Discurso durante a 66ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Entrada da empresa Natura na Bolsa de Valores. Parceria da empresa Natura com cooperativas de castanheiros da Amazônia. Discussão de um novo modelo de desenvolvimento para a região amazônica.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Entrada da empresa Natura na Bolsa de Valores. Parceria da empresa Natura com cooperativas de castanheiros da Amazônia. Discussão de um novo modelo de desenvolvimento para a região amazônica.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/2004 - Página 16691
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, ENTRADA, BOLSA DE VALORES, EMPRESA, INDUSTRIA, COSMETICOS, ELOGIO, COMPROMISSO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, PARCERIA, COOPERATIVA, EXTRATIVISMO, CASTANHA DO BRASIL, FLORESTA AMAZONICA.
  • ANALISE, POSSIBILIDADE, PARCERIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • COMENTARIO, ALTERAÇÃO, CURRICULO, CURSO SUPERIOR, ENGENHARIA FLORESTAL, ABERTURA, POSSIBILIDADE, APROVEITAMENTO, MADEIRA, RECURSOS FLORESTAIS, AUSENCIA, DESMATAMENTO.
  • CRITICA, LIMITAÇÃO, BRASIL, PRODUÇÃO, MATERIA-PRIMA, AUSENCIA, CRIAÇÃO, TECNOLOGIA, ESPECIFICAÇÃO, CACAU, CHOCOLATE, CAFE, SOJA.
  • DEFESA, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO NORTE (FNO), PROJETO, AUMENTO, VALOR, BENEFICIO, RECURSOS FLORESTAIS, MANEJO ECOLOGICO.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer o registro de uma atividade econômica e de uma empresa brasileira de grande sucesso. Aproveito a oportunidade do sucesso dessa empresa para ancorar uma discussão sobre modelo de desenvolvimento. A empresa Natura entrou na Bolsa de Valores. Talvez a maior empresa brasileira na produção de cosméticos e perfumes, a Natura é caracterizada pelo compromisso social e ambiental. O ingresso de uma empresa como ela na Bolsa de Valores, no altar-mor do capitalismo financeiro, não seria novidade, até porque as grandes empresas buscam capitalizar-se nas bolsas.

O que é novidade, no caso da Natura, é o seu compromisso ambiental. A Natura desenvolve há alguns anos uma parceria com os castanheiros do Iratapuru, rio que sobe a serra do Tumucumaque. Há menos de 10 anos esses castanheiros viviam no regime de barracão, num regime de intensa exploração do seu trabalho. Após terem se organizado em cooperativas, eles passaram a estabelecer o controle da coleta da castanha, um alimento de grande qualidade nutritiva. Assim, eles passaram a dominar toda a cadeia, da coleta à industrialização e à comercialização.

A associação entre uma empresa do porte da Natura e uma cooperativa de castanheiros encravada no coração da floresta amazônica é emblemática para o debate de um novo modelo de desenvolvimento econômico-social com responsabilidade ambiental.

Esse fato permite-nos refletir, Senador Antonio Carlos, da Bahia generosa, do cacau e de Dorival Caymmi, sobre modelos de desenvolvimento. Uma associação entre um grande empreendimento, com plantas industriais em vários países da América Latina, e uma pequena cooperativa de castanheiros que há poucos anos viviam no regime de semi-escravidão mostra que a sociedade brasileira está atenta às novas possibilidades de agregar valores diferenciados a produtos como os cosméticos e os perfumes da Natura, mas também mostra a possibilidade de utilização diversificada da floresta amazônica, sem a necessidade de convertê-la em pastos ou em campos de soja para exportação.

Vejam as possibilidades que existem na construção desse novo modelo. Trata-se de uma floresta que já está plantada há séculos e da qual podemos usufruir sem destruí-la.

O que a Natura faz com esses castanheiros do Iratapuru? Os castanheiros coletam a castanha, esmagam-na, produzem o óleo da castanha, e a Natura, então, compra esse óleo semi-industrializado para a produção dos seus cosméticos. Os castanheiros coletam também o breu branco, uma resina que se encontra em abundância na floresta, para produzir um fixador de perfume de primeiríssima qualidade. Esses são produtos não-madeireiros da floresta. Existem ainda os cipós, as castanhas, as seivas para utilização medicinal.

