Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do desempregado José Antônio Andrade de Souza. Debate sobre o salário mínimo.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO. POLITICA SALARIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do desempregado José Antônio Andrade de Souza. Debate sobre o salário mínimo.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2004 - Página 10494
Assunto
Outros > DESEMPREGO. POLITICA SALARIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, VOTO DE PESAR, SUICIDIO, CIDADÃO, DESEMPREGADO, PROTESTO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, BRASIL.
  • CONTINUAÇÃO, DEBATE, POLITICA SALARIAL, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), MISERIA, INFERIORIDADE, RENDA, POPULAÇÃO, ANALISE, VANTAGENS, VALORIZAÇÃO, SALARIO MINIMO, POSSIBILIDADE, CONTAS, SETOR PUBLICO, FINANCIAMENTO, REAJUSTE, FORMA, GARANTIA, CIDADANIA, COMBATE, VIOLENCIA, EXPECTATIVA, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI.
  • DEFESA, POLITICA, COTA, ACESSO, NEGRO, EXAME VESTIBULAR, ENSINO SUPERIOR, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB).

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em um primeiro momento, registro que encaminhei à Presidência e à Mesa um voto de pesar pelo falecimento de José Antônio Andrade de Souza. Alguém poderia perguntar: quem é José Antônio Andrade de Souza? É um estadista? É um escritor? É um poeta? Explico quem é José Antônio Andrade no final da minha justificativa.

José era um desempregado, que morreu ontem, dia 18 de abril de 2004. Deixou a mulher grávida e uma filha de 8 anos. Quantos Antônios, Paulos, Josés e Marias estão morrendo, desesperados a cada dia, graças à miséria, ao desemprego e à fome? Seu corpo tombou como uma tocha viva. Este cidadão de 40 anos morreu queimado; estava desempregado e queria trabalhar, ele queria um salário, o coitado! Tombou em frente ao Palácio do Planalto. O incêndio nas suas roupas, na sua carne, parecia uma estrela a pedir socorro, confundia-se com os raios e trovões daquela manhã nublada de terça-feira aqui em Brasília.

Que essas chamas tão doloridas sirvam para iluminar nossas mentes e mostrar o caminho da humanidade na busca de emprego e do salário sonhados. Termino dizendo: Não nos deixem só a sonhar, o nosso povo está morrendo.

Estou encaminhando à Mesa o voto de pesar pelo falecimento do Sr. José Antônio Andrade de Souza.

O Senador Eduardo Suplicy já se referiu ao assunto.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Heráclito Fortes, com a maior satisfação, porque, graças a V. Exª, que cedeu o seu espaço neste horário privilegiado, é que este Senador está na tribuna.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª o merece e o tema por si só já justifica minha atitude. Em nome do PFL, quero me associar ao requerimento de pesar que V. Exª envia à família enlutada. Peço também seja enviada cópia do expediente à CUT e às entidades representativas da população brasileira.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Com certeza, o Presidente dará o encaminhamento necessário.

Sr. Presidente, volto ao debate sobre o salário mínimo. No final da semana passada, eu, que sempre falo de improviso sobre salário, escrevi alguns argumentos que entendo importantes para o debate.

O debate sobre o salário mínimo é inevitável, pois os últimos dados do IBGE sobre a miséria do nosso povo são alarmantes, preocupantes. Segundo o IBGE e não Paulo Paim, 56 milhões de brasileiros possuem renda que não ultrapassa a R$78,00, ou seja, um terço da população brasileira ganha um terço do salário mínimo.

Como vemos, esses milhões de brasileiros estão abaixo da linha da miséria absoluta. Por conseqüência, podemos afirmar que, no mínimo, outros 56 milhões estão na faixa dos que recebem entre um terço e um salário mínimo. Estes números mostram que 112 milhões de brasileiros recebem na faixa de zero a um salário mínimo.

A questão do salário mínimo, que envolve a vida da maioria dos brasileiros, merece um debate respeitoso, sério e solidário. Não podemos ficar no julgamento fácil, desqualificado de quem é bonzinho ou quem é malvado, demagogo, oportunista ou mesmo, como disse uma revista internacional, um Dom Quixote.

Vamos aos números e aos argumentos:

a) Ninguém tem dúvida que o salário mínimo, conforme o próprio IBGE, repercute sobre a vida de aproximadamente 2/3 dos brasileiros;

b) Portanto, com certeza é falsa a afirmação de que o salário mínimo só interessa a 3 milhões de brasileiros, como alguns dizem.

