Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a reforma do Judiciário.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA JUDICIARIA.:
  • Considerações sobre a reforma do Judiciário.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2004 - Página 22897
Assunto
Outros > REFORMA JUDICIARIA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, ESFORÇO CONCENTRADO, SENADO, DEBATE, REFORMA JUDICIARIA, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, JUSTIÇA, SOCIEDADE, OPORTUNIDADE, ADAPTAÇÃO, JUDICIARIO, MODERNIZAÇÃO, ATUALIDADE, DEMANDA, JUSTIÇA SOCIAL, COMBATE, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, AGILIZAÇÃO, REPARAÇÃO, DIREITOS.
  • JUSTIFICAÇÃO, CONTROLE EXTERNO, JUDICIARIO, AUMENTO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, COMBATE, PRIVILEGIO, EXPECTATIVA, CONTRIBUIÇÃO, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, DEFESA, INDEPENDENCIA, SEPARAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • GRAVIDADE, IMPUNIDADE, MEMBROS, JUDICIARIO, COMENTARIO, IRREGULARIDADE, JUIZ, ESTADO DE RONDONIA (RO), FACILITAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, DESEMBARGADOR, ESTADO DO ACRE (AC), ABSOLVIÇÃO, CRIMINOSO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, JUSTIFICAÇÃO, INCLUSÃO, COMPETENCIA, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, AFASTAMENTO, MAGISTRADO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, CAMARA DOS DEPUTADOS.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que valem leis, onde falta nos homens o sentimento da justiça?" (Rui Barbosa)

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, a frase de Rui Barbosa encerra, para mim, o propósito da tão necessária e adiada Reforma do Judiciário, que esta Casa, nestes dias de esforço concentrado, logra colocar em votação.

A sociedade brasileira clama por Justiça, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é inadiável impregnar o Judiciário - todas as instâncias: cortes, varas, câmaras, fóruns, cartórios, enfim todos os ambientes de prestação jurisdicional - com o sentimento da justiça.

Esse sentimento está em falta na Justiça do Brasil. Não estou só. Todas as vozes, nas ruas, nas conversas em todos os lugares, dizem isso. Pesquisas e estudos realizados colocam a instituição Justiça em xeque - apontam a morosidade, o favorecimento aos abastados, a arrogância com os miseráveis.

Srªs e Srs. Parlamentares, penso que as mudanças no Judiciário irão permitir muito mais que resolver ou amainar sua crônica lentidão. Irá permitir que a organização, sua estrutura, concorra com a realidade social, mude paradigmas, valorize menos o tecnicismo e considere em atos e decisões o clamor da realidade.

Outro dia, li sobre o caso de um senhor que, aos 60 anos, reivindicava uma aposentadoria pelo INSS. Pela letra fria da lei, ele não tinha este direito.

Mas o que fez então o juiz? Analisou os preceitos constitucionais e neles se baseou para conseguir a pensão ao pobre homem. E por que fez isso? O homem, trabalhando na roça desde os 5 anos de idade, de tão envelhecido aparentava 80 anos! E não tinha, absolutamente, outra forma de assegurar segurança na velhice.

Esse juiz, Srªs e Srs. Parlamentares, está sintonizado com seu tempo. Honra a Justiça. Reconhece no papel da Justiça a percepção da demanda, da necessidade da sociedade.

Há muito, muito tempo, o Partido dos Trabalhadores, desde que o então Deputado Federal Hélio Bicudo apresentou o texto que introduz modificações na estrutura do Judiciário, tem oferecido sua contribuição para promover no Judiciário a transformação que possa, ao menos, reduzir consideravelmente a impunidade, punir implacavelmente a corrupção. 

Há um consenso de que o Poder Judiciário não pode ficar como está. E por várias razões. A morosidade das decisões do Judiciário traz inúmeras injustiças e resulta na impossibilidade de que direitos que são violados sejam reparados.

E dentre os diversos aspectos da reforma, quero ressaltar, diante do pouco tempo disponível, o controle externo do Judiciário, incluído no texto do relator, senador Jose Jorge.

Esta Casa tomará uma das medidas mais acertadas aprovando esta histórica mudança. Defendo a transparência e controle da sociedade sobre o Poder Judiciário. Há irracionalidade na tramitação de processos e certos privilégios que a sociedade tem por inaceitáveis. Tudo isso implica em uma necessidade de reforma. Não apenas uma reforma do corpo orgânico, mas do modelo de prestação jurisdicional do Estado.

O Conselho Nacional de Justiça, aprovado no texto, certamente trará grande contribuição ao País, à Justiça.

