Discurso durante a 100ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com as declarações do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugerindo aos brasileiros o boicote na utilização de cartões de crédito. (como Líder)

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Preocupação com as declarações do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugerindo aos brasileiros o boicote na utilização de cartões de crédito. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2004 - Página 23325
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, MOTIVO, CONTINUAÇÃO, DIRETRIZ, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, QUESTIONAMENTO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, APREENSÃO, ERRO, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUGESTÃO, POPULAÇÃO, AUSENCIA, UTILIZAÇÃO, CARTÃO DE CREDITO, FALTA, CONHECIMENTO, SITUAÇÃO, DIVIDA, POPULAÇÃO CARENTE, OMISSÃO, RESPONSABILIDADE, SUPERIORIDADE, JUROS.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Com revisão do orador.) - Obrigado, Srª Presidente.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vejo a economia brasileira num processo de retomada de crescimento; isso é inegável e se deve à política macroeconômica do Governo, que soube adotar alguns princípios que herdou - herança bendita, portanto -, a começar pelo ajuste fiscal, respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, a continuar pela perseguição às metas de inflação, não abandonando o chamado inflation target, o sistema de metas de inflação, o regime de câmbio flutuante, que é um bom antídoto para essas crises sistêmicas do capitalismo globalizado, e, sem dúvida alguma, o compromisso mantido pelo Ministro Palocci para que sejam quitados os acordos brasileiros. É de fato um grande passo. Por outro lado, não tenho certeza de que isso será sustentado, porque o Governo erra muito na microeconomia; sua administração não deslancha; a máquina está inflada de pessoas inexperientes - o que tem sido denunciado por nós, da Oposição, como aparelhamento do Estado; os marcos regulatórios não são bem claros, de pouco adiantou aquele documento que versava sobre energia, porque investimentos não são atraídos; há muito tempo, não se promovem investimentos novos no setor da energia e já há, portanto, uma ameaça de nova crise econômica para 2007 se as coisas não mudarem radicalmente.

Continua a dúvida: é mais um vez um vôo de galinha ou será um vôo de águia? Em vôo de galinha, o País vai crescer um, dois anos, e depois voltará o período recessivo, o período de contração. Em vôo de águia, o País vai crescer 10 anos seguidos com taxas elevadas. O Brasil, este ano, crescerá a uma taxa elevada em comparação com a base deprimida de antes; não crescerá de maneira convincente nem se mexendo significativamente no estoque dos desempregados, que afligem a consciência social de cada um de nós.

O Presidente Lula vem e faz uma pueril sugestão de boicote aos cartões de crédito para forçar a queda dos juros. O Presidente está se desligando, cada vez mais, da realidade do povo que governa. Alguém fica inadimplente com o seu cartão de crédito quando compra algo de essencial necessidade e não tem saída a não ser a inadimplência, a não ser encalacrar-se em uma dívida que família nenhuma gostaria de ter contraído. Em vez de discutir se é válido ou não aumentar o estoque de capitais disponíveis para o crédito na nossa sociedade, Sua Excelência o Presidente Lula faz o contrário e diz que é melhor que não usem o cartão de crédito; em vez de procurar a raiz do problema, Sua Excelência procura agir como se não fosse o Presidente da República, como se não tivesse nada a ver com os juros altos cobrados na ponta do consumo, como se não tivesse nada a ver com os juros básicos que originam toda a cadeia espiral dos juros brasileiros.

Não prego e nunca preguei desta tribuna, V. Exª é testemunha, Srª Presidente, e V. Exª, Senador Heráclito Fortes, rebaixamento de juros absurdo; acredito que poderia ter sido menor o índice, mas nunca deixei de reconhecer o valor da equipe econômica que, liderada pelo Ministro Palocci e integrada por homens como o professor Marcos Lisboa, é uma equipe econômica de peso e tem sido a espinha dorsal deste Governo, nunca neguei esse fato. Mas entendo que podiam ter feito mais, podiam ter feito antes, erraram portanto no timing, erraram na intensidade em relação a juros. Isso tudo criou quadro de queda brutal da renda brasileira nesse período de 18 meses de Presidência do Presidente Lula.