Vejam a diferença: 112 milhões para 3 milhões!

c) O salário mínimo repercute positivamente sobre o piso das categorias, sobre os aposentados e pensionistas, idosos acima de 65 anos, pessoas com deficiência, no mercado informal de trabalho, nos planos de cargos e salários das empresas, sobre os pisos regionais, sobre aqueles que têm carteira de trabalho assinada e também sobre o seguro-desemprego.

d) Fortalece o mercado interno, pois, assim, teremos milhões de pessoas recebendo mais, comprando mais, o que aumentará a demanda. Por conseqüência, gerará mais empregos;

e) O salário mínimo é inflacionário? Não. É só lembrarmos que ultrapassamos a barreira dos 100 dólares em 1991, em 1995 e em 1998. A inflação não aumentou e o desemprego diminuiu.

Mas alguém me lembra: “Ah, as contas públicas!” Vamos às contas públicas, então! Compete ao Governo definir as prioridades. O combate à fome, à miséria e a busca ao emprego não estão em primeiro lugar? Para mim, estão. Com essa afirmação, indico as fontes de recursos para o aumento do salário mínimo. Os dados do Siafi demonstram que, este ano, há um superávit na seguridade social de 31 bilhões de reais. Alguém poderia dizer: “Ah, mas aí há outros gastos como a saúde, assistência e previdência!” Vou mais além: vamos dizer que, além de saúde, previdência e assistência, vamos destinar aqui 5 bilhões de reais para o combate à pobreza e vamos incluir o pagamento dos servidores públicos. Mesmo assim, Sr. Presidente, há um superávit de cinco bilhões. Se nos lembrarmos que recentemente a Receita Federal publicou dados de que houve um aumento de 15,5%, teremos mais três bilhões. Até aqui, oito bilhões. Para o reajuste que estamos propondo ao salário mínimo não são necessários oito bilhões.

E mais. Se o Governo deslocar o pagamento da contribuição previdenciária que está sobre a folha - já incluída na emenda da Previdência aprovada - para o faturamento, teremos outros bilhões que também serão utilizados para pagar o salário mínimo. Com certeza, se houvesse a cobrança dos devedores da Previdência, arrecadaríamos outros bilhões que sustentariam o salário mínimo. De acordo com o próprio Ministério da Previdência, as dívidas para com o INSS são superiores ao Orçamento anual daquela autarquia.

Vamos à história das pequenas Prefeituras. Para não dizer que não falei das pequenas Prefeituras, pergunto: há na História do Brasil uma única Prefeitura que fechou por culpa do salário mínimo? Ou uma única empresa? Até porque é o aumento do salário mínimo que fortalece a economia nos pequenos centros. Por exemplo, no Nordeste, em mais de 70% - de acordo com dados oficiais - dos Municípios brasileiros, o salário mínimo pago pela Previdência a aposentados e pensionistas é a principal receita na economia do Município. Na maioria deles, os benefícios da Previdência ultrapassam em valor as transferências, inclusive do Fundo de Participação dos Municípios. Vamos combater a fraude, a sonegação, a corrupção. Para cada real arrecadado neste País um outro é desviado em forma de fraude, de sonegação, de corrupção.

É bom lembrarmos ainda que, mesmo que ultrapassássemos a barreira dos R$300,00, o Brasil continuaria sendo o País que tem um dos piores salários mínimos.

Por último, para aqueles que insistem em dizer que todo ano fazemos uma guerra política em relação ao salário mínimo, queremos informar que existe a possibilidade de pôr fim a essa incerteza. Senador Geraldo Mesquita, lembro que está em discussão no Senado um projeto que apresentei há mais de dez anos na Câmara e reapresentei aqui, o PL nº 5, que diz que se o salário mínimo for reajustado somente com a inflação dos últimos 12 meses e acrescentarmos anualmente um aumento real de 20 centavos a hora, que corresponde a 44 reais/mês, teríamos uma política permanente para o salário mínimo. Em dez anos, Sr. Presidente, o salário mínimo atingiria o que manda a Constituição. A pergunta que fica: será que a sociedade brasileira não assimilaria um reajuste real no salário mínimo de 20 centavos a hora? Todos sabemos que, para o combate à violência e para a garantia da inclusão social, o salário mínimo é um dos melhores caminhos. Em pesquisa recentemente publicada, foi comprovado que, quanto mais caem a renda e o emprego, mais cresce a violência.

