Discurso durante a 112ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ausência de uma política nacional de combate à violência, bem como de uma proposta de solução para o caótico sistema penitenciário. Intenção do Ministério da Justiça em revogar a lei dos crimes hediondos.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Ausência de uma política nacional de combate à violência, bem como de uma proposta de solução para o caótico sistema penitenciário. Intenção do Ministério da Justiça em revogar a lei dos crimes hediondos.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/2004 - Página 26860
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, REDUÇÃO, ATUAÇÃO, ESTADO, EFEITO, IMPUNIDADE, CRIME, PROTESTO, ANUNCIO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REVOGAÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRIME HEDIONDO, TENTATIVA, SOLUÇÃO, LOTAÇÃO, PENITENCIARIA, CRITICA, FALTA, INVESTIMENTO, SEGURANÇA PUBLICA, INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.
  • CRITICA, EXTINÇÃO, EXAME, CRIMINOSO, VOTO CONTRARIO, ORADOR, SUBCOMISSÃO, SEGURANÇA PUBLICA, FACILITAÇÃO, REGIME SEMI ABERTO, PRESO, PREJUIZO, SOCIEDADE CIVIL.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “o argumento da LulaPress é a empulhação” (Elio Gaspari).

As exceções constitucionais ao direito à liberdade durante o regime militar criaram no Brasil um tabu de que é ilegítimo o poder punitivo do Estado. A corrente de pensamento tem influenciado o legislador brasileiro, que, desde o fim do período, vem promovendo o desmonte da legislação penal. Especialmente dos anos 1990 para cá, os Governos de um modo geral adquiriram o hábito de justificar a própria inatividade na “falência do sistema”. A administração do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, além de manter a tradição inercial da União em relação à segurança pública, prepara o “formidável enterro” de qualquer esperança de se instituir uma política eficaz de proteção do Estado e da sociedade brasileira. Na semana passada, o Ministério da Justiça emitiu a perigosa e inconseqüente intenção de revogar a Lei dos Crimes Hediondos. Nesta semana, já falou em elaborar estudos para iniciar as discussões. O certo é que, explícita ou tacitamente, a vontade do Governo Federal está lançada. Tenho certeza de que, desta feita, o Congresso Nacional não vai se portar como colaboracionista.

A revogação da Lei dos Crimes Hediondos vai sepultar o último instrumento que o Estado possui para manter segregado quem comete crime de alto potencial ofensivo. Os argumentos lançados pertencem à velha cantilena de que o diploma legal, 14 anos depois da sua edição, não conseguiu coibir a criminalidade. O Ministério da Justiça inclusive encomendou um estudo ao Ilanud - Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente - para provar a assertiva com o carimbo internacional. O propósito de comprovar que a Lei dos Crimes Hediondos não cumpriu a finalidade de prevenir o delito é um pretexto que move o Governo a navegar em mares nunca dantes navegados. O objetivo é levar adiante a missão de extirpar, de qualquer maneira, os últimos freios da legislação penal e diluir no meio social o incômodo da “herança maldita” dos 308 mil presidiários que abarrotam o sistema penitenciário.

Sr. Presidente, como diversas vezes pude me pronunciar desta tribuna, o Governo Lula insiste em trafegar no sentido proibido da construção de uma política de segurança pública para o Brasil porque não pretende investir no setor. A superlotação dos presídios, a promiscuidade administrativa, a fermentação de comandos criminosos e o irrisório índice de recuperação do sistema prisional deveriam ser aquele estímulo desafiador que uniria, como bem gosta o discurso presidencial, a sociedade e o Estado contra o crime. Ao contrário, os defeitos institucionais são transmitidos à opinião pública como um caos irresistível. Então, no receituário do Governo Lula só existe a porta de saída das cadeias para o problema penitenciário.