Com representantes do Judiciário, advogados, membros do Ministério Público e representantes da sociedade indicados pela Câmara e Senado, o Conselho terá papel fundamental no avanço da democratização das instituições do País, e poderá inclusive propor ação judicial para que todos, especialmente os excluídos, tenham acesso à Justiça.

Muita polêmica se produziu em torno do controle externo do Judiciário. Tem se produzido argumentos que contribuem para marcar a pertinência e solidez de posições identificadas com os fundamentos do pensamento político moderno, notadamente as que versam sobre a separação dos Poderes e da independência do Poder Judiciário.

Na verdade, os críticos do controle externo, ao contrário do que penso, visualizam a fiscalização como uma afronta ao Estado Democrático de Direito, e não como um dos de seus pressupostos.

Afirmam que o controle é típico do sistema parlamentar de governo, onde o judiciário não chega a ser um poder político. No sistema presidencial de governo, asseguram, as coisas ocorrem diferentemente, os poderes exercem suas atribuições com independência e sem subordinação nenhuma, não havendo a prevalência de um poder sobre o outro.

Daí decorre que, calcados no princípio da separação dos Poderes, harmônicos e independentes entre si, qualquer proposta de controle externo do Poder Judiciário seria inconstitucional.

Em síntese, defendem a tese de que é um mecanismo típico do sistema parlamentarista de governo, onde o poder Judiciário não se constituiu em um poder político. Ainda, não é compatível com sistema presidencialista de governo, pois viola o princípio da separação dos Poderes. Por fim, a Constituição brasileira adota a doutrina de freios e contrapesos, o que já seria suficiente para realizar o aludido controle.

Sr. Presidente, acredito que o princípio da separação dos Poderes não pode ser utilizado para consolidar a fragmentação do Estado e justificar a impossibilidade de controle social sobre uma atividade que é pública e da mais alta relevância social.

Não há estado democrático sem uma atividade jurisdicional autônoma e independente, assim como não há Estado Democrático de Direito em que a sociedade civil não possa controlar as suas instituições políticas, legislativas e judiciais.

Sr. Presidente, são muitos os casos de improbidade e desmandos divulgados pela mídia envolvendo membros do Poder do Judiciário e demonstram a premência do controle externo do Judiciário, pois os mecanismos internos já se exauriram.

É verdade que no Superior Tribunal de Justiça alguns magistrados foram afastados, embora em caráter temporário, ao se tornarem alvo de investigação interna. Contudo, também é verdade que ao arrefecer o interesse da mídia, esses magistrados podem retornar impunes e reassumir suas togas como aconteceu com um desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará.

Já em meu Estado, Rondônia, o Ministério Público encaminhou recentemente documento ao presidente do Tribunal Regional do Trabalho com representação contra uma juíza, titular da Vara do Trabalho do município de Vilhena.

O documento refere-se às dificuldades impostas pela juíza em operação de combate ao trabalho escravo, realizada na Fazenda Modelo, em Chupinguaia. De acordo como o Ministério Público do Trabalho a juíza é suspeita de pactuar com fazendeiros acusados de exploração de trabalho escravo e de criar obstáculos à ação de equipes móveis do Ministério do Trabalho que tentam combater o problema na região.

Os procuradores consideraram a conduta da juíza um péssimo precedente dentro do “Programa Nacional de Combate ao Trabalho Escravo” em que todos os poderes constituídos encontram-se unidos na luta contra essa forma degradante de exploração da mão-de-obra no campo.

No Acre, um jornalista foi condenado por favorecimento à prostituição e por fotografar cenas de sexo explícito com crianças e adolescentes. Passou pouco menos de um ano na prisão em função de um recurso de revisão de pena acatado por um desembargador.

Em seu absurdo voto, o magistrado argumentou não ter encontrado provas para condenar o réu, pois “as menores não eram mais virgens e ainda que a prática de sexo não possa ser considerada como meio de subsistência, foi neste caso uma forma de lazer ou ‘divertimento’”.

Alguns anos depois, a liberdade concedida ao criminoso e a certeza de impunidade possibilitaram-lhe praticar novos e graves crimes de semelhante natureza, desta feita em Porto Velho, onde é acusado pelo estupro de 12 meninas.

Hoje, longe do processo, o desembargador responsável pela absolvição por julgar, numa decisão esdrúxula, a conduta da vítima e não o réu, admite publicamente ter errado no julgamento, talvez caso único na história da justiça local.

Esses casos formam a minha convicção, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de apoio à proposta original que veio da Câmara - a do Conselho Nacional de Justiça ter autoridade para afastar juízes do cargo, o que, infelizmente, foi retirado do texto pelo relator.

Creio que devemos todos nós votar pela inclusão deste ponto aprovado na Câmara.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2004 - Página 22897