Discurso durante a 85ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Visita ao Estado de Rondônia da Comissão Externa do Senado que examina conflitos fundiários em terras indígenas.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. POLITICA MINERAL.:
  • Visita ao Estado de Rondônia da Comissão Externa do Senado que examina conflitos fundiários em terras indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2004 - Página 18854
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. POLITICA MINERAL.
Indexação
  • ANUNCIO, VIAGEM, ESTADO DE RONDONIA (RO), COMISSÃO EXTERNA, SENADO, INVESTIGAÇÃO, CONFLITO, EXPLORAÇÃO, DIAMANTE, RESERVA INDIGENA, JUSTIFICAÇÃO, AUSENCIA, ORADOR.
  • IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, DEBATE, MINERAÇÃO, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, TERRAS INDIGENAS.
  • RECOMENDAÇÃO, ATENÇÃO, DOCUMENTO, ASSEMBLEIA GERAL, ENTIDADE, ORGANIZAÇÃO, INDIO, REGIÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), DENUNCIA, HISTORIA, VIOLENCIA, RESERVA INDIGENA, MORTE, HABITANTE, ILEGALIDADE, INVASÃO, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, DIAMANTE, PERSEGUIÇÃO, LIDERANÇA, GRUPO ETNICO, OMISSÃO, ESTADO, EFEITO, CONFLITO, GARIMPEIRO, ATUALIDADE.
  • REGISTRO, CONFIANÇA, LIDERANÇA, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DE RONDONIA (RO), DIALOGO, GOVERNO FEDERAL, OPORTUNIDADE, PARTICIPAÇÃO, INDIO, ENCAMINHAMENTO, PROJETO, AUTO SUFICIENCIA, GESTÃO, GARIMPAGEM, DIAMANTE, CRIAÇÃO, MODELO, MINERAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Comissão Externa do Senado que examina conflitos fundiários em terras indígenas, já apresentou relatórios sobre conflitos em Roraima e Mato Grosso do Sul, agora examina o conflito centrado na disputa pela exploração de diamantes na reserva Roosevelt, do povo Cinta Larga. Em função disso, visita hoje o estado de Rondônia.

Convidada a acompanhar essa visita, lamentavelmente estou pessoalmente impedida de fazê-lo, devido a internamento hospitalar a que tenho de me submeter neste fim de semana, a partir de hoje.

Contudo, além de publicamente justificar minha ausência, quero chamar a atenção para alguns aspectos dessa delicada questão, que referencia toda uma discussão no Executivo e no Congresso Nacional sobre mineração em terras indígenas e, em sentido mais amplo, sobre o relacionamento do Estado e da sociedade brasileira com as comunidades indígenas, seus direitos naturais e constitucionais, e suas práticas e projetos em relação aos recursos em seus territórios.

Nesse sentido, quero ressaltar, em primeiro lugar que, em se tratando de iniciativas que envolvam diretamente os direitos e interesses de comunidades indígenas, temos o dever de contatá-las diretamente, ouvir com atenção e respeito as suas lideranças e organizações.

Para além do contato direto com a comunidade da reserva Roosevelt, recomendo, particularmente, a devida consideração dessa Comissão e das autoridades rondonienses, ao documento, produzido em assembléia geral indígena, que se deu em 27 e 28 de maio passado, em Porto Velho, sob a coordenação da Cunpir - entidade que articula o conjunto das organizações indígenas de Rondônia e região circunvizinha.

Esse documento dirige-se às autoridades e à sociedade brasileiras para os temas que mais afligem as comunidades indígenas de Rondônia neste momento, sendo o caso Cinta Larga o tema mais demoradamente debatido na e o que mereceu maior destaque em seu documento final.

Ali, os representantes de 47 etnias de nossa região, traçam um breve histórico do que tem sido a relação dos Cinta Larga, desde ao anos 60, sob a violenta ação de empresas seringalistas, dos projetos agropecuários, construção de estradas, e a criação do Polonoroeste.

Lembram que uma CPI, de 1960, encheu cinco mil páginas com registros de como fazendeiros e funcionários de governo dizimaram milhares de índios com alimentos envenenados com arsênico, bombas de dinamite e brinquedos contaminados com vírus de gripe, sarampo e varíola que eram lançados de avião sobre as aldeias Cinta Larga. Nos anos 80, foi vez da exploração ilegal de madeiras nobres. A partir de 1999, a garimpagem de diamantes.

