Discurso durante a 42ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Greve dos policiais federais.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Greve dos policiais federais.
Aparteantes
Alberto Silva, Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2004 - Página 10874
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • APOIO, SUGESTÃO, ALBERTO SILVA, SENADOR, RECUPERAÇÃO, RODOVIA, ASSENTAMENTO RURAL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, HISTORIA, BRASIL, JUSTIFICAÇÃO, SOLIDARIEDADE, GREVE, POLICIAL, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, NEGOCIAÇÃO, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, PAGAMENTO, SALARIO, NIVEL SUPERIOR, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPERIENCIA, DIRIGENTE SINDICAL, EXPECTATIVA, DIALOGO, ATENDIMENTO.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Siqueira Campos, Senadoras e Senadores presentes na Casa, brasileiras e brasileiros que assistem a esta sessão de sexta-feira do Senado da República do Brasil, quis Deus que estivesse aqui presente este extraordinário Senador do Maranhão, ex-Governador Lobão, que preside com muita sabedoria, obstinação e firmeza uma das Comissões mais importantes do Senado da República, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

O pão de que mais necessitam os brasileiros é justiça, que é uma inspiração divina. Está no Velho Testamento que leis foram apresentadas ao líder escolhido por Deus. Essa foi uma orientação de Deus, de que o caminho é por aí.

Por esta Casa passou o jurista baiano, patrono deste Congresso, que disse que só um caminho tem a salvação, que é a justiça com a lei e dentro da lei”.

A Constituição Federal é o livro das nossas leis, a bíblia dos homens. Há as leis de Deus, que devemos obedecer, e as dos filhos de Deus do Brasil. A Constituição de outubro de 88 foi beijada pelo grande líder da redemocratização deste País, Ulysses Guimarães.

Esta Constituição, Senador Lobão, tem 29 vezes a palavra autoridade. A autoridade se engrandece e se fortalece, Senador Tião Viana, quando se curva diante das leis. Para isso, Moisés recebeu as tábuas da Lei.

Moisés quis fraquejar. Sua missão foi dura: 40 anos para tirar o povo de Deus. Ele não quis saber se o faraó era forte, se tinha exército ou se havia navio para atravessar o mar. Ele foi, passou pelo deserto, passou fome, seca e quis fraquejar e desistir. Aí ouviu uma voz: “Procurai os mais experimentados, os mais velhos. Os setenta mais velhos o ajudarão a carregar o fardo do povo”.

É isto o que queremos dizer ao Presidente Lula: chame o Senador Alberto Silva, como sabiamente chamou o estadista Sarney, que, sem dúvida nenhuma, é a proeminência, o que garante o equilíbrio. Sua Excelência tem que chamar homens experimentados em obras, como o Senador Alberto Silva, e homens experimentados e calejados, como o Senador Edison Lobão, que vê esse emaranhado de desrespeito à autoridade e à ordem, sem a qual não há progresso.

Meu professor de cirurgia, Mariano de Andrade, quando via um estudante querendo mostrar valor, operando apressadamente, dizia: “A ignorância é ousada”. Dizia ele que cirurgia não é corrida de cavalo e que a competência do cirurgião não é mensurada pela velocidade, mas pelas conseqüências do seu trabalho.

Senador Tião Viana, desde que o mundo é mundo, os homens procuraram se organizar e constituíram as instituições para garantir as leis. Dizem os sábios que força sem lei é truculência, mas lei sem força é fraqueza. Ontem, o Senador Alberto Silva falou que as forças talvez tenham se organizado em Roma, na civilizada Itália do Renascimento. E chegaram ao nosso País, moderno e avançado em todos os aspectos. Mas chegou um órgão de perfeição, um ícone: a Polícia Federal, sobre a qual darei meu testemunho.

A Polícia Federal é uma organização nota dez. Fui Prefeito, Deputado, governei o Piauí duas vezes com o povo e sou Senador da República.

Senador Edison Lobão, o período militar teve suas benções. O Senador Alberto Silva foi Governador no período militar e foi uma excelente e extraordinária dádiva da revolução ao Governo. Eu, impetuoso - ontem mesmo, S. Exª me chamou de rebelde -, achei por bem que devíamos apoiar um candidato do MDB a prefeito de nossa cidade, bem novinho.

