Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Advertências sobre as limitações futuras do setor elétrico brasileiro.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Advertências sobre as limitações futuras do setor elétrico brasileiro.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/2004 - Página 24672
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • CRITICA, MODELO, MATRIZ ENERGETICA, GOVERNO FEDERAL, PROVOCAÇÃO, PARALISIA, INVESTIMENTO, EFEITO, AUSENCIA, REGULAMENTAÇÃO, SETOR.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, AGENCIA, ORGÃO REGULADOR, SETOR, ENERGIA ELETRICA, GARANTIA, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, SETOR PRIVADO, INVESTIMENTO, AREA, INFRAESTRUTURA.
  • REGISTRO, PARALISIA, PROJETO, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA, PREJUIZO, SETOR, DEFESA, IMPORTANCIA, IMPLANTAÇÃO, USINA HIDROELETRICA.
  • CRITICA, ATRASO, DECRETO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, ENERGIA ELETRICA.
  • CRITICA, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, QUANTIDADE, LEILÃO, LICITAÇÃO, ESTOQUE, ENERGIA ELETRICA.
  • LEITURA, DOCUMENTO, AUTORIA, ENTIDADE, CONCESSIONARIA, PRODUTOR, ENERGIA ELETRICA, SUGESTÃO, VIABILIDADE, SUPRIMENTO, ELETRICIDADE.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, e ao Senador Eduardo Suplicy. Procurarei ser o mais breve possível para que S. Exª possa expor suas idéias em seguida.

Infelizmente, o clima que eu sinto na rua, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é o clima de euforia que a Senadora Ideli Salvatti relatou aqui. Talvez seja o clima das manchetes de jornais, que certamente não atingiu o povo, pelo menos no Estado de Pernambuco, que tenho a experiência de percorrer. Provavelmente no Estado de Santa Catarina, onde a Senadora Ideli Salvatti anda mais nas ruas com os eleitores, o clima seja de euforia, mas em Pernambuco o clima é de profunda decepção e certamente esses resultados econômicos não atingiram ainda o bolso da população brasileira, principalmente da população mais pobre. Talvez tenha atingido o lucro dos bancos. Se nós verificarmos os balanços que estão sendo apresentados, Sr. Presidente, são realmente excelentes os lucros dos bancos. Mas não atingiu ainda a população brasileira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 12 de julho último completaram-se exatamente dois anos do último leilão de concessão de usinas hidroelétricas no Brasil. Como todos sabem, o setor elétrico no Brasil, para aumentar a oferta, promove leilões de hidrelétricas, de aproveitamento de hidrelétricas e as empresas que ganham o leilão constroem essas usinas e depois vendem a energia gerada.

No dia 12 de julho de 2002, o último ano do Presidente do Fernando Henrique, a Aneel licitou os aproveitamentos hidrelétricos de Estreito no Tocantins, Salto em Goiás, entre sete outros de menor potência. Portanto, foi um leilão de mais de 2 mil megawatts, em que todos tiveram demanda. Esse tipo de leilão, que ocorria em média duas vezes por ano, parou de ser realizado, foi interrompido. Por quê? Porque, logo que o Governo Lula assumiu, ao contrário do que houve em outros setores, anunciou-se que se criaria um novo modelo para o setor elétrico. Desde aquele momento, tenho me pronunciado aqui e em palestras para as quais sou convidado no Brasil inteiro, sobre o erro estratégico da criação de um novo modelo, porque tínhamos um modelo em implantação que poderia ter continuidade com as modificações que se fizessem necessárias.

Então, a partir do momento em que o Governo anunciou a elaboração de um novo modelo, criou-se um novo período de transição, o que fez com que todos os investimentos fossem paralisados durante esses quase dois anos, já que esse novo modelo ainda não foi regulamentado. Apesar de o Governo já ter praticamente dezenove meses, somente na sexta-feira passada é que editou um decreto de regulamentação de parte desse modelo.