Durante as discussões da Subcomissão de Segurança Pública desta Casa, da qual sou o Relator, fui exaustivo ao prevenir o Senado de que era um sinal de regresso e que o País pagaria caro pelo fim do Exame Criminológico. À época, o Governo Federal, com apoio do Governo de São Paulo, lançou o mesmo argumento de que a perícia multidisciplinar também não funcionava e por isso deveria ser expurgada. Feita a vontade do Presidente, revogou-se o que se constituía no único instrumento de aferição das condições subjetivas do condenado para a obtenção do benefício da progressão da pena. Reflexo do baile: a evolução do regime fechado para o semi-aberto, que antes requeria laudo de especialistas na ciência forense, agora é automático, tendo em vista o critério temporal e o atestado de bom comportamento expedido pelo diretor de um presídio. Conforme anunciei, e de acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, milhares de presos estão voltando ao convívio das ruas sem merecimento.

Eu gostaria de advertir que a tentação liberalizante em relação à Lei dos Crimes Hediondos tem a finalidade apenas de dar impulso definitivo ao rodízio de presos iniciado com o fim do Exame Criminológico. Na ocasião, o Senado conseguiu alterar a investida do Palácio do Planalto realizada por via de um pacote de medidas oriundas da Câmara dos Deputados e conseguiu melhorar a proposta com a aprovação do Regime Disciplinar de Segurança Máxima. Os Deputados mantiveram o texto inicial, derrubaram o do Senado e homologaram uma temeridade. Desta feita, logo depois que se encerrar o período eleitoral, o Governo Lula pretende passar o rolo compressor para que esta Casa divida a culpa do inconseqüente livramento de matadores de aluguel, estupradores, latrocidas, seqüestradores, traficantes de droga e chefes de organizações criminosas. Eu gostaria de registrar a corajosa posição de antagonismo à idéia de condescendência com os autores de crimes graves expressa pelo ex-Presidente da Conamp -- Associação Nacional dos Membros do Ministério Público --, hoje Presidente da Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro, Doutor Marfan Vieira Martins.

No delírio petista, a libertação da escória irrecuperável condenada pela prática de crimes graves fará bem ao “projeto de desenvolvimento do País”, como quer o chefe do politburo, o Ministro-Chefe da Casa Civil. De acordo com a Doutrina Dircelista, ao aliviar a pressão do sistema prisional, o Governo estaria drenando uma fonte sistemática de más notícias e desgastes políticos. Ao Palácio do Planalto é plausível a desonra do sistema penal e a exposição da sociedade brasileira ao risco do incremento da criminalidade desde que a medida traga preservação aparente do status político do Governo. Trata-se de uma revisitação da lógica do Marechal Henri Pétain, que decidiu entregar a França aos nazistas para “manter a unidade francesa, uma unidade de dez séculos, dentro de um quadro de atividade construtiva da nova ordem européia”.

Sr. Presidente, neste ano, o Ministério da Justiça teve o desplante de investir no sistema prisional apenas 9,66% do Funpen -- Fundo Penitenciário Nacional. Ao todo foram autorizados no Orçamento R$202.179.835,00 e efetivamente executados R$19.530.272,56. De acordo com o planejamento governamental, em quatro anos a administração do PT iria construir cinco presídios federais de segurança máxima, sendo que o primeiro seria inaugurado em maio deste ano. As penitenciárias seriam capacitadas para receber condenados em Regime Disciplinar Diferenciado, a exemplo dos chefes do narcotráfico. O Governo Lula, só no último dia 13 deste mês, conseguiu concluir o processo licitatório do primeiro estabelecimento penal, a ser construído no Mato Grosso do Sul. Já em relação ao Fundo Nacional de Segurança Pública, a situação é sensivelmente pior. Neste ano, até a presente data, foram executados apenas 3,90% do Orçamento.

Os números do censo 2003 do Departamento Penitenciário Nacional demonstram os resultados práticos da teoria do abandono. Em 2003, os governadores recém-empossados tiveram de dar uma resposta às urnas que os elegeram e que elegeram também a segurança como o principal problema social. Houve um incremento do número de prisões e do cumprimento de mandados judiciais, com um resultado de 67.811 novos reclusos. Em flagrante descompasso com a demanda, a criação de novas vagas foi de 5%, ou pouco mais de 9 mil. Ou seja, o déficit do sistema cresceu 104%. Em vez de enfrentá-lo, o Governo Lula tergiversa pelo pior caminho, revogando o único escudo legal que, minimamente, ainda garante a sociedade.

