui - foram a audácia e o atrevimento. Sei que vou cometer um atrevimento ao falar após essa grande figura que é o Senador Pedro Simon. Mas é porque exatamente ele tem a capacidade de nos estimular e de aguçar a nossa memória para fatos. O que vou fazer aqui será nada mais nada menos do que dar alguns depoimentos.

Vou contar um episódio de que ele se lembra muito bem. Eu pago às vezes o mal de ter chegado a esta Casa muito novo e de ter convivido com pessoas experientes como Pedro, naquela época bem mais jovem, Dr. Ulysses, Tancredo e vários outros. Este é um episódio de que nunca esqueço: a sucessão presidencial, que quebrava o jejum de escolhas indiretas por longos e longos anos. Nós tínhamos então a primeira eleição direta, após esse interregno na nossa democracia. A candidatura que aparecia no cenário do PDMB era a do Dr. Ulysses, o Senhor das Diretas. Pedro Simon era então Governador do Rio Grande do Sul. O PMDB tinha uma força muito grande de governadores, e o Governador Simon, com o seu estilo e franqueza, colocou-se numa posição que, para alguns, aparentava ser discordante da candidatura de Ulysses e não da maneira como ela estava sendo conduzida. Testemunhei uma coisa fantástica: certa noite, o Dr. Ulysses pediu ao Dr. Osvaldo Manicardi, uma figura que todos conhecem, que fizesse uma ligação ao Pedro, marcando um encontro para conversarem. Um dos interlocutores virou-se e disse: mas não perca tempo, o Pedro está contra você, não vai adiantar nada. E o Dr. Ulysses, com aquele olhar de quem vê o infinito, com aquela paciência, deixou que o interlocutor, afoito, terminasse, dissesse o que queria, bateu levemente sobre a mesa e disse: meu caro Fulano, ouvir o Pedro, até quando ele está contra, é bom, porque mesmo se formos fazer o contrário, saímos de lá com alguma coisa positiva.

A questão do puxa-saco, meu caro Pedro Simon, existe desde que o mundo é mundo. O mal dos Presidentes, dos governantes, é que não aprendem isso.

Agamenon Magalhães, um poderoso homem público pernambucano, já dizia que o administrador, o dono da caneta, tinha que dormir com um alfinete na cabeceira da sua cama e, de manhã, dar uma espetada em seu corpo para sentir dor e ver que, portanto, era igual aos outros.

Tenho um episódio muito pitoresco sobre puxa-sacos, que contam no meu Estado. Não sei se é verdade, mas o personagem V. Exª conhece, é conterrâneo do Senador Mão Santa. Conta-se que Chagas Rodrigues, extraordinária figura - que foi colega de V. Exª no Senado -, assumiu muito jovem o Governo do Piauí e não tinha residência fixa nem estrutura em Teresina. Naquela época, as mordomias não existiam; não era como hoje. Os filhos de Chagas eram pequenos, e um puxa-saco resolveu, logo ao primeiro dia, fornecer-lhe o leite para a alimentação de sua família. Ao primeiro encontro, Chagas Rodrigues quis agradecer-lhe. Encontrou o generoso correligionário e disse: Fulano, estou recebendo o leite... Não terminou a frase, e o cidadão virou-se para ele e disse: Excelência, quero comunicar que já demiti hoje o ordenhador, porque ele não lhe mandou o leite da minha vaca preta. E não esperou nem o agradecimento sincero.

Mas essa é a vocação dos puxa-sacos. A pior espécie que existe é o puxa-saco ressentido, que está perto do poder e, quando não é atendido nos seus pleitos, faz a intriga do Governo, jogando uns contra os outros.

Eu prestei atenção quando V. Exª falou da estrela que, segundo os jornais, foi a Primeira-Dama quem plantou. Na terça-feira, eu estava aqui e previ que essa estrela apareceria em todos os jornais. V. Exª prestou atenção em como a estrela foi fotografada? Com uma superlente, no quintal, nos fundos do Palácio. Alguém disse que tinha sido plantada aquela estrela ali. Eu não tenho nem V. Exª tem acesso ao Palácio, mas a denúncia da existência daquela estrela, a notícia daquele fato saiu de quem convive, de quem está lá dentro do Palácio.

Eu digo isso, Senador Pedro Simon, porque eu estava aqui no cafezinho quando ouvi alguém da base do Governo dizer exatamente isto: “O Presidente não tem tempo para nos receber, mas para plantar estrela vermelha no seu quintal tem.” É a tal história, Senador...

