Discurso durante a 104ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas pelas restrições impostas às atividades rurais no Brasil.

Autor
Leomar Quintanilha (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/TO)
Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. POLITICA SOCIAL.:
  • Críticas pelas restrições impostas às atividades rurais no Brasil.
Aparteantes
Gerson Camata, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2004 - Página 25003
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, FORMA, TRATAMENTO, DISCRIMINAÇÃO, PRODUTOR RURAL, INFERIORIDADE, OFERTA, DIFICULDADE, ACESSO, CREDITO RURAL, IMPOSSIBILIDADE, ATENDIMENTO, DEMANDA, SAUDE, EDUCAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, FAMILIA.
  • CRITICA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, COMPARAÇÃO, PRODUTOR RURAL, TRAFICANTE, DROGA, EMPRESARIO, MADEIRA, AMEAÇA, MEIO AMBIENTE.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ATIVIDADE RURAL, CAPACIDADE, CONTRIBUIÇÃO, SOLUÇÃO, GRAVIDADE, PROBLEMA, FOME, PAIS.
  • APREENSÃO, INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA, LEGISLAÇÃO, POSSIBILIDADE, ABUSO, IDENTIFICAÇÃO, REQUISITOS, TRABALHO ESCRAVO.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao analisarmos o perfil econômico brasileiro nos anos mais recentes, duas situações nos chamam a atenção: primeiro, a constatação de que o País precisa crescer em ritmo mais acelerado para ampliar suas riquezas e gerar milhões de novos postos de trabalho que possam absorver o gigantesco contingente de desempregados; segundo, a observação de que o setor primário, especialmente a atividade agropecuária, tem sido o grande propulsor da nossa economia.

No entanto, em que pese a valiosa contribuição do setor primário para o desenvolvimento econômico e social do País, não se tem dispensado a esse setor tratamento compatível com sua importância. É histórica a falta de apoio ao homem do campo, seja pela pouca oferta de crédito, seja pela dificuldade de acesso a ele, seja pela dificuldade na educação de seus filhos, seja pela dificuldade no atendimento às suas demandas de saúde. Tudo isso são entraves à atividade rural. Os problemas alcançam ainda a comercialização das safras, tanto no que diz respeito à cotação dos preços mínimos quanto no que se refere à precariedade das condições de transporte e armazenamento de produção. A assistência técnica estatal deficiente obriga os agricultores a procurarem meios alternativos para melhorar a tecnologia em sua atividade e assim poder atender às exigências de um mercado cada vez mais sofisticado.

Não bastassem esses obstáculos, o segmento rural depara-se agora com outro desafio não menos intrigante: o tratamento por vezes preconceituoso a que estão sendo submetidos os produtores rurais. Com as atenções do mundo voltadas para a questão ambiental e os olhos do Planeta fixados na nossa Amazônia, tem sido cada vez mais comum classificar os produtores rurais como uma séria ameaça ao desenvolvimento sustentado. Parece haver uma campanha orquestrada, que atende a interesses inconfessáveis, no intuito de denegrir a imagem dos produtores rurais brasileiros, associando-os a atividades nocivas ao meio ambiente.

Em recente matéria veiculada por uma revista de grande circulação nacional, nobre Senador Gerson Camata - receba o meu abraço e a minha alegria por sua volta ao nosso convívio -, essa revista abordava soluções para a preservação da Amazônia, classificando os produtores rurais como vilões ecológicos, tais como os madeireiros e até mesmo os traficantes de drogas. Vejam, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a que ponto chegamos: uma revista conceituada coloca no mesmo nível de ameaça ao meio ambiente produtores rurais brasileiros e traficantes de drogas. Não podemos, de maneira alguma, tolerar tamanho desapreço por um segmento que tem dado mostras, ao longo da história deste País, do seu potencial e enorme capacidade de contribuir para solucionar aquele que é o maior dos flagelos sociais: a fome.