Antes de dar um aparte ao Senador Eduardo Suplicy, quero concluir com as palavras daquele que deu a sua vida no combate à pobreza e à violência. Refiro-me ao Prêmio Nobel da Paz em 1980, Mahatma Gandhi. Disse Gandhi - as palavras são de Gandhi, não são do Paulo Paim:

Nunca ninguém disse que uma miséria opressora leva a outra coisa que não a degradação moral. Todo ser humano tem direito de viver e, portanto, de encontrar o necessário para a saúde, para alimentar-se, para vestir-se e habitar. Para essa incumbência, tão simples, não precisamos da ajuda da burocracia, do economês, que procura burlar esses encaminhamentos.

Sr. Presidente, com as palavras de Gandhi, dizendo que é possível sim, neste País, ultrapassarmos a barreira dos R$300,00, concedo a palavra para esse que é lutador no combate à pobreza, o nosso grande Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Paulo Paim, quero cumprimentar V. Exª pela incansável batalha para assegurar a todos os trabalhadores brasileiros o seu direito, tal como Mahatma Gandhi expressou tão bem, ele que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1980, dizendo que toda e qualquer pessoa precisa ter o direito de viver com dignidade e receber, sem qualquer burocracia, o necessário para ter alimentação, vestimenta, assistência educacional, saúde e habitação. Assegurar ao trabalhador esse direito é muito importante. A melhor forma de fazê-lo, o salário mínimo, tem se constituído em um instrumento muito importante. Os economistas, ao estudarem a melhor maneira de assegurar, ao mesmo tempo, o pleno emprego, a remuneração, o direito de todos ao trabalho, consideraram que uma combinação adequada seria renda mínima e salário mínimo. São instrumentos que devem ficar lado a lado. Senador Paulo Paim, se por hipótese aumentássemos o salário mínimo de R$240,00 para R$500,00, poderíamos ter como conseqüência no mercado de trabalho, do ponto de vista das empresas que contratam trabalhadores, um efeito interessante: os que ganham R$ 240,00 e que apresentam razoável produtividade - e portanto contribuem para a empresa significativamente - para esses trabalhadores poderia haver folga para a empresa contratá-los, mesmo pagando R$ 500,00. Mas, poderia ocorrer que, na medida em que a regra para as empresas contratarem trabalhadores tenha como regra observar os termos em que o valor adicionado seja pelo menos igual ao salário pago, alguns trabalhadores poderiam, eventualmente, ter dificuldades em conseguir trabalho. Então, além dos outros argumentos, seja o das pequenas Prefeituras, ou do valor pago na Previdência e assim por diante, mas só no mercado de trabalho é que poderia ocorrer esse efeito. Considerando esse aspecto, se instituirmos a garantia de uma renda para além do salário mínimo, poderemos aumentar a remuneração do trabalhador, mas sempre é importante preservar a existência do salário mínimo com a meta de se chegar à melhoria do seu poder aquisitivo. Só queria cumprimentá-lo, e mais uma vez dizer que V. Exª, ao trazer o tema para o Senado Federal, para o Congresso Nacional, dá uma contribuição muito importante, fazendo com que todos se sintam obrigados a refletir a respeito da melhor decisão, inclusive os Ministros da Economia, do Trabalho e do Planejamento. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª sabe que comungo com o pensamento da elevação do salário mínimo e também da Renda Mínima, que assegurará àqueles que não têm direito a nada o mínimo para que possam sobreviver - não falo nem em dignidade para um País que paga R$ 240,00 a quem trabalha, conseqüentemente aquele que não trabalha não receberá, pela projeção que faço, neste século, algo semelhante a isso.

Lembro aqui que apresentei na semana passada um cálculo segundo o qual, considerando o salário de R$ 240,00 para o trabalhador, sem falar em aluguel, saúde e lazer, sobram R$ 17,00 para a cesta básica, cujo custo não é menor, em hipótese nenhuma, que R$ 138,00. Por isso concordo com V. Exª com essa combinação.

Também aplaudo V. Exª, que, ao referir-se ao salário-família, disse que tem de ser atualizado - isso é importantíssimo -, sem prejuízo de uma elevação digna do salário mínimo. Por isso, estou com uma expectativa positiva, Senador Geraldo Mesquita Júnior - e V. Exª me informou que já entregou na Comissão o seu parecer, que garante um salário mínimo de pelo menos R$ 300,00 -, porque, no projeto, consideramos a inflação do período mais R$ 0,20 a hora. Isso daria hoje em torno de R$ 300,00.