Hoje me chamou a atenção outro fato. Uma nota no jornal diz, tentando fazer uma intriga palaciana - que V. Exª conhece muito bem, pois já conviveu nos dois lados -, que o Ministro Gushiken tem uma amizade fraterna com o Senador Antero Paes de Barros. O jornalista que dá essa notícia é uma das pessoas mais corretas e mais sérias que existem no País, Gilberto Amaral. Evidentemente ele recebeu a notícia de alguém. Lendo o seu texto, vê-se que aquilo é dito como se fosse assim: o Antero está batendo no Governo, e o Gushiken é amigo do Antero; logo, o Gushiken concorda com o Antero. E por aí vai. Quer dizer, joga-se no seio da informação a discórdia.

Ora, quem não é amigo do Gushiken, tendo sido Deputado Federal? Fui seu colega na Câmara, e ele é uma das figuras mais interessantes e carismáticas que eu conheci. Convivi com o Gushiken como membro de uma CPI, sou testemunha da sua correção. Quero crer que o Senador Antero Paes de Barros também conviveu com ele. Aí vem a plantação da notícia.

Disse V. Exª uma coisa com a qual concordo em número e grau. O PFL tem tentado de toda maneira ajudar esse Governo. V. Exª citou o Senador Antonio Carlos Magalhães, que tem tentado ajudar o Governo, às vezes até discordando do Partido.

Senador Pedro Simon, todas as crises que esse Governo enfrentou até agora foram criadas pelo próprio Governo. Eu nunca vi um País anestesiar-se com um fato como o fez com a eleição do Lula. Primeiro, pela grandeza numérica da eleição; segundo, pela trajetória; terceiro, pelo próprio eco das ruas, que pedia que ele desse certo. E daí a nossa preocupação, a preocupação de todos que isso acontecesse.

Vivemos no Brasil um momento em que nos falta peça de reposição. A classe política, independente da idade, envelheceu precocemente. V. Exª é de uma geração, e eu também ainda peguei o último vagão desse trem, onde nós tínhamos as escolas formadoras de vocações políticas: ou era o seminário, ou a carreira diplomática, ou a carreira militar, o movimento estudantil, a figura do oficial de gabinete, e o período revolucionário acabou com tudo. Se prestarmos atenção, o próprio Lula é uma exceção que fugiu à regra, pois veio de um movimento sindical e se consolidou como liderança. Mas não deixamos de ter as escolas naturais de formação política. A classe política brasileira envelheceu, independentemente de idade, e não solta peça de reposição. Será burrice de qualquer brasileiro de boa fé torcer contra ou tentar enfraquecer ou desestabilizar o Presidente Lula, que tem princípios.

Hoje mesmo, Senador Pedro Simon, abrimos o jornal e vemos, na primeira página, o Presidente com cara de felicidade, apesar de todas as crises, enxugando o rosto da mulher, num gesto de carinho de um homem de origem. Pela rudeza da sua vida, não seria natural aquele gesto de carinho, que é permanente e que o brasileiro tanto precisa ver. É a união familiar. Então, é um homem de virtudes. O que eu acho é que ele está isolado. As causas e as conseqüências desse isolamento não nos cabe avaliar. Não fomos nós que criamos isso. V. Exª disse bem: é falta de conversa, é falta de sentar à mesa e não só com os que o cercam no Palácio no dia-a-dia. Mas, como foi dito aqui, chama alguém da CNBB, chama alguém dali, vai conversando. Isso não faz mal a ninguém. Aprendi na roda de V. Exª, quando éramos Oposição e não tínhamos nenhuma perspectiva de ser governo, a conversar sobre o que fazer se um dia fôssemos. Não foi perda de tempo. Aprendemos alguma coisa. É a atividade que exercemos.

