Discurso durante a 116ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2004 - Página 27448
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DETALHAMENTO, PERIODO, HISTORIA, REVOLUÇÃO, ESTADO NOVO, GOVERNO, DEMOCRACIA.
  • LEITURA, TRECHO, CARTA, SUICIDIO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores e senhoras, nesta manhã de rememoração de capítulos fundamentais da História deste País, certamente ouviremos, em mais de vinte pronunciamentos, a repetição de fatos históricos e a eventual análise dos mesmos. A necessária e indispensável repetição e a eventual e também inevitável análise desses fatos históricos não nos cansarão pela importância.

Há 50 anos o Brasil acordava traumatizado: o Presidente Getúlio Vargas havia detonado no seu peito um balaço fatal. Ao lado do corpo, um documento devastador. Era a Carta-Testamento, o documento de maior repercussão, em qualquer tempo, na vida política nacional.

O suicídio de Getúlio Vargas iria determinar emocional mobilização popular em todo o País. Multidões se formavam em choro convulsivo e, em alguns lugares, a exemplo do Distrito Federal, foi impossível conter a violência contra os seus adversários.

A carta-testamento era um poderoso instrumento que fornecia o combustível para a afirmação do seu ideário político. Já no seu início, destacava:

Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os mais humildes.

Mais adiante, dizia Getúlio:

A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacionais, revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo, se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.

Prosseguia em outro trecho:

Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.

Cinco décadas depois, a grande reflexão a ser feita nos remete a uma indagação: quem foi Getúlio Vargas? A meu juízo existem três momentos históricos na sua vida de homem público. O primeiro, o chefe revolucionário de 1930. O segundo, o chefe do Estado Novo de 1937, fundamentado no autoritarismo ditatorial. E o terceiro, o Presidente da República eleito democraticamente em 1950.

Sintetizo os três períodos:

O Chefe Revolucionário de 30

Deputado Estadual no Rio Grande do Sul, por três mandatos, Getúlio Vargas era um fiel seguidor do republicanismo de Borges de Medeiros, herdeiro do positivismo de Julio de Castilho. Caudilho, autoritário, Borges de Medeiros, governava já em um segundo longo período o Rio Grande. Em 1922, Getúlio foi indicado para a Câmara Federal. No ano seguinte, com a quinta eleição do Governador Borges de Medeiros, o caudilho Assis Brasil denuncia a fraude eleitoral e desencadeia-se violenta guerra civil no Estado. Em dezembro de 1923, o acordo de paz de Pedras Altas, celebrado na estância de Assis Brasil, encerra o conflito armado. Fica garantido o mandato de Borges de Medeiros, mas veta a sua reeleição.

Um personagem se destaca no encerramento da guerra civil, patrocinando a ação do Governo Federal como mediador do conflito: o Deputado Federal Getúlio Vargas. Reeleito para a Câmara, destaca-se ao integrar a Comissão de Finanças. Com a eleição de Washington Luís, em 1926, assume o Ministério da Fazenda. Implanta a reforma monetária, instituindo o retorno do padrão ouro e criando um novo fundo de estabilização cambial chamado Caixa de Estabilização.

Não podendo mais ser reeleito Presidente da Província do Rio Grande do Sul pelo Pacto de Pedras Altas, Borges de Medeiros lança o nome de Getúlio Vargas à sua sucessão. Era a desejada pacificação gaúcha.

Ao assumir o poder, reorienta a ação econômica e política do governo gaúcho, conseguindo resultados positivos.

Na República, a famosa aliança do “Café com Leite”, de revezamento da Presidência entre mineiros e paulistas, não é respeitada por Washington Luiz, que lança à sua sucessão o paulista Júlio Prestes. O Presidente de Minas, Antonio Carlos de Andrada, que esperava ser o sucessor, busca o apoio do Rio Grande do Sul, anunciando que apoiaria uma candidatura gaúcha ao Catete. Contaria com pequenas dissidências paulistas e cariocas. O Presidente Washington Luiz comunica aos governadores que o seu candidato seria Júlio Prestes e recebe o apoio de 17 Estados. A Paraíba se rebela. É quando se realiza no Rio o Pacto do Hotel Glória, em que se afirma o veto a Júlio Prestes.

