Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao governo para que revogue o Decreto 5.036/2004, que conferiu à Secretaria de Áudio Visual do Ministério da Cultura atribuições e funções semelhantes às da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Protesto contra a interrupção da transmissão, pela TV Senado, de audiência pública da Comissão de Educação.

Autor
Osmar Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. POLITICA CULTURAL. SENADO.:
  • Apelo ao governo para que revogue o Decreto 5.036/2004, que conferiu à Secretaria de Áudio Visual do Ministério da Cultura atribuições e funções semelhantes às da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Protesto contra a interrupção da transmissão, pela TV Senado, de audiência pública da Comissão de Educação.
Aparteantes
José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 06/05/2004 - Página 12255
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. POLITICA CULTURAL. SENADO.
Indexação
  • APREENSÃO, ALTERAÇÃO, DIRETRIZ, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, PODER, AGENCIA NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, RISCOS, ESTABILIDADE, INVESTIMENTO.
  • COMENTARIO, DECRETO FEDERAL, CONCESSÃO, SECRETARIA, AUDIOVISUAL, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), COMPETENCIA, SEMELHANÇA, AGENCIA NACIONAL, CINEMA, REDUÇÃO, FUNÇÃO, AGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, POLITICA NACIONAL, PRODUÇÃO CINEMATOGRAFICA, DESRESPEITO, ACORDO, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, SOLICITAÇÃO, REVOGAÇÃO.
  • ANUNCIO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, AUDIOVISUAL, PROTESTO, REDUÇÃO, PODER, AGENCIA, CINEMA.
  • PROTESTO, ATUAÇÃO, DIRETOR, EMISSORA, TELEVISÃO, SENADO, SUSPENSÃO, TRANSMISSÃO, AUDIENCIA PUBLICA, PRESIDENTE, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, MOTIVO, EXIBIÇÃO, REUNIÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, DESRESPEITO, SENADOR, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, MESA DIRETORA.

O SR. OSMAR DIAS (PDT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Papaléo Paes gentilmente inscreveu-se e cedeu-me a vez para que eu pudesse ocupar a tribuna nesta tarde como Presidente da Comissão de Educação do Senado e expressar o meu inconformismo com os ardis que o Governo do PT tem posto em prática desde que assumiu o comando da Nação.

Refiro-me, desta vez, aos recentes episódios relacionados às novas diretrizes estabelecidas pelo Governo para a política do audiovisual em nosso País. Mas gostaria que aqueles que me ouvem fizessem uma ligação da nova situação com a das agências reguladoras de todos os setores, porque me parece que o Governo está adotando uma medida experimental que, se der certo para a agência de audiovisual, deverá ser expandida para as outras. Assim, começa a ficar clara qual é a política do Governo do PT para as agências reguladoras.

Comentarei, portanto, um fato concreto, que pode ser entendido até mesmo como uma denúncia, para mostrar que o que pretende o Governo é destruir o poder das agências reguladoras, que representam instrumentos importantes para dar segurança aos investidores internacionais e até para a promoção do desenvolvimento econômico do País. Afinal, sem as agências reguladoras, os investidores fugirão.

No dia 8 de abril, fomos surpreendidos pela publicação, no Diário Oficial da União, do Decreto nº 5.036, de 7 de abril de 2004, que conferiu à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura atribuições semelhantes às exercidas pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), em um processo claríssimo de esvaziamento das funções reguladoras desse órgão.

Repetirei: o Governo, no Decreto nº 5.036, deu à Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura atribuições muito parecidas com as atribuições da Ancine, com o objetivo claro de esvaziá-la.

Segundo a nova reestruturação do Ministério da Cultura, estabelecida pelo decreto, à Secretaria do Audiovisual compete “aprovar e controlar a execução de projetos de co-produção, produção, distribuição, comercialização, exibição e infra-estrutura relativas às atividades cinematográficas realizadas com recursos públicos e incentivos fiscais”. Ora, essa é exatamente a principal função da Ancine, criada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso na Medida Provisória nº 2.228, de 6 de setembro de 2001. Assim, a principal atribuição da Ancine está sendo transferida para a Secretaria do Audiovisual.