Dessa fase mais recente, os Cinta Larga, após três anos de agressões e traições, compreenderam que as parcerias com “brancos” lhes era drasticamente prejudicial - social, cultural, ambiental e economicamente. E, a partir dessa experiência, desistiram decididamente de todas as parcerias até então tentadas. Desde então, passaram a sofrer redobrada campanha de invasões e calúnias: estudantes Cinta Larga tiveram de abandonar a escola, seus líderes são perseguidos, impedidos de circular livremente pelas cidades, acusados injustamente de envolvimento em diversos crimes e vitimados por violenta campanha difamatória - que atinge indistintamente os índios das diferentes etnias de toda a região.

Assim, sob histórico abandono à crueldade da ambição capitalista, invisíveis aos olhos do Estado, da Justiça e da Sociedade brasileira, gestou-se o conflito que culminou no lastimável confronto com garimpeiros em 7 de abril passado.

Como corretamente aponta o documento da Cunpir, as declarações dos garimpeiros - tantas vezes usadas contra os índios nas audiências públicas que se realizam em Brasília - confirmam os crimes organizados por grupos mineradores e contrabandistas, que patrocinam o armamento dos garimpeiros, a corrupção e o assédio às lideranças indígenas, a invasão e o confronto direto contra os Cinta Larga em seu próprio território.

Mais que isso, as comunidades indígenas de Rondônia e região circunvizinha consideram criminosa a campanha que tenta convencer a população brasileira de que os diamantes nas terras Cinta Larga possam pagar nossa dívida externa ou suprir a miséria dos famintos -já que, há 500 anos, tem-se transformado em fome, escassez e degradação toda a fartura que herdamos de seus hábitos milenares nos territórios que ocupam.

Na reserva Roosevelt, tenho certeza que os parlamentares encontrarão as lideranças ainda altivas, apesar de todos os problemas que têm vivido nos últimos meses. Aborrecidos com a sucessão de acontecimentos que lhes tolhe a liberdade e lhes ameaça a vida, pessoal e coletivamente, não estão abatidos. Ao contrário, mantêm-se mobilizados, concentrados em definir e implementar as soluções para seus problemas em curto, médio e longo prazos.

Conscientes de sua realidade e de seus direitos, produzem, eles mesmos e a partir de sua própria história, a orientação de sua luta para superar as adversidades do presente e construir um futuro mais tranqüilo. Eles acreditam em sua própria capacidade e confiam no Governo Lula - segundo eles mesmos, “o único Governo que se dignou a ouvir os índios”.

Acreditam que, dentro do Governo Federal, há setores sensíveis à participação indígena, e confiam que terão acesso às instâncias centrais das decisões políticas, em Brasília, para encaminhar seu projeto de autogestão para a garimpagem de diamantes. Dispõem-se a servir de experiência-modelo de mineração indígena, com vistas a orientar a regulamentação e o trato formal com essa questão em relação às demais comunidades indígenas igualmente pressionadas pelo extrativismo predatório de recursos naturais implementado pela sociedade envolvente, com graves prejuízos sociais e culturais.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs.Senadores, o modelo de desenvolvimento implementado em Rondônia nos últimas décadas, baseado na exploração desordenada e predatória de recursos naturais, atualmente só encontra concentração relevante dessa matéria prima em áreas indígenas.

Do que foi invadido e tomado dos nativos daquela região, como no resto do País, resta muito pouco - o próprio Ibama reconhece esta realidade e a comprova com números e dados irrefutáveis. Mantendo pelos mesmos padrões que adotamos até aqui, em 10 ou 15 anos não restarão recursos, nem índios - apenas nós, sobre a terra arrasada, amargando nossa triste história.

Os Cinta Larga têm os mais justos motivos para não adotar nossos modos de utilização de recursos e distribuição de riqueza. No entanto, apesar de agredidos, ameaçados e traídos, muitas vezes e de muitas maneiras, exceto em situação extrema de legítima defesa, ainda tratam “os brancos” com cordialidade e respeito, sem medo ou submissão; com cuidado, mas sem preconceito ou agressividade, e têm esperanças no bom senso, no amor à vida e à natureza.

Portanto desejo e pressuponho que a visita da Comissão Externa do Senado ao meu querido estado de Rondônia se dê sob a inspiração da justiça e da solidariedade, de modo a somar, com amorosa honestidade, o movimento da sociedade rondoniense no sentido de corrigir a rota equivocada do desenvolvimento predatório e desordenado que acomete nossa região.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2004 - Página 18854