Outros fatos recentes têm demonstrado, de maneira irrefutável, o tratamento insensato, por vezes preconceituoso, dispensado aos produtores rurais. Vejam, por exemplo, o caso do trabalho escravo, prática condenável que merece o mais veemente repúdio da sociedade brasileira. Aprovamos recentemente a lei que define as hipóteses em que se configura a condição análoga à do trabalho escravo e estabelece as penas para o crime. Diz o nosso Código Penal que reduzir alguém à condição análoga à de escravo é submetê-lo “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. A dificuldade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é exatamente a adaptação da interpretação do texto da lei à forma consuetudinária, como está sendo ocupado, ao longo da história do Brasil, o meio rural brasileiro.

Tramitam nesta Casa projetos de lei propondo o agravamento das sanções impostas aos acusados de promover trabalho escravo. Além das penalidades de reclusão e do pagamento de multas, prevê-se a proibição de que pessoas jurídicas acusadas de promover trabalho escravo participem de licitações públicas ou obtenham financiamento em instituições financeiras federais. Já considero essa sanção ampla, austera e vigorosa suficiente para punir eventuais trabalhos escravos que ainda possam existir no meio rural. Mas tramita na Câmara outra proposta, que é a da expropriação da propriedade rural em caso de se constatar a prática de trabalho escravo. Acho uma exorbitância! Entendo que os mecanismos já existentes e recentemente aprovados são suficientes para coibir esse crime e para sanar de vez eventuais práticas de trabalho escravo neste País.