Com isso, criou-se o que, para mim, é o grande causador dos problemas do setor elétrico, do apagão, que não chegou a ocorrer, havendo apenas um racionamento. Houve um prazo de transição da mudança do modelo estatal para um modelo privado durante o Governo Fernando Henrique, e até mesmo antes dele. Era um período de transição de três a quatro anos, que está se repetindo agora.

Esta falta de iniciativa quanto a novos empreendimentos de geração de eletricidade deve ser entendida, primeiramente, como uma conseqüência da indefinição dos marcos regulatórios que o novo Governo promoveu ao editar a medida provisória que alterou o modelo vigente no setor elétrico e ao projeto de lei que o Presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional, alterando a legislação que rege as agências regulatórias.

Essa questão da agência regulatória também é outro ponto importante para que retornem os investimentos no setor elétrico. O Governo, desde o início, tratou as agências como se fossem inimigas, adversárias do Governo, quando, na verdade, elas representam uma evolução importante no sentido da absorção de recursos privados para investimentos na área de infra-estrutura.

No Brasil há uma deficiência grande, um gargalo na infra-estrutura e o Governo não tem dinheiro para fazer investimentos. Então, é necessário que haja participação da iniciativa privada. E, para isso, é preciso que haja um fortalecimento das agências e não uma diminuição do papel das agências.

E nós, aqui no Congresso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tivemos que criar uma frente parlamentar em defesa das agências reguladoras, porque as medidas que o Governo queria tomar naquela época fariam com que as agências não tivessem mais papel a realizar. Posteriormente, com a criação dessa frente parlamentar, com a discussão na mídia, onde muitos jornalistas como Miriam Leitão e outros combateram esse princípio de extinção das agências, enviou-se um projeto de lei ao Congresso, que ainda apresenta muitos problemas, mas que está tramitando sem ser por medida provisória, o que tem permitido à Câmara dos Deputados discutir e nos permitirá discutir também.

Um empreendimento na área de eletricidade é de longa implementação e maturação; além disso, enfrenta grandes entraves na obtenção de licenciamento ambiental. Qualquer demora no processo de concessão pode implicar prejuízos incalculáveis para a sociedade, inclusive o risco de racionamento, como o que sofremos recentemente.

É bom que se diga, contudo, que, em função do regime pluviométrico favorável dos dois últimos anos, há excedente de energia no mercado. Entretanto, essa postergação de investimentos em geração poderá gerar insuficiência de oferta a partir de 2007, segundo previsão dos especialistas.

Na realidade, Sr. Presidente, há duas razões para que esse atraso de dois anos não tenha levado a um novo racionamento. Quando o Governo assumiu, pelas próprias palavras da Ministra e de outros assessores governamentais, havia 10 megawatts de energia sobrando, que foram obtidos a partir das medidas tomadas na época do racionamento e também de melhores índices pluviométricos, que permitiram usar toda a capacidade hidrelétrica do País. Com isso, adiou-se o problema que poderia vir em 2005 ou em 2006. Mas, se continuar do jeito que está, teremos problemas em 2007 ou em 2008 para fazer o abastecimento regular de energia ao País.

Isso sem considerar que, na realidade, estamos numa fase de crescimento da economia mundial, Senador Heráclito Fortes. Já não há o “risco PT”, porque os indicadores de 2002 foram fundamentalmente afetados pelo chamado “risco Lula”. Se o Governo tivesse feito o que prometeu, os investidores teriam de se defender. Porém, o Governo fez um discurso para ganhar eleição e, agora, tem um outro para governar, que, na verdade, é a continuação do Governo Fernando Henrique no que concerne à política econômica - se V. Exª concorda com isso.

Segundo a Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base, a ABDIB, existem 26 projetos de geração, totalizando 5.500 megawatts paralisados em virtude de problemas, com o licenciamento ambiental, com a dificuldade de financiamento, ou devido à instabilidade do marco regulatório. Essas obras estão paralisadas ou nem mesmo foram iniciadas. Portanto, esses 5.497 - praticamente 5.500 megawatts - demoram três, quatro, cinco anos para serem implantados.