Eu citei o Senador Antero Paes de Barros, que agora está no plenário, e, com muita honra, gostaria de conceder um aparte a S. Exª.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Senador Heráclito Fortes, quero cumprimentá-lo e fazer aqui um registro e uma avaliação. Primeiro, eu me considero amigo não apenas do Deputado Luiz Gushiken, mas também de outras figuras importantes do Partido dos Trabalhadores. Pertenci ao Partido dos Trabalhadores, fui do Partido dos Trabalhadores. E já disse aqui uma frase que é absolutamente verdadeira: é impossível ter passado pelo Partido dos Trabalhadores e não admirar e gostar do Lula. É impossível! Convivi com o Lula na Constituinte como Deputado Federal. Não admirar e gostar do Lula é impossível. Tenho certeza absoluta que a Senadora Heloísa Helena, que foi expulsa do Partido dos Trabalhadores, tem uma relação de respeito e de reconhecimento à história e à biografia do Lula. Eu disse aqui que o Lula é desses poucos brasileiros que talvez prescindissem desse cargo para melhorar sua biografia. Do jeito que estão fazendo, podem piorar a biografia do Presidente com esse cargo. O poder tem dessas coisas. Apesar de confirmar a minha amizade com o Ministro Luiz Gushiken daqui para lá, não posso falar de lá para cá, tenho não só amizade mas também admiração pelo Ministro Gushiken, quero aqui reafirmar que acho tudo isso lamentável, porque demonstra que não há unidade no Governo. Ninguém da Oposição está trabalhando no sentido de que haja desarmonia lá. Desarmonia lá existe porque existe. Existe porque existe! Essa é uma coisa plantada por quem? Quem teria interesse em plantar uma informação como essa, se eu, alguns meses antes do episódio, não tive nenhum contato com o Ministro Gushiken e, depois do episódio, não tive nenhum contato com o Ministro Gushiken? Dizer que o Ministro Gushiken se aconselha comigo é coisa lá de dentro do Palácio. Isso é coisa lá de dentro do núcleo duro. É uma mediocridade diante da qual, a bem da verdade, não posso me calar e não prestar esse depoimento, esse testemunho. Não sei aonde quer chegar o Ministro José Dirceu. Sinceramente, não sei aonde quer chegar o Ministro José Dirceu. Creio que as palavras “dignidade” e “amor próprio” tiraram férias em alguns setores brasileiros. Ele não está fazendo bem ao Brasil quando diz isso; e também é a pessoa mais desautorizada a dizer a frase que disse ontem: “Se não mudar a política social, não vale a pena governar”. Por que disse isso ontem? Então, quem instala crises são eles mesmos. A desarmonia é lá. Ele disse essa frase, mas deveria completá-la: é preciso trocar essa política por essa. Ou poderia dizer: se não mudar a política econômica, é contra a Oposição. Não aceito mais que se tente comparar este Governo com o Governo do Presidente Fernando Henrique. Este Governo tem que ser comparado com outro governo, com o governo de outro Fernando, que é o Collor, não o Henrique. Muito obrigado pelo aparte.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Senador Antero Paes de Barros, felizmente V. Exª entendeu o espírito da crítica que fiz, mostrando exatamente que tudo que está sendo noticiado é produto do fogo amigo.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Sim, quero, aliás, agradecer a V. Exª, por me dar oportunidade de expressão sobre um assunto no qual, por relações até de amizade, tenho dificuldades de me posicionar, mas, trazido à baila, me facilitou.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - A propósito, antes conversávamos exatamente sobre a figura do Gushiken aqui, sobre a convivência que tivemos. De repente, eu digo: acho, Senador, que li alguma nota a esse respeito; e fui buscá-la de volta.

Quero crer que o Ministro José Dirceu venha sendo vítima desse fogo amigo. É preciso que o Palácio dê um basta nisso.

Senador Pedro Simon, V. Exª, com sua fala pedagógica, lembrou outro fato importante: a mudança dos costumes. Concordo com V. Exª. Não podemos fazer comparações permanentes entre o atual Governo e o Governo do Presidente Fernando Henrique. O Presidente Fernando Henrique morou na Europa, teve outra formação, outra criação. Governou o Brasil durante oito anos, e ninguém soube - e não sabe até hoje - quem foi ou quem é o alfaiate do Presidente da República. O Presidente Lula, um trabalhador, assumiu o Governo e virou moda um Sr. Ricardo Almeida, que é o alfaiate da grife presidencial. Outro dia li uma notícia num acreditado jornal paulista dizendo que, a partir do momento em que ele passou a ser alfaiate do Presidente da República, suas roupas triplicaram de preço.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Heráclito Fortes, V. Exª pediu cinco minutos, dei cinco e mais dez. V. Exª merece.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Vou concluir.

V. Exª tem razão. Aquele agrupamento de militantes bravos que se reuniu no Hotel Torre, dividindo com quatro, cinco ou seis companheiros o apartamento, hoje se hospeda no hotel mais caro de Brasília. Quando ele falou do outro Fernando, que é anterior a esses fatos, tudo começou numa academia em que se juntavam à noite. Aí o fogo amigo começava a trabalhar contra o próprio Governo. A história todos nós sabemos.

Termino meu pronunciamento elogiando a foto publicada hoje, que retrata o gesto de carinho do Presidente Lula, a preocupação dele com D. Marisa. Isso me fez bem à alma. Não se preocupe, Dona Marisa, se o fogo amigo diz que a senhora manda no Presidente Lula. Continue mandando. Minha esposa, até determinado ponto, manda em mim com suas argumentações, com sua força, e ai de mim se, ao longo desses vinte e cinco anos, não tivesse ouvido seus conselhos e orientações. Pelo visto ela manda bem. Dona Marisa, vou lhe dar um conselho: guarde o lenço com que Lula enxugou do seu rosto o suor. Guarde-o e tenha-o como símbolo para evitar inclusive que a senhora tenha que enxugar as lágrimas causadas pelos próprios amigos que te cercam no Palácio do Planalto e se fazem companheiros de governo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2004 - Página 10458