Imediatamente é lançada a chapa oposicionista: Getúlio Vargas, Presidente, e João Pessoa, Governador da Paraíba, Vice-Presidente. Era uma luta desigual. Estava lançada a semente que levaria à Revolução de 30.

Realizado o pleito, a vitória é de Júlio Prestes. Com denúncias generalizadas de fraude, restava o caminho revolucionário. Virgílio de Melo Franco, Osvaldo Aranha, Batista Luzardo, Flores da Cunha, Antonio Carlos e militares como Juarez Távora, Siqueira Campos, João Alberto e Góes Monteiro são os articuladores da rebelião. Mas a conspiração estava fadada ao insucesso quando ocorreu o assassinato de João Pessoa, em Pernambuco, em julho de 1930, por razões que ficavam muito longe da política. Era o estopim para se lançar a culpa ao Governo Federal. Gerou uma comoção nacional, dando inegável renascimento às articulações revolucionárias.

No dia 3 de outubro, eclodia o movimento revolucionário. O Presidente deposto foi substituído por uma Junta Provisória. No dia 31 de outubro, em um trem militar, Getúlio Vargas desembarcava no Rio de Janeiro, tomando posse no governo provisório.

A Revolução de 30 estava vitoriosa e, com 30 anos de atraso, colocaria o Brasil no século XX. Iria gerar um ciclo novo na vida nacional. A crise de 1929, com o colapso da Bolsa de Nova Iorque, afetaria a economia brasileira em profundidade, já que o café era sua base fundamental, acreditando-se que o PIB nacional teria sido afetado numa redução nunca inferior a 5%. A isso, some-se a fuga de capitais, que gerou uma grande crise cambial.

País agrário-exportador, o Brasil pagava um preço maldito na grande depressão mundial que se seguiu. Era uma autêntica desarticulação da economia mundial.

A saída era encontrar uma alternativa com componente nacional para a situação em que estávamos mergulhados. Era preciso diversificar a economia e definir projetos articulados de desenvolvimento, nos quais o atraso industrial precisava ser enfrentado como grande alternativa. É o nascimento da modernização conservadora, fundada no nacional-desenvolvimentismo.

Na agricultura, era necessária uma política de proteção à cafeicultura, principal riqueza nacional. Introduziu-se imposto sobre cada saca exportada, ampliando o crédito interno e retirando, entre 1930 e 1934, 50 milhões de sacas de café do mercado. Desse total, 34 milhões foram queimadas, o que evitou a quebra generalizada do setor. Essa decisão manteve o nível de atividade no comércio, na indústria, nos serviços, nas finanças e empregos em nível razoável.

O governo de Getúlio Vargas, que era provisório, defronta-se, em 1932, com a Revolução Constitucionalista de São Paulo, exigindo eleições livres. O conflito, que dura três meses, é esmagado pelo poder central. Mas sua tese é vitoriosa e convoca-se a Assembléia Constituinte em 1934, quando, em eleição indireta, Getúlio é ungido Presidente.

A economia já dava sinais consistentes de crescimento, alicerçada no mercado interno. A partir de 1933, voltava a crescer, sendo que, entre 1933 e 1939, o crescimento da indústria atingiu o nível de 11,2% ao ano, já a agricultura crescia, no período, ao índice de 2% ao ano.

Vargas e o Estado Novo

Nesse cenário, as lutas internas, a esquerda e a direita afloram com vigor. Em 1935, os comunistas se insurgem e em 38, são os integralistas. A agitação precedia as eleições gerais de 1937 determinada pela Constituição. É quando Vargas pilota o golpe que teria a denominação histórica de Estado Novo. A ditadura se implanta, as liberdades democráticas são suprimidas e o Congresso é fechado. A nova Constituição imposta lhe concede poderes absolutos.

Anuncia à nação o seu projeto de desenvolvimento nacional, com prioridade à industrialização e à reorganização do Estado, com a criação de uma burocracia estável, com prioridade na diversificação econômica, em um contexto de economia fechada e protecionista. Regula setores específicos, criando o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Conselho Federal de Comércio Exterior, o Departamento de Produção Nacional. Implanta a Reforma Tarifária, ampliando-a com a isenção de tarifas sobre importação de máquinas e equipamentos para setores estratégicos. A Reforma Educacional é desse período, com prioridade para o desenvolvimento dos cursos técnicos.

