Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa do salário mínimo de R$ 275,00, aprovado pelo Senado Federal.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SALARIAL.:
  • Defesa do salário mínimo de R$ 275,00, aprovado pelo Senado Federal.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2004 - Página 18980
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ECONOMISTA, FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), HISTORIA, EVOLUÇÃO, ECONOMIA, BRASIL, ANALISE, REDUÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, TRABALHO ASSALARIADO.
  • DEFESA, SUPERIORIDADE, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, APROVAÇÃO, SENADO, OBJETIVO, AUMENTO, PODER AQUISITIVO, TRABALHADOR, AMPLIAÇÃO, DEMANDA, CONSUMO, CRESCIMENTO, INDUSTRIA.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, votamos o projeto que aumenta o salário mínimo de R$260,00 para R$275,00, tendo como Relator o Senador César Borges. Gostaria, neste momento, véspera, pelo que se comenta, da votação do projeto na Câmara dos Deputados, de analisar as possibilidades de aumento ou não do salário mínimo definido pelo Governo. Isso passa, a meu ver, por uma avaliação conjuntural da economia.

Li um artigo muito importante, do Professor Yoshiaki Nakano, ex-Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo do Governo Mário Covas, atual Diretor de Economia da Fundação Getúlio Vargas. O Professor proferiu uma palestra que não se refere necessariamente a salário mínimo, mas trata, em resumo, da história da nossa economia. Por estarmos tratando da questão salarial, fiz questão de trazer à discussão do Senado Federal o que Yoshiaki Nakano afirmou, pela sua importância e realidade.

O Professor analisa, inicialmente, o desempenho surpreendente da economia brasileira a partir de 1860. Desde aquela época até 1980, nunca deixamos de crescer pelo menos 4% ao ano. Nas primeiras sete décadas do século passado, fomos a Nação que mais cresceu no mundo. Por que, então, saímos da rota, e como voltar a ela? -- pergunta o professor Nakano.

Essa pergunta vem porque temos um setor industrial poderoso, mas que, nos últimos 30 anos, cresceu menos do que a população.

Milagrosamente, também construímos uma agricultura extremamente competitiva, mas o País não cresce.

Até 1980 tínhamos um projeto nacional: o País precisava industrializar-se. Todos concordavam que era preciso crescer e gerar empregos. Criaram-se subsídios, estímulos e a tradicional transferência de renda do setor agrícola para o industrial, com a sobrevalorização do câmbio.

Criamos também um viés antiexportador, por conta de flutuações históricas dos produtos primários, mantendo esse câmbio sobrevalorizado.

Recorremos também, no pós-guerra, a uma fortíssima intervenção do Estado, de caráter desenvolvimentista. A prioridade era o crescimento, e não a estabilidade.

Alguma coisa aconteceu na década de 1980 - continua o Professor Nakano na sua análise - e saímos da rota. O Estado não se modernizou. A prioridade total passou a ser a estabilidade. Tínhamos uma economia fechada, começamos a abri-la do lado comercial e também do lado do mercado financeiro.

O Estado, além de deixar aquele seu papel desenvolvimentista, passou a ser acusado de uma série de males à economia, alguns de forma correta, na minha opinião; outros, não.

Tiramos a função desenvolvimentista do Estado e apostamos que o mercado resolveria tudo. Depois, abrimos a economia e caímos numa armadilha: a idéia de que o País que não tem poupança precisa atrair recursos do exterior. O mercado substituiria o Estado, fazendo privatizações, e viria, de forma natural, o crescimento.

Nos anos 80, as taxas de juros nos Estados Unidos atingiram o seu ponto mais baixo durante muito tempo. Passou-se a ter a migração de recursos, o que atingiu todos os países emergentes, inclusive o Brasil. Mas esses recursos não foram para as atividades produtivas. A taxa de investimento vem caindo desde 1990 de uma forma muito clara e consistente, que já apontei aqui, em relação ao setor elétrico brasileiro, ao setor de infra-estrutura, quando, de uma década para outra, foi reduzido à metade em termos médios anuais. A poupança se reduziu porque houve também uma ampliação do consumo, mas a capacidade produtiva não cresceu nesse período. Elevando a taxa de juros para atrair mais capital, com câmbio errado, a atividade produtiva teve retorno baixo. Os juros altos inviabilizaram e inviabilizam projetos produtivos. Criou-se tributação em cima de tributação. Acabamos afugentando o capital de que precisamos e atraímos o de que não precisamos: o capital volátil.

