Discurso durante a 112ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância de se envidar esforços para que a malária não se alastre de forma epidêmica.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Importância de se envidar esforços para que a malária não se alastre de forma epidêmica.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/2004 - Página 26877
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, MALARIA, FORMA, TRANSMISSÃO, DOENÇA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, EFICACIA, CONTROLE, ERRADICAÇÃO, MALARIA, REDUÇÃO, DANOS, PACIENTE, INCIDENCIA, DOENÇA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mesmo os céticos e os invariavelmente críticos haverão de admitir que nos últimos 50 anos, em linhas gerais, o Brasil experimentou considerável avanço em termos de saúde pública. Para isso, como diversas outras nações, soubemos aproveitar os impulsos que a pesquisa médica e o desenvolvimento científico-tecnológico vêm proporcionando à humanidade. Logo, superando também uma sucessão de políticas públicas erráticas e pífias, conseguimos o virtual controle de uma série de moléstias que afligiam, com a superior indiferença que só a natureza pode dedicar aos dramas humanos, grandes contingentes de nossas populações.

Embora o IDH brasileiro -- o inquietante Índice de Desenvolvimento Humano -, divulgado no início deste semestre, não seja motivo de entusiasmo ou enseje qualquer tipo de orgulho para os cidadãos, é forçoso reconhecer que temos alguns bem-sucedidos programas na área de assistência médica. Carentes da verdadeira universalização do atendimento médico-ambulatorial de qualidade, que permanece contaminado por precariedades antigas, há iniciativas brasileiras, como o combate à Aids, que se tornaram referências e, dado seu caráter modelar, inspiram políticas e procedimentos semelhantes em diversos outros países.

Coloco-me aqui como um experimentado profissional de saúde e digo que é evidente a constatação de que precisamos equacionar, enfrentar e superar inúmeros desafios, se pretendemos efetivamente promover a elevação consistente da qualidade de vida dos brasileiros. Tome-se, por emblemática, a malária, que já eleva o Brasil ao posto de campeão das Américas em número de casos registrados; e que concede, ainda, ao País um nada honroso terceiro lugar no mundo. É exatamente por isso, pelo expressivo alcance dessa doença no País, que devemos conhecê-la detalhadamente e estudá-la amiúde, a fim de que, com a implementação de políticas públicas pertinentes, possamos, se não erradicá-la, pelo menos estabelecer um controle mais estrito, reduzindo os danos que causa a milhares de pacientes.

Num primeiro momento, precisamos entender exatamente o que é a malária. Trata-se de uma doença infecciosa não-contagiosa, aguda ou crônica, causada por protozoários do gênero Plasmodium, sobretudo das espécies vivax, falciparum e malariae, com incidência espetacularmente alta na Amazônia. A transmissão ocorre por meio da picada da fêmea de mosquitos do gênero Anopheles, sendo o Anopheles darlingi o principal vetor no País. A dinâmica de transmissão da malária obedece a uma lógica tão singela quanto deletéria: o mosquito infecta-se ao sugar o sangue de uma pessoa doente e, ao picar um indivíduo sadio, pode inocular a forma infectante do plasmódio.

A pesquisa revela que cada uma das espécies de protozoário implica características clínicas distintas para a enfermidade. Além da picada do mosquito, eventualmente a moléstia se transmite em virtude de outras situações que colocam o sangue de uma pessoa infectada em contato com o de uma sadia: por exemplo, o compartilhamento de seringas e a transfusão de sangue. Pode ocorrer, também, a transmissão da mãe para o feto, durante a gestação.

            Embora seja possível a infecção de animais como aves e répteis, os tipos de malária contraídos pelos humanos não ocorrem em outras espécies. Isso apesar de evidências, ainda não comprovadas, de possível transmissão, sempre através do mosquito, de macacos para humanos.