Além disso, a pretexto de se fazer cumprir a lei, muitos abusos têm sido cometidos, tanto no que diz respeito à correta interpretação do seu texto, como na identificação das condições degradantes de trabalho, a meu ver, muitas vezes feita de forma subjetiva.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO) - Ouço, com muito prazer, o eminente Senador Gerson Camata.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Senador Leomar Quintanilha, quero agradecer as palavras de V. Exª com relação ao meu retorno e quero também dar meu testemunho sobre o tema abordado por V. Exª. No Espírito Santo, agora estamos na colheita de café. Isso que V. Exª acabou de expor, com certeza se referindo ao Estado do Tocantins, que V. Exª tão bem representa aqui, está ocorrendo agora no Espírito Santo. Houve dois fatos na semana passada. Em um dos casos, um produtor rural mandou passar o trator e destruir 80 mil pés de café irrigados. Ele, tradicional produtor de gado, pecuarista, resolveu partir para a lavoura de café. Dos 52 trabalhadores da propriedade, um estava sem luva. Chegou um fiscal do Ministério do Trabalho, devidamente acompanhado de sua trupe - o pessoal da Polícia armada -, e imputou-lhe responsabilidade. E ele respondeu que o trabalhador havia assinado documento pela manhã, atestando que recebera a luva. Mas ele estava sem a luva. O proprietário argumentou que não era possível tomar conta dos 52 funcionários, porque cada um estava em um lado da fazenda. Ele não percebeu que o trabalhador tirara a luva. Resultado: foi multado em R$ 15,2 mil, por impor condição degradante ao empregado. O trabalhador recebeu a luva, assinou que a tinha recebido, mas não a estava usando. V. Exª sabe que muitos trabalhadores sentem um pouco de desconforto com a luva, por falta de hábito, embora seja bom que a usem. O produtor aborreceu-se e declarou: “No final de tudo, eu teria um lucro de R$15 mil; o Governo tomou-me o lucro”. Então, ele passou o trator, e 52 trabalhadores foram demitidos. E os trabalhadores, que queriam ficar, tiveram que ir embora. Em outro Município, aconteceu outro episódio. Considerando condições degradantes de trabalho, a fiscalização do Ministério deu oito dias para que fosse azulejado o banheiro usado pelos trabalhadores. Ora, inúmeros proprietários rurais não têm banheiro azulejado, V. Exª sabe. Eles não têm condição disso nem na casa deles. Mas ele teve oito dias. Comprou os azulejos para o banheiro onde os trabalhadores tomavam banho. Antes de decorrem os oito dias, foram com a Polícia Federal e prenderam o proprietário rural. Ele dispensou 92 trabalhadores e perdeu a colheita de café. Há um dito popular que diz que não se deve ter medo do ditador, mas do guarda da esquina. Então, ninguém tem medo da lei. Para a interpretação da lei, é preciso um pouco de bom-senso. Ora, se a esse proprietário rural foi dado o prazo de oito dias para que azulejasse os banheiros - o que ele não tinha na sua casa, porque, às vezes, as condições são difíceis -, poder-se-ia ter esperado os oito dias, em vez de levá-lo à prisão. Os trabalhadores queriam permanecer para ganhar, porque, na época da colheita, um trabalhador alcança R$1 mil por mês. Eles recebem por quantidade de café colhida. Muitos queriam permanecer, mas foram todos mandados embora e ficaram desempregados numa época difícil. V. Exª iniciou seu pronunciamento exatamente falando sobre o desemprego. Então, é preciso bom-senso. A primeira atitude seria proporcionar uma reciclagem. Se se vai aplicar uma lei nova, é necessário preparar os fiscais. Talvez estejam cheios de boa vontade, mas esses exageros, na verdade, não ajudam; provocam problemas. Outro problema a que V. Exª se referiu aconteceu no governo passado no Espírito Santo. Temos dois Municípios, Pancas e Águia Branca, que foram colonizados por alemães. Esses alemães dominaram a região, tornando-a muito produtiva, e conservaram as florestas. Passou um ministro, desculpe-me o termo, de porre e de helicóptero, por cima dos dois Municípios, achou bonito e criou uma reserva florestal, acabando com esses Municípios. Agora, deixando de ser Municípios, acabam as prefeituras e todos os lavradores serão expulsos das suas terras. Nunca vi uma coisa dessas. Estamos tentando corrigir, já procuramos o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente, para ver se retorna o direito, porque as terras já não valem nada. Elas foram desapropriadas, e o Governo nunca pagará por elas porque não há recursos. Os lavradores que conservaram as florestas foram chamados de destruidores da floresta. Se alguma floresta ainda existe lá é porque foram conservadas pelos alemães e pomeranos naqueles dois Municípios. Tanto o é que o Deputado Fernando Gabeira, que, como V. Exª sabe, é um ecologista, um homem dedicado à ecologia, escreveu há poucos dias no Globo um artigo intitulado “A floresta pertence aos alemães”. Os alemães são donos da reserva; o Governo não pode ser dono de uma reserva, de uma floresta que eles conservaram, de uma mata atlântica que eles preservaram, e agora, por terem preservado, perderão suas plantações de milho, de café, de feijão e de arroz, com as quais lutam para manter suas famílias. V. Exª menciona um problema do seu Estado que ocorre exatamente da mesma forma no meu e, com certeza, em todos os Estados do Brasil. É hora de falar nisso, de tocar no assunto e de tentar encontrar uma maneira para que a lei seja aplicada. Uma pessoa que submete o trabalhador a situação degradante tem que aprender a respeitá-lo, tem que respeitar a dignidade do trabalho. Mas não se pode ir ao outro ponto e desempregar as pessoas. Apesar de terem sido concedidos prazos para que se solucionassem as condições ditas degradantes, não se pode agir dessa maneira, desempregando mais gente e causando tanto prejuízo e tanto aborrecimento, fazendo com que produtores que estavam empregando gente na área rural destruam suas lavouras e voltem para a pecuária, que emprega menos gente e dá menos trabalho. Cumprimento V. Exª pela oportunidade do seu pronunciamento.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO) - V. Exª tem total razão. Bom-senso é algo tão simples e poderia estar contribuindo para resolver inúmeros problemas neste País. Falta, efetivamente, bom-senso às autoridades investidas da responsabilidade para aplicar a lei. Assim estão fazendo sem levar em consideração o costume da região. Como o País a ocupou? Ora, se todos morassem na cidade, como este País, com dimensão continental, faria para preservar sua soberania, inclusive na Amazônia, cobiçada por tantos? A atividade agropastoril contribuiu e contribui muito. O trabalhador rural contribuiu e contribui muito para essa ocupação harmônica e séria. O trabalho é sério e precisa ser feito em todo o território nacional. Falta bom-senso.