Não encontro - afirma Nakano - nenhum exemplo de país importante que tenha crescido, de forma sustentada, apoiado em recursos externos. Precisamos, sim, fazer crescerem as nossas exportações, melhorando a relação dívida/PIB. Precisamos estimular fortemente as exportações - insisto -, e a taxa de câmbio acabaria, como acaba, se estabilizando num processo normal de compra e venda no mercado.

Continua Nakano no seu raciocínio dizendo que precisamos aprender com os países que entraram na trajetória do crescimento equilibrado - eles desvalorizaram o câmbio e colocaram os juros lá embaixo. Não deve haver preocupação - como, aliás, é a preocupação que nós estamos tendo - em demasia com o risco-país. Os países asiáticos, aliás, não levam em conta, da forma como se leva aqui no Brasil, a questão do risco-país para a fixação das taxas de juros.

Então, como o Estado está endividado, é preciso fazer ajuste fiscal, é preciso zerar o déficit do Governo e não aumentar a dívida. Zerar déficit com corte nos gastos correntes, abrindo espaço para investimentos. O que não se pode fazer - como tem sido feito nos últimos vários anos - é aumentar a carga tributária.

            Ao analisar essa carga tributária, Nakano tomou um setor específico, o setor petroquímico. Ele verificou que a soma dos impostos (45%) e juros (38%) chega praticamente a 80% do valor agregado, sobrando somente 20% para que sejam remunerados o capital e os salários.

Aí ele chega a uma conclusão - a partir daqui é que eu queria comentar mais -, que é a seguinte: chegamos a um sistema de tributação e de juros que sufoca a atividade produtiva, porque o que dá dinamismo a uma economia capitalista é o fluxo de salários, que vira consumo, e o fluxo de lucros, que vira investimentos.

Parece-me ser essa uma conclusão extremamente importante. É a partir daqui que vejo claramente a necessidade de se fazer crescer a massa de salários neste País. Vejo claramente que uma das formas de fazer isso é aumentar o salário-mínimo de R$260 para R$275.

Diz ainda o professor Nakano que é preciso aumentar esse fluxo de salários na economia para que seja criada a demanda. A colocação anterior do professor era a de que não conhecia nenhum país que tivesse se desenvolvido, de uma forma sustentada, somente com recursos externos. É preciso que criemos a poupança. Para criarmos a poupança, o aumento do fluxo de salários é algo extremamente importante.

Se hoje a indústria brasileira não cresce é porque não há demanda e não porque a taxa de juros está alta. Parece-me ser essa outra conclusão a que devemos chegar. A taxa de juros alta vai impedir o crescimento da indústria no futuro, mas não neste momento. A taxa de juros tem reflexos a longo prazo. Então, é mais do que urgente aumentar o fluxo de salários.

Senador Paulo Paim, na semana passada, quando vinha chegando à tribuna, V. Exª comentava uma palestra que o professor Nakano havia feito e se referia apenas ao final dela, dizendo que era preciso aumentar o fluxo de salários, que era importante aumentar o fluxo de salários na economia, porque esse aumento viraria consumo e o fluxo de lucros viraria investimento.

Baseado nisso e como eu conhecia essa posição do Professor Nakano, Senador Paim, é que me aprofundei mais em conversa com o próprio professor e resolvi trazer esse tema, ampliando um pouco o que V. Exª havia dito em relação ao salário-mínimo.