No Ministério da Justiça predomina o pensamento de que o certo e prudente é afrouxar as leis penais para permitir maior liberação de presos e deixar que o sistema se acabe por falta de investimentos, já que não cumpre a finalidade de ressocializar o criminoso. E depois o petismo vem dizer que o sistema prisional está em colapso e que é preciso penas alternativas, quando a pressão está se elevando porque o Governo Federal prefere que a infra-estrutura carcerária se torne uma enxovia. Para a administração do PT, o combate à criminalidade por meio da repressão policial e penas rigorosas é um dispositivo autoritário e ilegítimo. Isso é beletrismo penal cumulado com má-fé. No Brasil, é fácil ser detido pelas autoridades policiais por um crime de menor potencial ofensivo, como um furto, mas definitivamente é muito raro alguém ficar preso. Sem se considerar a subnotificação dos registros criminais, que chega a três quintos das ocorrências, de acordo com o próprio Ilanud, apenas 5,2% dos delitos praticados resultam em condenação. E, ressalvados os poucos mais de dez crimes previstos na Lei dos Crimes Hediondos, só permanece preso quem tem uma folha corrida vintenária de reincidência.

Srªs e Srs. Senadores, tecnicamente, quem comete um crime cuja pena prevista não ultrapasse dois anos tem o benefício da transação penal e sequer é autuado em flagrante delito. O criminoso se compromete a pagar uma cesta básica e se livra solto. Quem é apenado em até quatro anos, reunidas as condições subjetivas, recebe medidas restritivas de direito, as chamadas penas alternativas. Quem praticou um homicídio simples e foi condenado a 7 anos de prisão, por exemplo, também não fica preso, pois tem direito ao cumprimento inicial em regime semi-aberto. Neste País, para efetivamente cumprir a pena em regime fechado, é preciso chegar ao extremo de matar para roubar, traficar entorpecentes com habitualidade, seqüestrar alguém ou praticar ato de semelhante gravidade. São condutas de extremo grau de violência, que se tornaram comezinhas, mas que o Governo Federal entende que merecem menor reprovabilidade social, vez que estão abarrotando o sistema prisional e maculando a boa imagem do PT.

Sr. Presidente, faço questão de registrar a minha indignação com a capacidade que este Governo tem de gerar problemas e desconfortos ao País. Nos últimos 15 dias, movida por surtos autocráticos, a administração do PT vem promovendo a vilania no atacado. Em um dia quer encapuzar a liberdade de imprensa, noutro impor o dirigismo cultural. Na semana seguinte divulga um relatório com a finalidade espúria de arrostar o Poder Judiciário, enquanto o Presidente da República, em um misto de vulgaridade e inconveniência, chama os jornalistas de covardes e, sem nenhum propósito, afirma que foi ao Gabão para aprender a ser ditador. Agora, como escreveu Eça de Queirós, “tecendo e estendendo as malhas preciosas das amizades partidárias”, inopinadamente decide que é preciso conferir foro privilegiado ao Presidente do Banco Central, em uma manobra que tem todos os contornos de confissão antecipada de culpa do atual ocupante da cadeira, presente que o Sr. Meirelles, se consultado, com certeza, dispensaria. Em busca de poder absoluto, imagina que pode urdir todas as inconstitucionalidades e alterar a estabilidade jurídica do País. Para finalizar, valho-me das palavras do Senador Jefferson Peres, que em brilhante artigo publicado hoje no jornal Folha de S.Paulo assim resumiu a sua frustração com a situação política do Brasil: “Entendo que o PT tenha abandonado a utopia ideológica, uma vez que o projeto socialista desmoronou junto com o Muro de Berlim. Mas não entendo nem desculpo que tenha abjurado a utopia ética, configurada no compromisso de conciliar a política com a decência, especialmente no exercício do poder”.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/2004 - Página 26860