O que se espera e queria deixar como mensagem final esta preocupação: o Presidente precisa parar com essas declarações ingênuas que o diminuem como Chefe de Estado aos nossos olhos. Há um problema, a família deve no cartão de crédito, o Presidente Lula fala: bobo é você que contraiu a dívida, não devia ter contraído; fuja; se você fugir, resolve o problema. Primeiro, Presidente, essa família não conseguiu fugir, ela teve que se encalacrar; segundo, a fuga não resolve problema algum, porque não é possível o Brasil ter 26% do seu Produto Interno Bruto disponível para crédito. O crédito, então, é disputado intensamente, o que pressiona para cima as taxas de juros. Isso é o que torna insuportável a vida da família que se encalacrou por causa de dívida com o cartão de crédito. Não é leviana, portanto, a ação de alguém se endividar. É difícil a situação do País, a qual obriga uma família a se endividar em vez de fazer uma poupança e, com ela, ajudar o Brasil, cada vez mais, aumentar sua taxa de investimento, a chamada formação bruta de capital fixo, para poder sustentar o crescimento econômico por anos a fio.

O Presidente Lula muda a prioridade das coisas e, a meu ver, diminui-se nessa hora. É preciso serenidade e maturidade para discutir os problemas como eles são e abandonar definitivameante a postura de candidato e do homem que pensa que deve buscar popularidade, fingindo, agora que é Presidente da República, que não tem nada a ver com as coisas. Se é Presidente da República, tem a ver com tudo o que acontece no Brasil. Se cair um Ovni no Brasil, Sua Excelência será um dos responsáveis principais pelo que possa suceder a partir da queda do objeto voador não-identificado, ou seja, não dá para dizer que foi do passado, não dá para dizer que vai melhorar muito amanhã embora esteja ruim hoje. É preciso sinceridade, que tem de vir acompanhada de uma dose de reflexão e amadurecimento por parte do Presidente.

Deplorei, portanto, essa declaração do Presidente, que, de fato, recomenda que se vá às cooperativas - já concluo- e se esquece de que apenas 2% do crédito brasileiro vem das cooperativas, ou seja, é ínfima a participação delas no crédito. Então, a solução não está em também mandar ir para as cooperativas; está em tomar uma série de medidas e medidas legislativas, algumas com projetos tramitando nesta Casa, outras, com matérias tramitando na Câmara dos Deputados. Algumas matérias necessitam da elaboração de projeto de iniciativa do Executivo ou nossa, para que façamos um senhor pacote - eu não gosto da palavra - de medidas legislativas para atacar o encarecimento do dinheiro na ponta do consumo.

A mensagem que deixo hoje, como Líder do PSDB, para o Presidente Lula é que Sua Excelência aproveite esse recesso parlamentar para meditar e meditar profundamente sobre o seu papel, que é o de conduzir este País com serenidade e sabedoria. Às vezes, lhe falta serenidade e quase sempre lhe tem faltado sabedoria.

Sua Excelência precisa meditar antes de falar, de uma vez por todas. Que se apegue à disciplina de ler o discurso antecipadamente, sob pena de perder pontos no conceito de cada um de nós, pelas declarações apressadas e infundadas, sem conhecimento de causa, que expende.

Uma delas é essa, tão recente e tão lamentável, de dizer que o problema do alto custo do crédito será resolvido se as pessoas não buscá-lo. Meu Deus! Se não fosse o Presidente Lula o homem bondoso que é, eu diria que haveria ali grande carga de sadismo, porque o povo brasileiro sabe muito bem o quanto lhe dói ter de recorrer ao crédito tão caro - e caro porque escasso - e ter de arcar com dívidas tão duras e tão desestabilizadoras das famílias, como essas que povoam hoje a vida das pessoas que não vivem à tripa forra e não vivem na elite, numericamente mínima, dos nababos deste País.

O povo brasileiro sabe o quanto lhe dói esse crédito; o povo brasileiro sabe o quanto lhe magoa o seu Presidente não saber, ou não querer saber, qual a causa verdadeira da dificuldade por que passa aquele que é obrigado a recorrer ao crédito escasso, e, portanto, caro, no Brasil.

Muito obrigado, Srª. Presidente, pela tolerância. Ultrapassei alguns minutos o tempo de que dispunha.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2004 - Página 23325