Não é negócio de José Dirceu, de Lula. Participei da primeira eleição democrática em que o MDB fez um prefeito na minha cidade de Parnaíba. Não sei onde estavam José Dirceu e Lula. Comandamos, lideramos e ganhamos.

Naquele tempo, não sei como - quero dar este testemunho -, fui acusado de subversivo. Não sou José Dirceu, que fugiu; fiquei e enfrentei. Nem um milímetro o núcleo duro é mais duro e mais macho do que este homem do Piauí. Não fugi, fiquei. Fui para a praça pública e ganhamos. A primeira cidade talvez do Nordeste. O prefeito foi o Elias, que indicamos, que hoje é Deputado Estadual. Mas liderei os jovens, os médicos, e fui acusado de ser subversivo e comunista, Senador Tião, mas não fugi. Senador Alberto Silva, quero dar esse depoimento.

Quando eu descia do ambulatório Mário Lages, reformado por mim - fui convidado para ser Secretário de Saúde - de branco, às cinco horas, um rapaz muito decente e novo, parecia o Tião, elegante e bonito, bem afeiçoado, se apresenta na praça. Não sei onde andavam esses bravos. Eu não fugi. Enfrentei de peito aberto, fui para a luta. Éramos até adversários, mas eu e o Alberto sempre fomos unidos pelo ideal de fazer grande Parnaíba, o Piauí e o Brasil. Sempre houve esse respeito. Quando criança, eu já tocava chapa por ele. Mas estávamos nesse clamor, Senador Edison Lobão. Aí ele se apresentou: “Olha, eu sou da Polícia Federal e tenho graves acusações contra o senhor, inclusive que é subversivo, comunista e não sei o quê”. E ele disse: “O senhor tem algum amigo aqui?” Havia o jornal do Mário Meireles, bem próximo. Às 17 horas, eu fui, mas não tinham um reservado no jornal da nossa cidade. Aí, ele tornou a dizer: “Olha, eu tenho que terminar esse inquérito. Estou sediado na capitania. Já andei nesta cidade, e você é um dos homens mais dignos que conheço. E conheço o seu tio - sou do Maranhão - Almir Morais Corrêa.” Meu tio era maranhense. Outro dia, perguntei sobre esse jovem e soube que já havia falecido, porque eu queria agradecer e reverenciar. Vejam, então, o que era a Polícia Federal na época da ditadura. E ele disse: “Eu não quero que o senhor vá à capitania, para não constrangê-lo, porque estou lá, instalado, com a Polícia Federal - naquele tempo era a Capitania dos Portos. Era na época da ditadura, no início dos anos 70.

Senador Edison Lobão, eu morava com meu pai e minha mãe. Ele foi, junto com a Adalgisa, e bateram à máquina as perguntas que quiseram. Então, Senador Edison Lobão, nunca fui perseguido por nada. Assim, entendo o fundamento da Polícia Federal. Mas não acabou aí. V. Exª sabe, Senador Edison Lobão, como é a maldade política. Começaram a dizer então que eu estava envolvido com maconha, com tráfico e tudo, no Maranhão.

E aí, Senador Alberto Silva, lá vai de novo a Polícia Federal. Perguntam-me, então, se eu freqüentava determinada casa, ao que respondo que sim, pois sou médico e fui a um aniversário. Perguntam-me se eu sabia de alguma coisa. Eu disse que não. Sabia que ele era pastor, pois algumas vezes em que fui atender a chamado na casa dele, encontrei-o lendo a Bíblia. Quer dizer, a Polícia Federal sempre salvaguardou os homens de bem.

Depois, Sr. Presidente, Senador Eduardo Siqueira Campos, Deus me permitiu ser Governador do meu Estado. E nessa época já havia o crime organizado, os bandidos, e eu sempre dizia: organizado tem que ser o Governo; o resto é a desordem.

E teve aquele do Acre, como é o nome, Senador Tião Viana? Aquele do crime organizado?

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Hildebrando Pascoal.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Hildebrando Pascoal. Não sei se o nosso era bárbaro como ele, mas o acusavam de 30 mortes, o Cel. Correia Lima. Eu o prendi, mas contei com a colaboração da Polícia Federal, com o Delegado da Polícia Federal, com o Ministério Público. São essas coisas que quero deixar claras. E essa instituição, que é nota 10, que se iguala ao FBI - que é respeitado e aplaudido -, está em greve, Senador Alberto Silva, há dois meses.