Vejo que neste momento chega o Senador Antonio Carlos Magalhães, que também tem defendido um valor maior para o salário-mínimo junto com o Senador Paim - junto com o Senador Paim, é quem tem mais defendido esse ponto. Estou aqui defendendo o aumento do salário-mínimo de R$ 260 para R$ 275 e trazendo à consideração, basicamente, um artigo - é mais do que um artigo, é todo um desencadear lógico de idéias sobre a economia brasileira do Professor Nakano, que foi Secretário de Fazenda de São Paulo. Ao mesmo tempo em que Nakano era Secretário em São Paulo, eu era Secretário da Fazenda na Bahia e desde aquela época o Senador Antonio Carlos já defendia esse ponto de vista. Mais do que isso: a tese dele era a de que, ao concedermos um aumento maior do que aquele que os secretários de fazenda normalmente estão dispostos a dar, há um fluxo positivo na economia que acaba gerando, outra vez, no caso dos Estados, mais ICMS, e assim crescemos muito.

Entendo claramente o ponto de vista de um secretário de fazenda - entendo essa síndrome dos secretários de fazenda, cargo que exerci durante oito anos -, mas há um ponto em que é preciso reconhecer que existe uma coisa maior do que isso, que é, exatamente, o fluxo que é aumentado e esse fluxo, aumentado, é que permite que a demanda cresça, que se tenha não só investimentos neste momento, mas que, além disso, no caso dos estados, claramente, mais ICMS. Não tenho a menor dúvida sobre isso.

Concedo aparte ao Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senador Rodolpho Tourinho, eu fico muito satisfeito que V. Exª tenha trazido esse artigo do Professor Nakano e esse tema - tema que vou dividir em duas partes. A propósito, peço à Srª Presidente que, se eu me estender um pouco, não sacrifique o orador. Primeiro eu gostaria de chamar a atenção para algo e, para tanto, peço o apoio do Senador Paulo Paim e do Senador Antonio Carlos Magalhães. Gostaria de saber por que o Brasil, que era o primeiro país entre aqueles do Terceiro Mundo, hoje deve ser o vigésimo ou trigésimo dentro desse grupo? Por quê? Eu penso que buscar essa resposta justificaria uma CPI diferente, Senador Rodolpho Tourinho. Só fazemos CPIs para investigar corrupção. Está no momento de fazermos uma CPI mais ampla para investigar por que o Brasil perdeu o rumo. Por que o Brasil se desencontrou? Hoje temos ao menos cinqüenta países que estão na frente do Brasil, como China, Índia, Coréia e Malásia, países que, nos anos 70, estavam muito atrás de nós em todos os aspectos. Países como Irlanda, Portugal e Grécia, que estavam iguais a nós, de repente - aderindo à Comunidade Econômica Européia ou procurando o seu próprio rumo - se desenvolveram. Hoje chegamos ao ponto de poder dizer que México, Chile, Uruguai e, em breve, quando sair da crise financeira, a Argentina estão na nossa frente do ponto de vista da renda per capita, do potencial científico e tecnológico e do potencial humano, pela formação na educação. Por quê? Eu não vou dar resposta, absolutamente. Não a tenho. Acho que valeria a pena o Senado se debruçar sobre isso, na forma de uma CPI ou do que for. Em segundo lugar, gostaria de me referir às propostas. Eu estou de acordo que o salário-mínimo não gera o custo que se imagina por aí, porque gera também um retorno ao ser gasto. Mas não se pode esquecer que mais importante ainda é fazermos os investimentos sociais de que o povo precisa. Mais importante ainda do que aumentar o poder aquisitivo é aumentar o poder de acesso do trabalhador aos serviços públicos aos quais hoje ele não tem direito na área de educação, saúde e transporte público por exemplo. Isso exige investimentos públicos, o que não estamos fazendo. Então, nós não somente perdemos nos últimos trinta anos, como a velocidade com que estamos avançando é muito menor do aquela com que avançam os países que nos passaram: eles nos passaram e estão se distanciando cada vez mais. Da China e da Índia dificilmente nós nos reaproximaremos. Fico satisfeito pelo fato de V. Exª ter trazido esse assunto, que nem sempre vemos ser discutido aqui no Senado. Gostaria que um dia pudéssemos sentar para discuti-lo. Vamos colocar o Senado para se debruçar sobre uma espécie de CPI do futuro do Brasil. Onde roubaram o futuro do Brasil? Não é somente por roubar dinheiro que um país sofre corrupção. Às vezes, sem roubar dinheiro, roubam o futuro de uma nação. Eu acho que isso vem acontecendo no Brasil e não é de hoje, mas não parou. No atual Governo, do qual faço parte, não parou essa lentidão na maneira como avançamos. Mas isso não acontece só de hoje, já vem de algum tempo.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Agradeço-lhe o aparte, Senador Cristovam Buarque.