Na esfera trabalhista amplia a função do Ministério do Trabalho criado em 1932, objetivando a relação capital e o trabalho nos núcleos urbanos. Em 1943, sistematiza a Consolidação das Leis do Trabalho atendendo as antigas reivindicações dos assalariados. É a regulamentação da jornada de trabalho, o descanso semanal remunerado, regula o trabalho das gestantes e dos menores, garante as férias remuneradas, o salário mínimo, a aposentadoria como direito sagrado do trabalhador. É dessa época a criação dos sindicatos corporativos por categoria. Obviamente controlados pelo Estado.

No plano de desenvolvimento estratégico, em 1938, cria o Conselho Nacional de Petróleo e lança o Plano de Obras Públicas e Reaparelhamento da Defesa Nacional. Esse viés de planejamento objetivava o desenvolvimento da infra-estrutura e da indústria de base. Getúlio acreditava que somente um Estado nacional forte poderia obter êxito nesse desafio. O gargalo do financiamento era um obstáculo, inexistia um sistema bancário com capilaridade de abrangência nacional que garantisse investimento de prazo longo. A estrutura industrial, por outro lado, ainda era de empresas familiares. Cria então a Carteira do Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil. Altera a legislação, possibilitando a aplicação dos recursos dos Institutos de Aposentadorias no financiamento dos investimentos de longo prazo. Igualmente introduz um imposto de operações cambiais com forte controle do câmbio, para a formação de um fundo para investimentos do governo. Faz assim do capital nacional um caminho para alavancar o desenvolvimento, mas procurando atrair os investimentos estrangeiros para esses programas oficiais, com respostas tímidas.

Na sua concepção de que era fundamental a modernização nacional, a siderurgia seria a grande arrancada. Além da construção da usina de Paulo Afonso, a drenagem do rio São Francisco e a construção de estradas de ferro e de rodagem e a compra de 12 navios para o Lóide Brasileiro, estruturando a Marinha Mercante, integravam o seu plano de desenvolvimento qüinqüenal. Com a recusa da United Steel, norte-americana, de participar da construção da siderúrgica de Volta Redonda, habilmente em pronunciamento a bordo do encouraçado Minas Gerais, Getúlio, sem nominar a Alemanha ou a Itália, disse: “As nações fortes que se impõem pela organização baseada no sentimento de Pátria e sustentando-se pela convicção da própria superioridade”. Isso gerou uma interpretação simpatia pelo Eixo. Logo a seguir, Vargas recebe emissário do governo Roosevelt apoiando a construção de Volta Redonda e autorizando um crédito de US$20 milhões. Em abril de 1941, era fundada a Companhia Siderúrgica Nacional, empresa de economia mista com capital majoritário do governo.

A eclosão da II Guerra ampliou a aproximação dos Estados Unidos, e a economia nacional teve acelerado o seu desenvolvimento. O Brasil acumulou reservas cambiais em função do programa aliado de aquisição de matérias-primas e outros bens elaborados, além da entrada de capitais norte-americanos após um longo prazo de efetivo desinteresse.

A decomposição do Estado Novo se inicia quando o Brasil participa do conflito mundial ao lado das nações democráticas.

A derrubada do Chefe de Estado era apenas uma questão de tempo. Getúlio Vargas é deposto e retorna em avião militar para a estância de Itu, em São Borja.

No seu “exílio” nos pampas gaúchos, permanecia como um pólo da política nacional. Dois partidos políticos, o PSD e o PTB, nasceram da sua articulação. Sua candidatura a deputado federal é lançada por vários Estados. No Rio Grande do Sul é lançado ao Senado pelo PSD; em São Paulo, pelo PTB, sendo eleito nos dois Estados, igualmente eleito Deputado Federal por sete Estados. A legislação eleitoral permitia essa situação. Obteve um total de um milhão cento e cinqüenta mil votos. O presidente eleito Gaspar Dutra, que teve o seu apoio, recebera três milhões duzentos e cinqüenta mil votos. Era o Presidente da República derrotando o Brigadeiro Eduardo Gomes.

Presidente Eleito.