Não acredito que o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva vá deixar o salário mínimo em R$ 256,00 até o momento mencionado pelo Ministério da Fazenda. Creio que irá além e, claro, estou torcendo para que o seu substitutivo seja incorporado ao projeto do Executivo.

Na mesma linha, é bom lembrar, à luz da verdade - por isso apontei uma série de fontes de recursos -, que estendemos aos aposentados e pensionistas - leia-se do Regime Geral da Previdência - o mesmo percentual concedido ao salário mínimo.

Vou encerrar em 38 segundos, Sr. Presidente.

Encaminho à Mesa, mais uma vez, um pronunciamento defendendo a política de cotas adotada pela Universidade de Brasília (UnB).

Fiquei dentro do tempo para dar exemplo, como membro da Mesa.

Obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUEM, NA ÍNTEGRA, DISCURSOS DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

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O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores: o noticiário sobre a inscrição dos candidatos ao vestibular da Universidade de Brasília, o primeiro a ser realizado numa universidade federal com reserva de vagas para negros, tem dado ênfase quase exclusivamente à fotografia exigida dos candidatos que se autodefinem como negros.

A Reitoria da Unb tem procurado justificar a medida afirmando que a intenção é inibir as pessoas que querem se apresentar indevidamente como negros.

O jornal O Estado de S. Paulo veiculou ontem uma reportagem sobre um candidato que, embora reconhecendo que “seus traços nem de longe lembram os da raça negra”, inscreveu-se no vestibular declarando-se negro, “como forma de protesto contra o sistema de cotas”.

O candidato declarou ainda a O Estado de S. Paulo que primeiro “pensou em ir com o rosto pintado de preto”. Não o fez porque temeu que sua inscrição fosse indeferida. E mais: caso não tenha sua inscrição homologada, o estudante ameaça ir à justiça.

A idéia de pintar o rosto de preto para disputar uma vaga reservada a candidatos negros lembrou-me uma novela exibida pela rede Globo em 1969, “A cabana do Pai Tomás”.

O personagem principal, embora negro no roteiro, era representado pelo ator Sérgio Cardoso com o rosto pintado de preto. Houve grandes protestos na época. Hoje, felizmente, a realidade é outra, e Taís Araújo é a primeira protagonista negra de uma novela da Globo, o primeiro crédito da novela, que aliás tem tido uma audiência extraordinária para o horário das sete.

O episódio relatado pela reportagem de O Estado de S. Paulo só vem fortalecer a iniciativa da Universidade de Brasília, que pretende que o seu programa de inclusão beneficie negros.

No mercado de trabalho, as fotos sempre serviram, sob o pretexto da “boa aparência”, para discriminar negros. Agora, elas servem para fazer discriminação positiva e causam uma celeuma desproporcional.

A Universidade de Brasília aprovou um programa para dez anos, tem o direito de experimentar todas as formas que julgar mais adequadas para que seu programa de inclusão possa ser implementado.

            A UnB assumiu um compromisso com a democratização do acesso à Universidade. Isto é novo entre nós. As propostas inovadoras criam polêmicas, é natural.

            Outro assunto a que me refiro, diz respeito à necessidade de reajuste do salário mínimo.

O debate sobre o valor do salário mínimo é inevitável, pois os últimos dados do IBGE sobre a miséria do nosso povo são alarmantes, preocupantes. Segundo o IBGE, 56 milhões de brasileiros possuem uma renda que não ultrapassa a R$ 78,00, ou seja, um terço do salário mínimo.

Como vemos, esses milhões de brasileiros estão abaixo da linha da miséria absoluta. Por conseqüência, podemos afirmar que no mínimo outros 56 milhões estão na faixa daqueles que recebem entre um terço a um salário mínimo. Esses números mostram que cerca de 112 milhões de brasileiros recebem até um salário mínimo.

A questão do salário mínimo, que envolve a vida da maioria dos brasileiros, merece um debate respeitoso, sério e solidário. Não podemos ficar no julgamento fácil, desqualificado de quem é bonzinho ou malvado, demagogo, oportunista ou mesmo um Dom Quixote.