As três espécies de Plasmodium -- vivax, falciparum e malariae -- atacam células do fígado e glóbulos vermelhos, as hemácias, destruídos ao serem utilizados para a reprodução do protozoário. No momento em que o mosquito pica o ser humano, introduz em sua corrente sangüínea, por meio da saliva, uma forma ativa do Plasmodium, denominada esporozoíta, que faz parte de uma de suas formas evolutivas. Ingressos na corrente sangüínea, os esporozoítas dirigem-se para o fígado, penetrando nas células hepáticas para a multiplicação e originando outra forma evolutiva chamada merozoíta. Uma parte dos merozoítas permanece no fígado e continua a se reproduzir em suas células, a outra cai novamente na corrente sangüínea e adentra as hemácias para seguir com o processo reprodutivo. As hemácias parasitadas também são destruídas e originam ora outros merozoítas, ora gametócitos, células precursoras dos gametas femininos e masculinos, do parasita.

Dentre os tipos de Plasmodium registrados no Brasil, o mais agressivo é o falciparum, com alto poder de multiplicação. Assim, invade e destrói mais hemácias que as duas outras espécies, causando um quadro anêmico mais imediato. Depois, os glóbulos vermelhos parasitados pelo falciparum sofrem alterações estruturais que os tornam mais adesivos entre si e às paredes dos vasos sangüíneos, gerando pequenos coágulos que podem resultar em problemas cardíacos, como tromboses e embolias.

Após a incubação do Plasmodium falciparum, aparece um quadro clínico variável, que inclui calafrios, febre alta (no início contínua e depois com freqüência de três em três dias), dores de cabeça e musculares, taquicardia, aumento do baço e, por vezes, delírios. Existe, também, a possibilidade de se desenvolver a malária cerebral, responsável por cerca de 80% dos casos letais da doença. Além dos sintomas correntes, na malária cerebral aparece ligeira rigidez na nuca, perturbações sensoriais, desorientação, sonolência ou excitação, convulsões, vômitos e dores de cabeça, podendo o paciente chegar ao coma. Por vezes, o quadro da malária cerebral lembra o tétano, a meningite, a epilepsia e o alcoolismo, entre outras afecções de natureza neurológica.

A malária tem um período de incubação variável entre 12 e 30 dias. Após a exposição ao Plasmodium, e vencido o período de incubação, desencadeiam-se os chamados acessos de malária, gerando uma sintomatologia característica ampla e, eventualmente, enganosa.

Por seu turno, o Plasmodium vivax, ao contrário do falciparum, é causador de um tipo mais brando de malária, geralmente não letal, muito embora bastante complicada em termos terapêuticos. Como o vivax se instala por mais tempo no fígado do paciente, impõe respostas mais lentas à medicação. A incubação varia de 10 a 20 dias, mas o vivax, como já mencionei, em geral não é tão agressivo: o falciparum ataca entre 2% e 25% do total de hemácias, já o vivax não alcança mais que um por cento. Na fase inicial da doença provocada pelo vivax, os sintomas incluem mal-estar, dores de cabeça e febrícula, que pode evoluir para febre entre 39 e 40 graus, repetida a cada dois dias, com suor intenso e dores musculares.

O terceiro causador da malária, identificado como Plasmodium malariae, implica quadro clínico bastante similar ao gerado pelo vivax, que acabamos de ver. O que o distingue é a constância de febre baixa e a recorrência a cada três dias. A moléstia causada pelo Plasmodium malariae também pode gerar recaídas a longo prazo, com ressurgimento em até três ou quatro décadas.

Do ponto de vista histórico, sabemos que, já durante o século 18, as populações indígenas e ribeirinhas padeciam com a malária. Ironicamente, foi ao longo do denominado Século das Luzes europeu que a doença foi introduzida em nosso País, vinda da África, dentro do desordenado e inconseqüente processo de colonização promovido no Brasil.

Como se sabe, a malária é uma doença debilitante, que provoca febre e anemia, além de deixar o organismo bastante vulnerável a várias outras moléstias. Logo, reduz de forma sensível o rendimento no trabalho, ao mesmo tempo em que impõe o deslocamento dos pacientes para locais específicos, para diagnóstico. Em pessoas que sofram de insuficiência nutricional, a moléstia pode revelar-se mortal. Os pesquisadores mostram também que a malária, durante a gestação, pode ensejar má-formação fetal, retardo no desenvolvimento intra-uterino e, inclusive, abortos, sem contar as seqüelas permanentes na criança.