Ou se tomam medidas efetivas, em vez de se discutirem teorias para fazer com que essas hidroelétricas sejam implantadas, ou, na realidade, as que forem licitadas, a partir do ano que vem, já não terão prazo para chegar em tempo de evitar esse racionamento.

O investimento do setor privado nesse empreendimento chegaria a R$14 bilhões, que também não estão sendo investidos, que gerariam emprego, renda, etc. Segundo a Associação, os investidores só participarão dos leilões de energia nova, caso os problemas dessas usinas estejam resolvidos. Evidentemente, se algum investidor estiver construindo uma usina e se não conseguir concluí-la, não construirá uma usina nova deixando a outra pela metade. Essa é a lógica do setor privado.

Na última sexta-feira, dia 30, o Governo Federal editou o Decreto nº 5.163, que regulamentou a comercialização de energia elétrica. Ainda falta editar outros decretos, mas já é possível fazer algumas considerações sobre o modelo regulamentado pelo Governo Federal.

Na realidade, esse é o primeiro decreto que regulamenta a lei aprovada na Câmara e no Senado, editada por meio de medida provisória e transformada em lei de conversão, que é o chamado novo modelo do setor elétrico. No entanto, quase seis meses após a sua aprovação, Senador Edison Lobão, o Governo lançou o primeiro decreto de regulamentação.

A primeira constatação é sobre a possibilidade de o Governo definir o teto do preço da energia elétrica nos leilões de compra das usinas geradoras já existentes. Isso abre a brecha para que os preços sejam artificialmente reduzidos, em especial pelo fato de que, no presente, há cerca de 7.000 megawatts/hora disponíveis, sem compradores e, portanto, com preços aviltados.

O problema é que, enquanto dispomos de sobras de energia, certamente não há risco de racionamento. Mas, assim que a economia se reaquecer, o que todos almejamos - aparentemente já estão ocorrendo os primeiros sinais -, ou se o regime de chuvas no futuro não for tão favorável como agora, necessitaremos de novos investimentos em geração e transmissão de energia. E quem terá interesse em investir seus recursos se não houver garantia de uma justa remuneração do seu capital, devido aos preços artificialmente reduzidos?

Concedo um aparte ao nobre Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador José Jorge, V. Exª fala sobre o que conhece.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Muito obrigado.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - O setor elétrico é extremamente sensível à economia nacional, e nós já vivemos algumas crises graves, a última das quais nos deixou em extrema dificuldade. O papel de V. Exª, no discurso que pronuncia hoje, é no sentido da advertência ao Governo para aquilo que poderá ocorrer se providências não forem definitivamente tomadas. Recordo-me de que, no Governo do Presidente Geisel, um estudo estratégico mostrava que, se o País continuasse a crescer aos níveis que então crescia, chegaríamos ao ano de 2050 com a capacidade das hidrelétricas praticamente esgotada. Ou seja, chegaríamos a um consumo de mais de 100 milhões de quilowatts, em 2050. Aquele estudo não chegou a resultar em maiores preocupações porque o crescimento nacional não se manteve. Passou a ser menor do que o previsto, embora o Brasil tenha sido o segundo País que mais cresceu no mundo no século XX - o primeiro foi o Japão. Todavia, não podemos nos descuidar da atenção que devemos ter para com o setor energético. Esta já não é a primeira vez que V. Exª adverte o Governo de providências que devem ser tomadas e que não vinham sendo tomadas, sob pena de voltarmos a passar por crises como aquela, que podem afetar, gravemente, o setor produtivo e, por conseqüência, o crescimento nacional e o emprego. Cumprimento V. Exª pela manifestação que faz nesta tarde.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Muito obrigado, Senador Edison Lobão. Creio que V. Exª entendeu muito bem a razão deste meu pronunciamento.