Vamos aos números e aos argumentos:

a) Ninguém tem dúvida de que o salário mínimo, conforme o próprio IBGE, repercute sobre a vida de aproximadamente dois terços de brasileiros;

b) Portanto, com certeza é falsa a afirmação de que o salário mínimo só interessa a 3 milhões de brasileiros, como alguns dizem;

c) O salário mínimo repercute positivamente sobre o piso das categorias, sobre os aposentados e pensionistas, idosos acima de 65 anos, as pessoas com deficiência, no mercado informal de trabalho, nos planos de cargos e salários das empresas, sobre os pisos regionais, sobre aqueles que tem carteira de trabalho e recebem o salário mínimo, no seguro-desemprego;

d) Fortalece o mercado interno, pois assim teremos milhões de pessoas recebendo e comprando mais, o que aumentará a demanda e, por conseqüência, gerará mais empregos;

e) O salário mínimo é inflacionário? Não. É só lembrarmos que ultrapassamos a barreira dos US$100.00 no Brasil em 1991, 1995 e 1998. A inflação não aumentou e o desemprego diminuiu;

f) E as contas públicas? Compete ao Governo definir prioridades. O combate à fome, à miséria e a busca do emprego não está em primeiro lugar? Para mim está. Com essa afirmação indico as fontes de recursos para o aumento do salário mínimo. Os dados do Siafi demonstram que este ano há superávit na seguridade social de R$31 bilhões. Alguém poderia dizer: estão aí incluídos gastos como saúde, assistência e previdência, pagamento dos servidores públicos, mais de R$4 bilhões para o fundo de pobreza. Tirando tudo que se possa imaginar, o superávit ainda permanece com R$5 bilhões. A Receita Federal teve este ano o aumento de arrecadação de mais de 15,5%, aproximadamente R$3 bilhões. Esse valor, somado aos R$5 bilhões citados já garante o reajuste do salário mínimo;

g) Se o Governo deslocar o pagamento da contribuição previdenciária do empregador da folha de salários para o faturamento, daria para dar um aumento maior ao salário mínimo que estamos propondo e ainda estaríamos gerando mais empregos por meio da desoneração da folha;

h) Com certeza, se houvesse a cobrança dos devedores da previdência, arrecadaríamos outros bilhões que sustentariam o reajuste do salário mínimo e dos aposentados e pensionistas. De acordo com o próprio Ministério da Previdência, as dívidas para com o INSS são superiores a um orçamento anual da autarquia;

i) Para não dizer que não mencionamos as pequenas prefeituras, respondemos que não há na história do Brasil uma única prefeitura que fechou por culpa do salário mínimo, até porque é o aumento do salário mínimo que fortalece a economia dos pequenos centros. Sabe-se que não apenas no Nordeste, mas em 70% dos municípios brasileiros, o salário mínimo para os aposentados e pensionistas pagos pela Previdência Social é a principal receita da vida e da economia desses municípios. Na maioria deles, os benefícios da Previdência ultrapassam em valor as transferências do Fundo de Participação dos Municípios;

j) Vamos combater a fraude, a sonegação e a corrupção. Para cada real arrecadado neste País, um outro é desviado em forma de fraude, sonegação, corrupção.

É bom lembrarmos que, mesmo que ultrapassássemos a barreira dos R$300,00, o Brasil continuaria tendo um dos piores salários mínimos do mundo.

Por último, para aqueles que insistem em dizer que todo ano fazemos uma guerra política em relação ao salário mínimo, queremos informar que existe a possibilidade de por fim a essa incerteza e a essa discussão que se repete a cada ano às vésperas do seu reajuste.

Se aprovássemos o PLS nº 05, de nossa autoria, apresentado ao Senado no ano passado e há mais de uma década na Câmara dos Deputados, teríamos uma política permanente para o salário mínimo até que fosse atingido o que manda a Carta Magna. O que menciona o projeto? Em todo dia 1º de maio de cada ano, o salário mínimo será corrigido pela inflação dos últimos 12 meses, acrescido de R$0,20 a hora, ou seja, R$44,00.

Será que a sociedade brasileira não assimila o reajuste real para o salário mínimo de R$0,20 a hora uma vez ao ano? Isso significa os R$44,00.

Todos sabemos que, para combater a violência e garantir a inclusão social, o salário mínimo é um dos melhores caminhos. Em pesquisa recentemente publicada foi comprovado que, quanto mais a renda e o emprego do brasileiro cai, mais cresce a violência.

Concluímos com as palavras daquele que deu a sua vida no combate à pobreza e à violência, prêmio Nobel da paz em 1980, Mahatma Gandhi: “Nunca ninguém disse que uma miséria opressora leva a outra coisa que não à degradação moral. Todo ser humano tem direito de viver e, portanto, de encontrar o necessário para alimentar-se, vestir-se e habitar. Para esta incumbência, tão simples, não precisamos da ajuda dos economistas e de suas leis."

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2004 - Página 10494