Atenção especial em qualquer política pública voltada para a malária deve ser dada à Região Norte, onde são verificados 99%, ou a quase totalidade, dos casos registrados no País. No Norte, a malária revela-se insaciável, com um quadro evolutivo verdadeiramente assustador: em 1985, portanto há menos de 20 anos, registravam-se 11 mil casos, no Amazonas; quinze anos depois, no ano 2000, alcançou a espantosa cifra de 96 mil casos, recuando no ano seguinte para ainda alarmantes 48 mil pessoas afetadas pela doença. Números mais recentes, felizmente, apontam redução no número de casos, o que não é garantia de que não possa eventualmente ocorrer uma recidiva de altas proporções.

Implementado no segundo semestre de 2002, o Programa Nacional de Controle da Malária tem a responsabilidade de combater eficazmente a disseminação da enfermidade. Por ocasião do lançamento do programa, a Funasa, Fundação Nacional de Saúde, estabelecia como meta a diminuição da incidência parasitária anual por malária em 25 %, já no ano de 2003. Nos exercícios seguintes, deve perseguir uma redução anual de 15 por cento. Além desse desempenho, que uma vez comprovado será feito extremamente auspicioso, a intenção da Funasa é eliminar a transmissão da malária em todas as áreas urbanas das capitais em um horizonte de mais dois anos, ou seja, até o final de 2006.

É certo que a malária não é um mal que aflige unicamente o Brasil. A Organização Mundial de Saúde revela que, na atualidade, a malária é a doença tropical e parasitária responsável pela geração de alguns dos mais graves problemas sociais e econômicos no mundo. É superada, em número de mortes, apenas pela Aids. Também denominada de paludismo, a malária é tida como problema de saúde pública em quase uma centena de países, nos quais perto de 2,4 bilhões de seres humanos -- representando 40% da população global -- convivem com os riscos de infecção. Embora o Brasil desponte como um dos líderes das estatísticas mundiais sobre a incidência da malária, pelo menos em nosso território a mortalidade da doença é baixa e não alcança 0,1% do número total de enfermos.

A despeito de todos os esforços desenvolvidos em nosso País no combate à doença, é preciso também se adotar uma atitude mais firme e deliberada no sentido de trabalhar o diagnóstico e a terapia precoces. Passos concretos nessa direção asseguram a redução de óbitos e a contenção da doença. Ademais, terapias alternativas abrem novos horizontes para o tratamento. A etnobotânica é uma linha de trabalho viável e, aparentemente, bastante positiva, pois permite um melhor conhecimento do modo como as populações afetadas vêm buscando alternativas de tratamento, em mais de dois séculos de luta e sobrevivência. No momento, o Instituto de Medicina Tropical do Amazonas avalia a eficiência de extratos de plantas do Amazonas, em uma inteligente conciliação dos conhecimentos popular e científico.

A estratégia adquire ainda mais sentido quando se acena com o fato de os modos convencionais de combate à malária estarem na iminência de alcançarem seu limite. Pesquisadores e estudiosos na região Amazônica revelam que os mosquitos transmissores da doença, os já mencionados Anopheles, estão criando notória resistência a inseticidas. Além disso, o que é extremamente preocupante, a cloroquina, o mais tradicional remédio contra a malária, já não é eficaz contra algumas cepas do Plasmodium falciparum.

Enfim, se o Brasil deseja ser vitorioso no combate à malária em seu território, é imprescindível que não negligencie ou transija nas metas já fixadas nos programas oficiais em vigor. Também cabe ao Ministério da Saúde incentivar a busca de alternativas não ortodoxas, que eventualmente poderão conduzir a tratamentos mais eficazes. Não pode o Governo, tampouco, regatear recursos. Somente com ações convergentes, afirmativas e ousadas poderemos, no médio prazo, livrarmo-nos dos terríveis títulos de campeão americano e terceiro colocado mundial em números de casos registrados de malária.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/2004 - Página 26877