O Congresso Constituinte tomou posse em 2 de fevereiro de 1946. Eleito Senador por dois Estados, Getúlio fez a opção pelo Rio Grande do Sul. Somente em junho tomou posse como Constituinte. Ante os discursos de condenação do Estado Novo e segundo o historiador Foster Duller,“numa das sessões, o debate foi seguido de luta corporal. Getúlio, ouvindo as críticas que eram feitas ao seu governo, responsabilizando-o por todos os males do País, desafiou os seus acusadores a que o encontrassem fora do edifício, e abandonou o recinto”.

A Constituição de 1946 não teve a sua assinatura. Retornara a São Borja e não voltou mais ao Senado. Na inauguração da usina siderúrgica de Volta Redonda, não foi convidado pelo Presidente Dutra, naquela que foi a obra do seu sonho. O estremecimento com o governo se tornara irreversível. A entrega de dois ministério à UDN e o isolamento do PTB eram a senha do rompimento.

No seu auto-exílio de São Borja, assistia ao governo costurar a sucessão com a aliança PSD - UDN, de corte integralmente conservador. É quando, em 1949, o jornalista Samuel Wainer, dos Diários Associados, vai ao Rio Grande do Sul e procurar obter uma entrevista com Vargas. Sua audácia jornalística teria êxito. Uma das perguntas seria uma resposta que iria sacudir o Brasil; “Sim, eu voltarei, não como líder político, mas como líder de massas”.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Estou concluindo, Sr. Presidente.

Diante das articulações nacionais, Getúlio recuou. Somente em abril de 1950, na estância de João Goulart em São Borja, é lançado à Presidência, respondendo afirmativamente.

Em junho, o PSD lança Cristiano Machado, e a UDN, o Brigadeiro Eduardo Gomes como seus candidatos presidenciais. Em 9 de agosto, em Porto Alegre, o PTB apresenta Getúlio Vargas, tendo na vice, indicado por Adhemar de Barros, governador de São Paulo, pelo PSB, o Deputado Café Filho. Foram 53 dias de campanha.

Sr. Presidente, peço a V. Exª, já que vou cumprir a sua determinação, que considere lida parte do discurso que não terei a satisfação de ler.

Concluo, afirmando, Sr. Presidente, que, cinco décadas depois, estamos aqui para registrar que a bala da rua Toneleros também vitimou Getúlio. Ao afastamento exigido pelos ministros militares cumpriu a advertência: “Se me quiserem depor, só encontrarão o meu cadáver”.

O tiro que desfechou no peito, naquela manhã de 24 de agosto, ainda ecoa pelo Brasil nos dias de hoje. O minuano getulista está presente na contemporaneidade nacional. Foi o estadista marcante do século XX, ao lançar as sementes e as bases para a construção do Brasil moderno e desenvolvido.

Nesta data, é oportuno lembrar que, entre os anos de 1930 e 1980 - portanto, durante meio século -, não foi nenhuma nação nórdica, saxônica, germânica ou asiática que mais cresceu economicamente no mundo. Foi o Brasil, e isso não foi milagre, fruto do trabalho dos nacionais, a partir da arrancada da Revolução de 30.

E esse exemplo haverá de ser um farol para o nosso presente, iluminando o nosso futuro, objetivando a construção de uma nação economicamente desenvolvida, socialmente justa e politicamente fundamentada no Estado de Direito.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ALVARO DIAS

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O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há 50 anos, nesta data, 24 de agosto, o Brasil acordava traumatizado: o presidente Getúlio Vargas havia detonado no seu peito um balaço fatal. Ao lado do corpo um documento devastador. Era a carta-testamento, o documento de maior repercussão, em qualquer tempo, na vida política nacional.

O suicídio de Getulio Vargas iria determinar emocional mobilização popular em todo o País. Multidões se formavam em choro convulsivo e em alguns lugares, a exemplo do Distrito Federal, foi impossível conter a violência contra os seus adversários.

A carta-testamento era um poderoso instrumento que fornecia o combustível para a afirmação do seu ideário político. Já no seu início destacava:

“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os mais humildes”.

E mais adiante:

“A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacional, revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.”

Prosseguia em outro trecho:

“Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.”