Portanto, este é o assunto que trago à tribuna no dia de hoje: a greve da Polícia Federal, que já dura mais de um mês e tem sido alvo de críticas e de transtornos, sobretudo em face da intransigência exibida pelo Governo Federal no trato da questão.

E é uma atitude que surpreende e decepciona a todos por pelo menos dois motivos. O primeiro decorre de algo simples. Os grevistas, como pretendo demonstrar neste pronunciamento, têm razão, mas estão sendo tratados como se não tivessem. A lei - e irei demonstrá-lo - está ao lado deles, a espera pelo cumprimento da mesma já dura oito anos. O segundo motivo decorre do paradoxo de estar agindo assim um Governo que tem em seu comando um Presidente da República cuja liderança e prestígio foram forjados exatamente no trato desse tipo de questão. Quantas e quantas vezes o líder sindical Lula criticou a intransigência dos patrões mesmo quando nenhuma lei estava sendo violada? No caso presente, repito, a lei está com os policiais grevistas. E o Presidente e ex-líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva não manifesta a mais remota sensibilidade com a natureza do que está sendo reivindicado. E o que está sendo reivindicado é justo e rigorosamente legal.

Senão, vejamos: as Leis nºs 5.645, de 1970, e 9.266, de 1996, transformaram todos os cargos dos quadros da Polícia Federal de nível médio em nível superior. Primeiramente, foram os delegados, pela lei de 1970. Depois, vieram os agentes, os escrivães e papiloscopistas, em 1996.

Sr. Presidente, Senador Eduardo Siqueira Campos, ocorre que, em contradição com a elevação funcional dessas categorias ao nível superior, os vencimentos básicos respectivos não sofreram, desde então, qualquer alteração. Exigiram nível superior, mas não deram a compensação, que é o salário. Ou seja, servidores de nível superior recebem, ainda, oito anos após a sanção da lei, vencimentos de nível médio. E a situação é tanto mais esdrúxula quando se sabe que as diárias de deslocamento que eventualmente lhes são pagas têm como base a tabela de nível superior. Eles recebem as diárias de nível superior e não recebem os salários. Quer dizer, há o reconhecimento explícito de um direito que lhes é negado sistematicamente.

A situação seria risível e poderia ser encarada como mera falha da burocracia estatal não fosse a existência de afronta direta ao texto legal em vigor.

O Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal protocolou, em 17 de setembro de 2003, no gabinete do Diretor-Geral do Departamento da Polícia Federal, ofício em que encarecia que a reivindicação fosse encaminhada ao Ministro da Justiça para atendimento, o que foi feito no dia seguinte, com a observação do Diretor-Geral de que apoiava o pleito, com base em parecer da Coordenação de Recursos Humanos do próprio órgão e na manifestação da Advocacia Geral da União, de 2003. Recebido o expediente do Diretor da Polícia Federal, foi ele encaminhado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para “análise e manifestação dessa Pasta”, no dia 24 de outubro de 2003, após o que nada aconteceu.

O Governo silenciou sobre o pleito e não lhe deu resposta alguma, o que é simplesmente espantoso, para dizer o mínimo. Ao contrário, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, passou a acusar os policiais de tumultuarem a vida dos cidadãos nos aeroportos e de reivindicarem aumentos salariais. Incomodou-se - e incomoda-se - com as conseqüências, mas despreza as causas. E elas se resumem no desprezo aos direitos dos grevistas.

Parece-nos, Sr. Presidente, que esse Governo, para além do discurso da transparência, está se tornando mestre na mistificação e no desrespeito aos pleitos da sociedade. A tabela que foi anexada à Lei nº 9.266 herdou das normas anteriores, para agentes, escrivães e papiloscopistas, os valores dos vencimentos básicos das então tabelas de nível médio, consolidando a dicotomia entre a classificação funcional revista para cima e a remuneração retida em nível inferior, o que configura incongruência inaceitável.