Concedo, com muita satisfação, um aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Rodolpho Tourinho, desejo dar um testemunho: sempre tivemos essa preocupação com o salário mínimo e encontrei em V. Exª uma pessoa que chamava a atenção para algumas dificuldades. No entanto, nunca se negou a atender aos apelos do Governador no sentido de melhorar o salário do trabalhador brasileiro. V. Exª sempre encontrou soluções, criativo que é, conhecedor do assunto, e, portanto, pode dar lições, inclusive ao Governo, sobre os meios de dar um salário mínimo digno ao trabalhador brasileiro. Por outro lado, ressalto que conservadores são os que não querem melhor salário, os quais, sim, se pudessem, até o baixariam. Nós, no Senado Federal, não fomos conservadores, tampouco fomos longe naquilo que poderíamos dar. Concedemos o mínimo do mínimo. Confesso que não me agradou dar tão pouco. Queria que fosse mais. E creio que a tese do salário mínimo maior não se incompatibiliza com a tese do Senador Cristovam Buarque. Por quê? Porque, com esse salário, ninguém obtém os bens aos quais se referiu o citado Senador. Deve-se aumentar o salário e encontrar meios para proporcionar saúde, educação e tirar a fome, inclusive de muitos trabalhadores que ganham salário mínimo e que têm família grande. Portanto, V. Exª, mais uma vez, vem à tribuna demonstrar seus conhecimentos e, mais do que isso, abordar um tema importante para a compreensão da Nação, a fim de que o Senado, amanhã, não venha a ser considerado conservador. O Senado foi até muito restritivo, porque poderia ter defendido os US$100,00.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senado Antonio Carlos Magalhães. Entendo que, na Bahia, nem no Governo de V. Exª, nem nos que se seguiram: o de Paulo Souto e o de César Borges, nunca praticamos irresponsabilidade fiscal.

A prova disto está aí: o Estado continua com credibilidade, organizado financeiramente e praticando esse tipo de política. É por isso que vim aqui defender, no mínimo, os R$15,00 de aumento do salário mínimo.

Um outro aspecto importante que gostaria de citar é que o efeito desse aumento será mais visível, mais efetivo e mais permanente quanto mais pobres forem as áreas onde será aplicado. Refiro-me claramente ao Nordeste brasileiro, onde o efeito desse fluxo e seus efeitos serão muito mais benéficos e visíveis. Quanto maior o grau de pobreza, maior o efeito multiplicador do que tratamos aqui. Tenho certeza de que os referidos R$15,00 representam muito mais do que imaginamos no bolso do trabalhador.

Quem afirma que R$15,00 é pouco confunde a sua escala de valores com a dos trabalhadores. Quem afirma que R$15,00 é pouco ignora os efeitos redistributivos sobre a renda. Quem afirma que R$15,00 é pouco deve ser porque ganha muito.

Em conclusão, Srª Presidente, lembro que os juros altos aumentam a dívida pública e têm aumentado a carga tributária, levando à redução de lucros e salários, em que comecei esta minha colocação de hoje, aqui trazida das reflexões do Prof. Yoshiaki Nakano.

Creio que está na hora de ousarmos e caminharmos em direção a um novo rumo, que, mantendo a preocupação com a responsabilidade fiscal, poderá gerar o aumento da demanda nacional e, inclusive, da arrecadação federal, com algumas soluções básicas, com as quais concluo: aumento das exportações, como já nos referimos; criação de mecanismos para aumentar investimentos por meio da redução de carga tributária, que penso ser fundamental que seja feita; corte de gastos correntes para ampliar investimentos; e, depois, pensar - é possível - na desvinculação do salário mínimo em relação à Previdência, desde que se tomem outras providências e outras ações em relação a essa questão e à do seguro-desemprego.

É preciso aumentar o fluxo de salários, não tenho dúvida disso, começando já com os R$275,00.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2004 - Página 18980