Sr. Presidente, mais uma vez o Governo do PT demonstra seu extremo desapego às instituições republicanas reguladoras, representadas pelas agências. A sobreposição de funções criada pelo Decreto nº 5.036 claramente tem o propósito de reconduzir o Ministério da Cultura à dianteira na elaboração da Política Nacional de Cinema, retirando a Ancine desse posto.

O ato do Governo é de uma inconsistência brutal e interfere de maneira direta e indevida nas suas relações e negociações com esta Casa. No Projeto de Lei nº 3.337, de 2004, enviado pela Presidência da República, e que trata das agências reguladoras, foram atendidas algumas sugestões da Comissão de Educação, a qual tenho a honra de presidir, e da Subcomissão Permanente de Cinema, Comunicação e Informática desta Casa, presidida pelo Senador Roberto Saturnino. A estabilidade dos atuais dirigentes das agências e a preservação das prerrogativas funcionais desses órgãos estariam garantidas.

A iniciativa de garantir a estabilidade dos dirigentes das agências e preservar as suas prerrogativas era uma decisão adotada pelo Governo, recomendada pela Comissão de Educação e pelo Congresso Nacional. Mas o que estamos presenciando, no caso da Ancine, é o total desrespeito ao que foi pactuado, ou seja, ao acordo estabelecido entre o Congresso e o Governo.

E não termina aí. No último dia 18 de abril, o Ministro Gilberto Gil concedeu entrevista ao Jornal do Brasil em que afirmou que o Presidente da República deve encaminhar ao Congresso Nacional, nos próximos dias, mais uma medida provisória. Lembramos que será mais uma dentre as quase cem já encaminhadas, que estão trancando a pauta e impedindo a votação de projetos de lei de iniciativa de Senadores e Deputados no plenário e nas comissões. As comissões estão com o seu trabalho praticamente obstruído em função do número excessivo de medidas provisórias. O Congresso está engessado.

Lá fora nós temos que ouvir que o Congresso não vota mais nada. É claro, ele só vota medidas provisórias, que impedem a tramitação normal dos projetos. E nós temos que ficar ouvindo que o Congresso não está votando. Parece que nós não estamos cumprindo a nossa responsabilidade.

Parece-me uma estratégia do Governo engessar o Congresso mesmo. Porque o Governo não aceita iniciativas dos Senadores e dos Deputados. O Governo quer ser dono de todas as idéias que considera boas e inteligentes. E, por isso mesmo, manda mais medidas provisórias.

Então, com mais uma medida provisória, o Governo pretende criar, Senador José Jorge, mais uma agência - Agência Nacional do Audiovisual (Ancinav) - e, conforme o Ministro Gilberto Gil, ainda não há nomes para a direção da nova agência.

Mas o que vai ser feito da Ancine? Se vai ser criada a Ancinav, segundo o Ministro Gilberto Gil, que destino vai ser dado à Ancine? E qual será o destino dos diretores da Ancine que foram aprovados pelo Senado Federal, que têm um mandato com prazo determinado, e que, com isso, perdem a estabilidade? Perde-se também o princípio pelo qual foram criadas as agências reguladoras.

A minha impressão, Senador José Jorge, é de que o Governo está implantando essa sistemática como experimento. Cria uma secretaria, que assume as atribuições da Ancine, esvazia a Ancine. Cria uma outra agência reguladora por medida provisória, a Ancinav, e me dá a impressão de que isso tudo caminha para a mesma direção: o esvaziamento da Ancine. Isso significa desautorizar o Congresso Nacional, o Senado Federal, que aprovou os nomes indicados pelo próprio Presidente da República para comporem a diretoria da Ancine. De repente, uma secretaria é criada no Ministério da Cultura e uma medida provisória é enviada para que haja a instalação de outra agência reguladora. Não dá para entender!

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. OSMAR DIAS (PDT - PR) - Como não estou conseguindo entender o assunto, gostaria de ouvir V. Exª, Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Osmar Dias, na realidade, desde que assumiu o poder, o Governo desprestigia as agências reguladoras sob as mais diversas formas. Em primeiro lugar, há um funcionário do Governo pronto para desmentir tudo o que qualquer diretor de agência diz. Assim é na das telecomunicações, da energia e do petróleo e, agora, também na do cinema, a Ancine. Sabemos que se trata de uma agência nova, que vem realizando seu trabalho, pois estamos vendo, inclusive, que o cinema nacional, durante os últimos dois anos, vem tomando um vulto diferente. Mas eles, na realidade, não têm lógica na forma de trabalhar. Agora, criam uma secretaria no Ministério, o que considero desnecessário. Essa medida provisória já foi assinada ou apenas anunciada?