A lei dispõe sobre as condições degradantes de acomodação. V. Exª, por exemplo, menciona o banheiro sem azulejo. Já há algum tempo, o Governo Federal vem fazendo um esforço para ajudar milhares de famílias, por meio da Fundação Nacional de Saúde, a construir fossa séptica nas casas da cidade. Eles não tinham o costume de ter fossa em casa. Será que, pelo fato de não terem esse costume, estão infringindo a lei e estarão sujeitos a uma visita desse corpo de trabalho, com efetivo policial fortemente armado, constrangendo-os e os humilhando? Falta bom-senso. Espero que comecemos a chamar atenção das autoridades brasileiras por meio do Senado Federal.

Quanto à condição degradante de acomodação, no Tocantins e na grande maioria dos Estados da região Norte, onde abundam palmeiras de diversas variedades, as pessoas costumam se abrigar debaixo de ranchos de palha, feitos dessas palmeiras. Portanto, para o Ministério do Trabalho, quem se abriga numa cabana de palmeira está numa condição degradante de acomodação. Mas, no Tocantins, onde há o majestoso e maravilhoso rio Araguaia, no período seco, ao baixar as águas, formam-se ilhas e praias maravilhosas, o turista brasileiro se abriga em cabanas feitas com palhas de palmeira ou de babaçu e se considera bem acomodado. Chega a considerar isso chique. Mas, se é na propriedade rural, o Ministério do Trabalho considera degradante essa forma de acomodação.

É preciso que reexaminemos essa questão para darmos uma interpretação clara da lei também para os produtores rurais, porque não queremos ninguém ao arrepio, à margem da lei. Não podemos aceitar ou permitir que os agentes responsáveis pelo cumprimento da lei tratem a todos como bandidos. O produtor rural precisa ser respeitado por tudo o que já fez por este País.

Ouço com muito prazer o eminente Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Leomar Quintanilha, o pronunciamento de V. Exª nos mostra que estamos vivendo momentos de extremos. De um lado, evidentemente, é preciso proteger o trabalhador e dar dignidade ao trabalho de qualquer cidadão; de outro, não se leva em conta uma série de realidades do País: milhões de desempregados, pessoas ou famílias inteiras passando fome, o que vemos toda hora na televisão, nos jornais. Nós, dos Estados mais pobres do Norte e do Nordeste, sabemos que essa é uma realidade gritante. Portanto, a única atividade produtiva que ainda salva, vamos dizer, nesses Estados é justamente a atividade agrícola. E com essa “severidade” nessa questão, começamos a entender que parece que são ações combinadas porque, de um lado, procura-se complicar qualquer pessoa que está produzindo, principalmente na Amazônia, no Nordeste. Por exemplo, na Amazônia, onde o Estado de V. Exª está incluído, o proprietário só pode utilizar 20% de sua área, mas paga imposto sobre 100%. No entanto, agora, o Governo está anunciando que vai mandar um projeto, gestado no Ministério do Meio Ambiente, para arrendar as florestas da Amazônia para empresas privadas nacionais e estrangeiras e para ONGs. Li hoje em alguns sites de algumas ONGs como elas estão felizes. De repente, o amazônida, o caboclo que está lá produzindo, investindo o seu dinheiro, está proibido de explorar integralmente a sua terra. Se explora em condições que pode, ele é atingido por uma fiscalização severa dessas e pode ser multado, preso, enfim. Então, é preciso que, no Brasil, tenhamos um pouco de realidade. Primeiro, temos que nos preocupar em melhorar a condição de vida das pessoas, dar emprego, procurar ver a pessoa honesta que está trabalhando no interior deste País, e deixar que alguns filósofos da Avenida Paulista, de Ipanema, pensem que estamos num País virtual; eles não conhecem este País real, e precisamos alertá-los. E o discurso de V. Exª é muito oportuno porque alerta justamente para a realidade deste Brasil sofrido.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO) - Agradeço as observações de V.Exª.