Outra crítica é sobre a decisão, segundo noticiado pela imprensa, de se licitar toda a energia disponível já em 2004. A lei que esta Casa aprovou permitia a realização de leilões até o ano de 2006, de modo a garantir uma transição entre os modelos. Licitar todo o estoque em um único leilão poderá redundar em uma limitação futura nos mecanismos de controle do mercado de energia que o Governo dispõe ou, ainda, frustrar novos investimentos de geração.

Os empreendedores em energia, em especial os nacionais, têm dado seguidas demonstrações de confiança no Brasil, em que pesem as incertezas governamentais. Mas é preciso permitir a estabilidade regulatória e a garantia do retorno dos investimentos, afinal a área de energia é vital para o crescimento da economia nacional.

Em documento encaminhado ao Governo, associações de concessionárias, produtores independentes e de investidores em energia elétrica, apresentaram suas sugestões para viabilizar o suprimento adequado de energia e a modicidade das tarifas.

Entre as sugestões, destaco:

1- viabilizar um sistema elétrico eficiente que atenda à necessidade dos consumidores e remunere os investimentos;

2 - atração de capital privado que, em conjunto com recursos públicos, viabilize o crescimento de um setor de capital intensivo e de retorno a longo prazo;

3 - ampliação da transparência do modelo de desenvolvimento do setor, reduzindo riscos desnecessários que encarecem os investimentos; e

4 - garantir uma visão de longo prazo, com transparência nas informações e processos, equidade com os agentes, estabilidade das regras e a prestação de contas às partes interessadas.

Sem um parque gerador confiável e diversificado, que inclua outras formas alternativas de aproveitamento energético, a economia não cresce, e os novos investimentos, tão necessários para a criação de empregos, não se realizam, já que, sem energia, não há nem emprego nem progresso.

É preciso que o Poder Público garanta um sistema elétrico eficiente, que atenda com modicidade tarifária a necessidade dos consumidores e remunere adequadamente os empreendedores e investidores privados.

Na realidade, Sr. Presidente, o decreto que foi lançado na última sexta-feira, dia 30, é bastante complexo. Inclusive, tive oportunidade, hoje, de conversar com alguns agentes, e a maioria deles ainda está analisando o decreto para entender melhor quais os mecanismos que estão ali contidos. É um decreto que monta um sistema novo, um sistema de risco, de certa maneira, que nunca foi experimentado. Não é um sistema que tenha uma estrutura internacional, que seja usada em outros locais. Portanto, temos que esperar um pouco mais para verificar todas as questões que vão aparecer nesse modelo.

Mas, em relação ao sistema elétrico, eu gostaria de concluir com três perguntas. Primeira: quando terminará a regulamentação desse modelo? Porque, na realidade, o Governo já vai completar dois anos, e o modelo foi aprovado no Congresso há mais de seis meses. No fim do ano, completa praticamente um ano e, na realidade, o modelo não está regulamentado. Portanto, os agentes ainda aguardam a realização desses investimentos e, para isso, é necessário que se conclua rapidamente a regulamentação.

Em segundo lugar, como estão as obras da hidrelétrica de Belo Monte? Todos sabemos que, das grandes hidrelétricas que ainda poderão ser construídas, ela é a que conta com os estudos mais avançados. O Governo prometeu, logo que a iniciou, que definiria como a hidrelétrica seria construída e qual seria sua capacidade, mas, até agora, após quase dois anos, não obtivemos qualquer informação nova a esse respeito.

Assim, eu gostaria que o Governo respondesse minha pergunta, por intermédio de seus Líderes na Casa. Infelizmente, a Senadora Ideli Salvatti tinha um compromisso no Ministério dos Transportes e se retirou. Não sei se o Senador Heráclito Fortes pode fornecer a informação.

Em terceiro lugar, gostaria de obter informações com relação à terceira etapa de produção de energia nuclear brasileira, pois há quase US$1 bilhão de investimento em equipamentos e o Governo precisa definir se vai ou não concluir Angra III.

Essas são as perguntas que deixo a fim de que possamos, no futuro, garantir o suprimento de energia no Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/2004 - Página 24672