O SR. OSMAR DIAS (PDT - PR) - O Ministro Gilberto Gil, em uma entrevista dada ao Jornal do Brasil no dia 18 de abril, noticiou a criação de uma nova agência reguladora, a Ancinave, por meio de uma medida provisória.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Tenho esperança de que esse desejo do Ministro Gilberto Gil não passe pela Casa Civil ou pelos órgãos de decisão do Governo, como muitas outras questões que estamos acompanhando na Comissão de Educação. O Ministro anunciou que as cotas e a universidade para todos, por exemplo, seriam implantadas por medidas provisórias que, depois, foram interrompidas. Assim, juntamente com V. Exª, faço um apelo ao Governo para que não mande mais essa medida provisória para o Congresso Nacional, porque, depois, seremos acusados de não permitir a aprovação das matérias. Não somos nós que o fazemos. Desde o dia 19 de fevereiro, aprovamos 30 medidas provisórias e dois projetos de lei, mas, a cada dia, o Governo nos manda mais matérias. Há oito medidas provisórias trancando a pauta do Congresso Nacional. Portanto, é o Governo que não deixa que façamos esse trabalho. Então, presto solidariedade a V. Exª. Vamos criar, na Comissão de Educação, um ponto de referência para as medidas provisórias na área de educação e cultura. Muito obrigado.

O SR. OSMAR DIAS (PDT - PR) - Muito obrigado, Senador José Jorge. Aliás, o acordo que o Governo tem com a Comissão de Educação e, portanto, com o Senado Federal é o de que não haverá nenhuma alteração nas estruturas das agências reguladoras senão por projeto de lei. Se houver qualquer iniciativa do Governo para modificar as agências reguladoras, será mais um acordo descumprido. Não quero nem lembrar a PEC paralela, de nº 77, pois todos os Senadores estão incomodados com isso, já que muitos votaram confiando no acordo que o Governo estabeleceu com o Senado Federal de que ela também seria votada na Câmara dos Deputados durante a convocação extraordinária, que foi realizada exclusivamente para isso. No entanto, até hoje, a PEC paralela não foi votada, não nos foi dada uma satisfação, e o Governo parece não querer falar a respeito do assunto.

Da mesma forma, o acordo a respeito das agências reguladoras começa a ser descumprido no momento em que o Governo anuncia, por intermédio do Ministro Gilberto Gil, que vai elaborar uma medida provisória criando uma nova agência. Isso significa que o acordo será duas vezes quebrado: primeiro, ao ser feita uma medida provisória e, segundo, ao praticamente dizimarem-se os poderes da Ancine, o que é, sem dúvida alguma, inexplicável.

Esse episódio de esvaziamento da Agência Nacional de Cinema tem um caráter emblemático e até explicativo sobre quais são as reais intenções do Partido dos Trabalhadores, que está no Governo, em relação ao marco regulatório brasileiro. Hoje, a vítima é a Ancine; amanhã, poderá ser a Anatel, a ANP, a Agência de Energia e assim por diante. Quando o Congresso acordar, as agências reguladoras estarão pulverizadas e diminuídas a funções meramente decorativas, confundindo as razões de Governo com as de Estado.

As agências reguladoras, dotadas de plena autonomia administrativa e financeira, surgiram com a finalidade precípua de se criar um clima de confiança e estabilidade para novos investimentos, mas, se, a todo momento, mudanças bruscas forem realizadas e promessas e compromissos forem simplesmente desconsiderados, tal propósito dificilmente será atingido.

Sr. Presidente, apelo ao Governo que revogue o Decreto nº 5.036, de 2004, e que esclareça o futuro da Ancine. Vou até solicitar, por meio da Comissão de Educação, que o Governo dê os seus esclarecimentos sobre o que pretende fazer com a Ancine, a fim de que se restabeleça o clima de confiança e cooperação nas negociações políticas em nosso País.