Há, portanto, uma gama de possibilidades de uso de recursos da floresta, de produtos não-madeireiros, além, evidentemente, do tradicional uso da floresta para extração de madeira. É possível hoje fazer extração de madeira sem destruir a floresta, e essa tecnologia não foi desenvolvida nas nossas universidades, pois os nossos cursos de Engenharia Florestal foram pensados para o reflorestamento. Olhem a contradição com a questão da Amazônia!

Os engenheiros florestais da nossa região - ultimamente está-se começando a estabelecer uma mudança curricular e de conteúdo nesses cursos - estavam voltados para a produção de floresta industrial, da floresta monoespecífica. Na Amazônia, os nossos engenheiros possuem, vivendo no coração da floresta, uma floresta viva, diversificada, heterogênea, e recebem conhecimento e desenvolvem as tecnologias para a floresta industrial.

E lembro da Jari Celulose, do lendário Daniel Ludwig, que trouxe uma fábrica pelo mar, que atravessou do Japão ao rio Jari com uma fábrica de celulose montada em cima de uma balsa. Esse cidadão americano transformou mais de 100 mil hectares de floresta heterogênea em floresta monoespecífica, para extração de celulose, com a ajuda dos nossos engenheiros florestais - que aprenderam a tratar com floresta industrial, quando, na verdade, nós, da Amazônia, nós, que vivemos na floresta heterogênea, precisamos de conhecimento para desenvolver o manejo florestal de uso madeireiro dessa floresta permanente e sustentável.

A associação entre a Natura e um grupo de castanheiros no coração da floresta nos permite, sim, ilustrar esse novo modelo que pretendemos para a Amazônia, esse novo modelo que o Governo ensaia executar, porém não começa. Ele já tem as diretrizes, mas não tem os projetos, e é preciso delineá-los.

Fiz uma sugestão ao Ministro Ciro Gomes, para que não se repita na Amazônia o que ocorreu na Floresta Atlântica, pois há amplas possibilidades e grande diversidade vegetal e animal ali, para que não ocorra lá o que ocorreu na querida Bahia do Senador Antonio Carlos Magalhães, grande produtora de cacau durante décadas. Apesar disso, as tecnologias para a produção de chocolate ficaram nas mãos dos europeus, que disputam - suíços, belgas e franceses - quem produz o melhor chocolate. Mas nenhum deles conhece um pé de cacau, nobre Senador.

Fato semelhante ocorre com o café. O Brasil tem sido o maior produtor de café do planeta durante décadas, durante quase um século, mas não desenvolvemos tecnologia alguma para fazer o café, uma coisa simples. Os italianos, então, se especializaram e desenvolveram uma grande quantidade de equipamentos para fazer café. Todas as cafeteiras e filtros são italianos, e ficamos como fornecedores de matéria-prima.

Neste País, fornecer matéria-prima satisfaz a um grupo muito reduzido de empresas, que controla a política. Receio que estejamos caminhando na mesma direção com a soja. A Holanda, hoje, é o maior exportador de soja do mundo. Na Holanda, não nasce um pé de soja. Quando o Japão importa grão de soja, o imposto é zero; mas, se vendemos a eles o azeite ou a torta, o imposto vai a 120%. Ou seja, estamos exportando natureza e emprego.

Senador Paim, nosso Presidente, tenho uma preocupação em relação aos nossos pontos limítrofes. Aprendemos - e há várias crianças e pré-adolescentes presentes - que o Brasil começa no Oiapoque e termina no Arroio Chuí, lá embaixo. Pois, Senador Paim, V. Exª sabe que o rio Chuí está desaparecendo, está secando, está sendo assoreado devido à rizicultura irrigada. Daqui a pouco, não teremos mais esse marco, porque o Chuí não mais existirá. Essa cultura se alimenta do leito do Chuí, o marco geográfico do nosso País, e não só fará com que o arroio desapareça como ela mesma, assim como desapareceu a cultura do cacau na Bahia.

Utilizamos, de forma desavisada, os nossos recursos naturais. O Oiapoque, fronteira com a Guiana Francesa, uma espécie de intersecção entre o Mercosul e a União Européia, pois a Guiana é um departamento francês, está mergulhado no abandono. Imaginem, uma fronteira extensa de 640 quilômetros!