Sr. Presidente, legislar não pode ser ato inócuo em nosso País se quisermos ter uma sociedade organizada e justa. Legislar e fazer respeitar as leis são pilares do Estado democrático de direito. A folclórica tradição brasileira de leis que “não pegam” é intolerável e demonstra o despreparo de dirigentes, legisladores e sociedade no exercício da democracia.

Quando os superiores desprezam as demandas de seus subordinados, colhem, fatalmente, o desgaste de sua autoridade.

Com a palavra o Senador Alberto Silva.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Senador Mão Santa, estou acompanhando seu discurso. Até parece que V. Exª está lendo um artigo de um grande jurista, como Ives Gandra. Eu conversava com o Senador Edison Lobão sobre o que o Senado poderia fazer para resolver esse impasse. V. Exª tem toda razão: a Polícia Federal é uma instituição que merece do povo brasileiro o maior respeito e admiração. Nós, que fomos Governadores - o Senador Edison Lobão, por duas vezes, no Maranhão, e eu e V. Exª no Piauí -, sabemos quanto vale a Polícia Federal não só no combate ao narcotráfico, mas também na segurança das fronteiras. Estamos cientes de que, se a Polícia Federal faltar no País, estaremos com a perna quebrada em matéria de segurança. Proponho que este assunto seja analisado em uma de nossas comissões técnicas, para encontrarmos uma maneira de adaptar o dinheiro que falta para cumprir a legislação. É isto que o Governo diz: “Não há dinheiro para cumprir a legislação”. A título de contribuição, poderíamos tentar encontrar, em discussões nas comissões técnicas, algum recurso que ainda não tenha sido utilizado pela equipe econômica. O Congresso Nacional poderia votar um projeto de lei para, por exemplo, deixarmos de pagar um pouco desses juros tão altos. Não estou falando de moratória, mas de um período de carência. Moratória é uma palavra que não se deve usar com o FMI. Toda dívida tem carência. Se tivéssemos um ano de carência para o pagamento da dívida, sobrariam alguns bilhões de dólares e poderíamos implantar um regime de geração de renda. Com isso, reivindicações como a da Polícia Federal poderiam ser satisfeitas, obedecendo-se à lei. Comungo com V. Exª da opinião de que a lei deve ser cumprida. Se não temos dinheiro para cumpri-la, devemos encontrar uma solução, e o Senado poderia dar essa contribuição. É o que me aconselha o Senador Edison Lobão, com sua experiência, inclusive na presidência de uma das mais importantes comissões técnicas do Senado Federal.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, que incorporo ao meu pronunciamento. A expectativa do Governo Lula foi ampliar a vivência democrática. E mais, o Líder do Governo nesta Casa refere-se sempre a um debate qualificado. Queremos o debate qualificado e queremos salvar essa instituição que zela pelo que está escrito na bandeira, que é Ordem e Progresso.

Cito Olavo Bilac, quando disse: “Criança, não verás nenhum país como este!” Será que, diante dessas belas crianças de Brasília, ele diria o mesmo? Temos índio matando garimpeiro, conflitos em favelas, brasileiros mendigando emprego.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Deus disse: “Comerás o pão com o suor do teu rosto”. Ensinava, enviando a mensagem, que é obrigação e dever dos governantes propiciarem emprego.

Peço a generosidade do Sr. Presidente na consideração do meu tempo, porque neste debate não poderia faltar a experiência e a clarividência do Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Prometo ser muito rápido. Apenas quero dizer que o conceito que fazem V. Exª e o Senador Alberto Silva da Polícia Federal é o mesmo que faço: é uma instituição notável. Esse problema salarial precisa ser resolvido. A Senadora Heloísa Helena nos lembra que, com apenas 1% do superávit, hoje tão perseguido pelo Governo Federal, conseguiríamos resolver plenamente a situação da Polícia Federal.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Concluindo, Sr. Presidente, peço ao Presidente Lula que tenha sensibilidade e solucione esse impasse: abra o diálogo com a Polícia Federal, uma vez que a greve é por justiça, é por uma questão legal.

O País está ameaçado, pois mesmo que o PT não troque a nossa bandeira multicolor - verde, amarela, azul e branca - por uma vermelha, corremos o risco de que o lema positivista Ordem e Progresso seja mudado para Desordem e Regresso nesse Governo.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2004 - Página 10874