Cinco décadas depois a grande reflexão a ser feita nos remete a uma indagação: quem foi Getúlio Vargas? A meu juízo existem três momentos históricos na sua vida de homem público. O primeiro, o chefe revolucionário de 1930. O segundo, o chefe do Estado Novo de 1937, fundamentado no autoritarismo ditatorial. E o terceiro, o Presidente da República eleito democraticamente em 1950.

O Chefe Revolucionário de 30

Deputado Estadual no Rio Grande do Sul, por três mandatos, Getúlio Vargas era um fiel seguidor do republicanismo de Borges de Medeiros, herdeiro do positivismo de Julio de Castilho. Caudilho autoritário, Borges de Medeiros, governava já em um segundo longo período o Rio Grande. Em 1922, Getúlio foi indicado para a Câmara Federal. No ano seguinte com a quinta eleição do governador Borges de Medeiros, o caudilho Assis Brasil denuncia a fraude eleitoral e desencadeia-se violenta guerra civil no Estado. Em dezembro de 1923 o acordo de paz de Pedras Altas, celebrado na estância de Assis Brasil, encerra o conflito armado. Fica garantido o mandato de Borges de Medeiros, mas veta a sua reeleição.

Um personagem se destaca no encerramento da guerra civil, patrocinando a ação do governo federal como mediador do conflito: o Deputado Federal Getulio Vargas. Reeleito para a Câmara, destaca-se ao integrar a Comissão de Finanças. Com a eleição de Washington Luis, em 1926, assume o Ministério da Fazenda. Implanta a reforma monetária, instituindo o retorno do padrão ouro e criando um novo fundo de estabilização cambial chamado Caixa de Estabilização.

Não podendo mais ser reeleito Presidente da Província do Rio Grande do Sul, pelo pacto de Pedras Altas, Borges de Medeiros lança o nome de Getúlio Vargas a sua sucessão. Era a desejada pacificação gaúcha.

Ao assumir o poder, reorienta a ação econômica e política do governo gaúcho, conseguindo resultados positivos.

Na República, a famosa aliança do “café com leite”, de revezamento da presidência entre mineiros e paulistas não é respeitada por Washington Luiz que lança à sua sucessão o paulista Julio Prestes. O presidente de Minas, Antonio Carlos de Andrada, que esperava ser o sucessor, busca o apoio do Rio Grande do Sul, anunciando que apoiaria uma candidatura gaúcha ao Catete. Contaria com pequenas dissidências paulistas e cariocas. O presidente Washington Luis comunica aos governadores que o seu candidato seria Julio Prestes e recebe o apoio de 17 Estados. A Paraíba se rebela. É quando se realiza no Rio o Pacto do Hotel Glória, em que se afirma o veto a Julio Prestes.

Imediatamente é lançada a chapa oposicionista Getulio Vargas - Presidente e João Pessoa, governador da Paraíba - vice-presidente. Era uma luta desigual. Estava lançada a semente que levaria à Revolução de 30.

Realizado o pleito, a vitória é de Julio Prestes , com denúncias generalizadas de fraude, restava o caminho revolucionário. Virgilio de Melo Franco, Osvaldo Aranha, Batista Luzardo, Flores da Cunha, Antonio Carlos e militares como Juarez Távora, Siqueira Campos, João Alberto e Góes Monteiro são os articuladores da rebelião. Mas a conspiração estava fadada ao insucesso, quando ocorreu o assassinato de João Pessoa, em Pernambuco, em julho de 1930, por razões que ficavam muito longe da política. Era o estopim para se lançar a culpa ao governo federal. Gerou uma comoção nacional, dando inegável renascimento às articulações revolucionárias.

No dia 3 de outubro, eclodia o movimento revolucionário. O Presidente deposto foi substituído por uma Junta Provisória. No dia 31 de outubro em um trem militar, Getulio Vargas desembarcava no Rio de Janeiro, tomando posse no governo provisório.

A revolução de 30 estava vitoriosa e, com 30 anos de atraso, colocaria o Brasil no século XX. Iria gerar um ciclo novo na vida nacional. A crise de 1929, com o colapso da Bolsa de Nova Iorque, afetaria a economia brasileira em profundidade, já que o café era a sua base fundamental, acreditando-se que o PIB nacional teria sido afetado numa redução nunca inferior a 5%. A isso some-se a fuga de capitais que gerou uma grande crise cambial.