É preciso um pouco mais de espírito republicano, patriótico, e é isso que estamos pedindo ao Governo, porque, do jeito que vai, o Congresso perderá aos poucos a sua função. E a democracia, Sr. Presidente, exige que o Congresso seja fortalecido.

Acredito seriamente que o Governo vai revogar o decreto e que o anúncio feito, numa entrevista, pelo Ministro Gilberto Gil não se concretizará, porque seria o começo da pulverização e do enfraquecimento das agências reguladoras. Isso, sem dúvida, está tornando claro qual é o pensamento do Governo em relação às agências reguladoras, que são importantes, sim, para a atração de novos investimentos, gerando a segurança institucional que os investidores estrangeiros exigem.

Antes de encerrar, Sr. Presidente - esse era o propósito do meu pronunciamento de hoje, e agradeço ao Senador Papaléo Paes -, quero dizer que recebi um telefonema do Senador José Sarney, Presidente da Casa, a respeito de um episódio deplorável que aconteceu hoje, na Comissão de Educação do Senado, propiciado pelos dirigentes da TV Senado, o qual quero tornar público.

O que os dirigentes da TV Senado fizeram hoje não se faz, pois desrespeitaram a Comissão de Educação do Senado e os brasileiros que, em casa, estavam assistindo a uma audiência pública do Presidente Carlos Lessa, do BNDES, do Diretor da Associação Nacional dos Jornais e de dirigentes de jornais do País, os quais discutiam um assunto de extrema importância, a respeito do qual, com certeza, os brasileiros querem saber: o empréstimo do BNDES à mídia, às empresas de televisão e à imprensa escrita. Se o BNDES tem linha de crédito para pagar dívida, será que os outros setores da economia serão também beneficiados com empréstimos semelhantes?

A Comissão foi convocada por requerimento aprovado. Procedíamos ao debate, transmitido ao vivo pela TV Senado, quando fomos surpreendidos por várias ligações feitas à Secretaria da Comissão, cerca de uma dezena, em que diziam: “Por que a TV Senado, que transmitia uma reunião da Comissão de Educação a respeito de assunto de interesse nacional, de repente, passou a transmitir a reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania?”

Sempre acreditei que, nesta Casa, não havia Senador de primeira e de segunda categoria, e espero que os diretores da TV Senado pensem o mesmo. Da mesma forma, penso não haver Comissão de primeira e segunda categorias, pois, do contrário, deveremos estabelecer uma classificação que não existe no Regimento.

O desrespeito dos diretores da TV Senado provoca não só o meu protesto, mas também o registro, por escrito, que farei ao Presidente, cobrando uma posição da Mesa do Senado para que esse episódio não se repita, porque nunca vi a transmissão da reunião de uma Comissão ser interrompida e substituída por outra. Já vi, sim, isso acontecer para que a sessão do plenário tivesse prioridade, o que é elogiável. Entendemos que a nossa prioridade é o plenário. No entanto, sinceramente, interromper a transmissão de uma reunião da Comissão de Educação? Não estou questionando aqui a importância da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, nem o assunto que estava sendo abordado. Podia ser o assunto mais importante do mundo, que não justificava o desprezo que a Comissão de Educação recebeu hoje da TV Senado. Eu exijo explicações da TV Senado. Eu exijo explicações de seus diretores. Vou transmitir isso, por escrito, à Mesa, porque o que eles fizeram é um desrespeito aos Senadores da Comissão, aos convidados que lá estavam e a todos os brasileiros que estavam assistindo naquele momento à transmissão da reunião pela TV Senado.

Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, se isso virar uma prática, ficará muito difícil continuarmos elogiando o excelente trabalho da TV Senado. Por onde vou, em todo o interior do Paraná, as pessoas acompanham, por intermédio da TV Senado, os trabalhos da Casa. Esse magnífico trabalho da TV Senado e, sobretudo, a iniciativa de quem a implantou, que foi o próprio Senador José Sarney, não podem ser atingidos de forma negativa por uma postura, por uma conduta repreensível em todos os aspectos.

Estou protestando e vou levar esse caso à Mesa do Senado e cobrar providências a respeito.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/05/2004 - Página 12255