Lembro que essa questão da restrição do uso da terra na nossa região, onde só se pode utilizar 20% da propriedade, é absurda. Vamos comparar a atividade rural com uma empresa. Não vemos, no meio urbano, qualquer empresa que precise instalar-se e possa utilizar só 20% do seu potencial. Isso é absurdo. Muitas questões têm criado dificuldades para a produção no meio rural, V. Exª tem razão. Está se consultando o interesse daqueles com quem o Brasil está disputando mercados para colocar produtos cada vez melhores e mais competitivos, sem que haja subsídio na nossa produção.

Mas há outra questão na ocupação da propriedade rural. Às vezes, o produtor rural faz um esforço grande, pois era arrendatário. Muitos produtores do sul do País foram arrendatários por muito tempo, mas vieram para a região Norte e compraram as propriedades. Ora, já existe a restrição de uso do solo. Na atividade rural, não há como transformar a propriedade bruta em atividade produtiva da noite para o dia. Na pecuária, a formação de pasto demora mais de ano, e a agricultura também tem a sua temporalidade. Apesar de o produtor ter comprado a propriedade e pago seus impostos, custeando com seus próprios recursos investimentos que a transformarão numa atividade produtiva, o que só pode ser feito gradativamente, se ele for fiscalizado no início da ocupação da sua propriedade, será constatado que ela não cumpre a sua função social, porque não está com o seu potencial todo aproveitado, por isso mesmo está sujeita à desapropriação para efeito de reforma agrária. Então, há um conflito muito grande na relação existente hoje com o meio rural, que seguramente não consulta os interesses do País, principalmente do setor primário.

Agradeço a contribuição de V. Exª.

Sr. Presidente, solicito um pouco mais de tolerância, para que eu manifeste um pouco mais das considerações que trago a esta Casa.

Eu comentava que, a pretexto de fazer cumprir a lei, muitos abusos têm sido cometidos no que diz respeito à correta interpretação das condições degradantes de trabalho, a meu ver, muitas vezes feita de forma subjetiva. Segundo a legislação, o trabalho escravo caracteriza-se, principalmente, pela supressão do direito de ir e vir, quando o trabalhador fica impedido de deixar o seu local de trabalho por qualquer alegação como, por exemplo, ter contraído dívidas com o seu empregador. Já a condição degradante de trabalho ocorre quando o empregado é submetido a jornadas abusivas de trabalho, não recebe o seu salário em moeda ou tem os seus direitos trabalhistas suprimidos. Para identificar essas ocorrências, fiscais do Ministério do Trabalho têm realizado diligências em propriedades rurais de maneira ostensiva e intimidatória, com o acompanhamento de efetivo policial exibindo armamento pesado e com a presença de membros da imprensa e de pessoas estranhas à atividade rural, o que constrange não só os proprietários e seus familiares como também os próprios trabalhadores rurais. O produtor rural não é bandido, nem sua propriedade covil de malfeitores. Não posso compreender nem mesmo aceitar que todas as visitas de fiscalização sejam realizadas com o apoio de forte efetivo policial, ostensivamente armado, oprimindo, humilhando e constrangendo. O proprietário rural, trabalhador, gerador de riquezas e emprego precisa ser respeitado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se trata aqui, evidentemente, de apoiar qualquer tentativa de submeter alguém à condição análoga a de escravo ou a trabalho considerado degradante. Como já disse, essa é uma prática condenável que precisa ser combatida com rigor. O que não podemos admitir é que se confundam eventuais irregularidades na contratação de empregados com trabalho escravo. Todos sabemos que a legislação trabalhista brasileira inibe o surgimento de novos postos de trabalho, pois impõe uma carga por vezes insuportável de obrigações sociais por parte do empregador. Tanto é verdade, que o governo do Partido dos Trabalhadores anuncia uma reforma da nossa legislação trabalhista, que data de 1943. O objetivo é flexibilizar as exigências impostas ao empregador, propiciando assim o surgimento de novas vagas para atender ao enorme contingente de desempregados. O empregador necessita dos trabalhadores para produzir os alimentos que a população demanda, mas também é evidente a necessidade que o empregado tem do emprego, única forma de garantir o seu próprio sustento e o de sua família.