Num extremo, o Chuí desaparece pela utilização predatória de suas águas; no outro, o Oiapoque está mergulhado na violência pela ausência do Estado, não só do federal, mas também das autoridades estaduais. São crimes que se repetem num núcleo urbano que não ultrapassa dez mil habitantes, e mais parece que estamos num grande centro, na periferia das grandes cidades.

Portanto, o nosso País, além do uso racional, deve repensar os modelos que provocaram esse exército imenso de excluídos de Norte a Sul. É bem verdade que o capitalismo brasileiro é periférico, e exclui algumas regiões. A Amazônia é uma região periférica de um País periférico, portanto, todas as vezes em que se juntaram desejos políticos de mudança de modelo, ficamos impedidos e esmagados, porque o modelo que pretendíamos não correspondia ao modelo de mercado.

O que avança é a fronteira agrícola, inicialmente nos anos 70, na época da ditadura militar, levada pela pata do boi; e, hoje, desgraçadamente, pela soja. Não que a soja seja prejudicial, ela é um alimento de primeiríssima qualidade. Aliás, para resolver a fome do mundo, bastava utilizá-la para alimentação humana, em vez de exportarmos para alimentar as vacas européias. É isto que fazemos: produzimos a proteína vegetal e a reciclamos para produzir proteína animal a altíssimo custo, a 10 por 1. São 10 quilos de matéria seca, de proteína e energia vegetal, para produzir um quilo de carne, proteína animal. Gostaríamos de ver essa soja alimentando o mundo, pois ela é riquíssima em proteína. Em sua composição, há 40% de proteína de altíssima qualidade. A soja não resolverá o problema da fome. A revolução verde não resolveu; ao contrário, concentrou e ampliou: concentrou os que comem bem e ampliou o número de famintos.

Aqui presente temos o Senador Augusto Botelho, que vem lá do Hemisfério Norte. Este é um País continental, em que uma pequena parte está no Hemisfério Norte - nós, da Região Norte, com mais 80% do nosso território no Hemisfério Norte - e o restante do País todo no Hemisfério Sul, chegando até aos climas amenos do Sul brasileiro.

Por último, retomo o relato da nossa discussão com o Ministro Ciro Gomes e a Ministra Marina Silva. Falando ao Ministro, disse a S. Exª que, já que o Fundo de Desenvolvimento Regional foi pulverizado entre os Governadores e não há dinheiro para reativar a Sudene, há o FNO, que está no Basa, que, em nossa região, poderia ser dividido em duas partes: uma para os financiamentos tradicionais; outra para o financiamento de atividades dentro desse novo modelo de desenvolvimento. Poderíamos financiar a cadeia produtiva da floresta, os recursos madeireiros e não-madeireiros. Nos madeireiros, poderíamos financiar a indústria moveleira, desde a ponta do manejo, com inventários, utilização correta, coleta, serragem, comercialização e gestão. Criaríamos um grande programa para financiar essa cadeia inteira de utilização de recursos madeireiros e um outro para os recursos não-madeireiros da floresta. Assim, nos engajaríamos nessa visão de desenvolvimento econômico e social sem, necessariamente, reproduzir o mesmo modelo predador que está destruindo o Chuí e tantas culturas e atividades econômicas desenvolvidas pelo povo, pela sociedade brasileira.

Sr. Presidente, encerro aqui exortando a essa discussão de um modelo de desenvolvimento, de atividades econômicas que nos elevem à condição de não termos concorrentes, como é o caso da Amazônia. A infinidade de possibilidades de que dispomos naquela região faz com que tenhamos produtos exclusivos, que só nós podemos produzir ou que só nós podemos ter com o diferencial da responsabilidade social e da preservação ambiental.

Quem quiser conhecer o Iratapuru, basta acessar a Internet, no Google, que encontrará muitas referências sobre essa tentativa de construção de uma sociedade sustentável. A minha expectativa é de que a Natura decida também colocar uma planta industrial para a produção de cosméticos e de perfume no coração da floresta, invertendo essa lógica da proximidade com o mercado e agregando o valor fundamental de preservação do patrimônio ambiental, que não é só nosso, mas de toda a humanidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/2004 - Página 16691