No caso específico do campo, o Estatuto do Trabalhador Rural, promulgado em 1963, estendeu ao mundo rural a legislação trabalhista urbana, com direitos como carteira assinada, jornada de trabalho, salário mínimo, repouso semanal remunerado e férias. Se de um lado essas conquistas representaram um avanço para os trabalhadores, de outro, tais obrigações impostas ao empregador rural levaram-no a dispensar um grande número de trabalhadores, fazendo agravar o fenômeno social do êxodo rural. Com o expressivo incremento da atividade agropecuária, que tem obtido sucessivos recordes de produtividade, o campo tem conseguido oferecer novos postos de trabalho, insuficientes ainda para absorver a enorme demanda verificada no País. Para estimular a oferta de emprego no campo, o Governo precisa adotar medidas de desregulamentação dos contratos trabalhistas, privilegiar os processos de negociação e conceder incentivos fiscais para quem empregar. É o que se espera, para que possamos combater a principal mazela social hoje do Brasil, que é o desemprego. Entretanto, as constantes investidas dos órgãos de fiscalização governamentais, em muitos casos feitas com excesso, contribuem exatamente para inibir o empregador rural, que se vê ameaçado por uma legislação rigorosa que lhe impõe pesadas responsabilidades e obrigações sociais com a conseqüente redução na oferta de emprego.

Proponho aos meus nobres pares estabelecermos um debate aprofundado sobre a intensificação do processo de êxodo rural, fenômeno social que tem causado graves prejuízos à sociedade. Tenho me pronunciado sobre as causas desse fenômeno e o que podemos fazer para combatê-las. Promover uma reforma agrária consistente, possibilitando ao produtor rural condições efetivas de produzir, com linhas de crédito, assistência técnica e extensão rural são a única forma de gerar emprego e renda no campo. Mas não é isso o que temos visto. Ao invés de fortalecer o produtor rural, há uma tentativa de marginalizá-lo, imputando-lhe responsabilidade pela omissão secular dos governos em solucionar a questão fundiária. Os produtores rurais sentem-se constrangidos pelas criminosas invasões de suas propriedades, pela proliferação de assentamentos às margens de suas fazendas, muitas vezes até dificultando o seu acesso a elas e, por último, pela multiplicação assombrosa de novos acampamentos às margens das rodovias, integrados por famílias que aguardam desapropriação de áreas para abrigá-las. Não se trata, porém, pelo menos na maioria dos casos, verdadeiramente de trabalhadores rurais. Não são sem-terra. São efetivamente pessoas sem emprego, sem meios de ganhar seu próprio sustento, que se agarram a essa esperança que lhes acena o governo, de ter uma cesta básica de alimentos por algum tempo. Muitos são oportunistas que levantam uma barraca nesses assentamentos e lá permanecem apenas durante o dia e nos finais semana. Alguns deles têm a sua residência em povoados ou cidades próximas, apenas utilizam-se do movimento sem-terra para tirar vantagem pessoal.

É necessário combater essa prática, que mancha a imagem do movimento sem-terra, a meu ver legítimo quando se trata efetivamente de lavradores interessados em trabalhar na terra e dela tirar o seu próprio sustento e o de sua família. Não se pode permitir que ações criminosas de ocupação ilegal interfiram negativamente na atividade agropecuária. O produtor rural necessita de apoio para que o campo cumpra a sua função social e possa cada vez mais contribuir para o desenvolvimento desta nação.

            Sr. Presidente, em outro pronunciamento tratarei especificamente da questão do trabalho escravo, propondo iniciativas para tornar mais clara em nossa legislação a definição do que é trabalho escravo ou trabalho em condição análoga à de escravo. Não podemos permitir que interpretações equivocadas nessa matéria prejudiquem um setor que tem dado à Nação provas da sua potencialidade e do seu alto padrão de desempenho. Sobretudo, não podemos aceitar e permitir que o homem do campo, o trabalhador rural, que se tem integrado de corpo e alma com sua família numa atividade séria, que produz um elemento essencial à vida, o alimento, seja tratado de forma desrespeitosa. O trabalhador rural brasileiro, que tem a sua marca forte na construção, no progresso e no desenvolvimento que o País tem alcançado, merece e precisa ser respeitado.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2004 - Página 25003