País agrário-exportador, o Brasil pagava um preço maldito na grande depressão mundial que se seguiu. Era uma autêntica desarticulação da economia mundial.

A saída era encontrar uma alternativa com componente nacional para a situação em que estávamos mergulhados. Era preciso diversificar a economia e definir projetos articulados de desenvolvimento, nos quais o atraso industrial precisava ser enfrentado como grande alternativa. É o nascimento da modernização conservadora fundada no nacional-desenvolvimentismo.

Na agricultura, era necessária uma política de proteção a cafeicultura, principal riqueza nacional. Introduziu-se um imposto sobre cada saca exportada, ampliando o crédito interno e retirando, entre 1930 e 1934, 50 milhões de sacas de café do mercado. Desse total, 34 milhões foram queimadas, o que evitou a quebra generalizada do setor. Essa decisão manteve o nível de atividade no comércio, na indústria, nos serviços, nas finanças, e empregos em nível razoável.

O governo de Getúlio Vargas, que era provisório, defronta-se em 1932 com a Revolução Constitucionalista de São Paulo, exigindo eleições livres. O conflito que dura três meses é esmagada pelo poder central. Mas sua tese é vitoriosa e convoca-se a Assembléia Constituinte em 1934 quando em eleição indireta Getulio é ungido Presidente.

A economia já dava sinais consistentes de crescimento, alicerçada no mercado interno. A partir de 1933 voltava a crescer. Sendo que entre 33 e 1939, o crescimento da industria atingia o nível de 11,2% ao ano, já a agricultura crescia, no período, ao índice de 2% ao ano.

Vargas e o Estado Novo

Nesse cenário, as lutas internas, a esquerda e a direita afloram com vigor. Em 1935, os comunistas se insurgem e em 38, são os integralistas. A agitação precedia as eleições gerais de 1937 determinada pela Constituição. É quando Vargas pilota o golpe que teria a denominação histórica de Estado Novo. A ditadura se implanta, as liberdades democráticas são suprimidas e o Congresso é fechado. A nova Constituição imposta lhe concede poderes absolutos.

Anuncia à Nação o seu projeto de desenvolvimento nacional, com prioridade à industrialização e à reorganização do Estado, com a criação de uma burocracia estável, com prioridade na diversificação econômica, em um contexto de economia fechada e protecionista. Regula setores específicos, criando o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Conselho Federal de Comércio Exterior, o Departamento de Produção Nacional. Implanta a Reforma Tarifária, ampliando-a com a isenção de tarifas sobre importação de máquinas e equipamentos para setores estratégicos. A Reforma Educacional é desse período, com prioridade para o desenvolvimento dos cursos técnicos.

Na esfera trabalhista amplia a função do Ministério do Trabalho criado em 1932, objetivando a relação capital e o trabalho nos núcleos urbanos. Em 1943, sistematiza a Consolidação das Leis do Trabalho atendendo as antigas reivindicações dos assalariados. É a regulamentação da jornada de trabalho, o descanso semanal remunerado, regula o trabalho das gestantes e dos menores, garante as férias remuneradas, o salário mínimo, a aposentadoria como direito sagrado do trabalhador. É dessa época a criação dos sindicatos corporativos por categoria. Obviamente controlados pelo Estado.

No plano de desenvolvimento estratégico, em 1938, cria o Conselho Nacional de Petróleo e lança o Plano de Obras Públicas e Reaparelhamento da Defesa Nacional. Esse viés de planejamento objetivava o desenvolvimento da infra-estrutura e da industria de base. Getúlio acreditava que somente um Estado nacional forte poderia obter êxito nesse desafio. O gargalo do financiamento era um obstáculo, inexistia um sistema bancário com capilaridade de abrangência nacional que garantisse investimento de prazo longo. A estrutura industrial, por outro lado, ainda era de empresas familiares. Cria então a carteira do Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil. Altera a legislação, possibilitando a aplicação dos recursos dos Institutos de Aposentadorias no financiamento dos investimentos de longo prazo. Igualmente introduz um imposto sobre operações cambiais com forte controle do câmbio para a formação de um fundo para investimentos do governo. Faz assim do capital nacional um caminho para alavancar o desenvolvimento, mas procurando atrair os investimentos estrangeiros para esses programas oficiais, com respostas tímidas.

Na sua concepção de que era fundamental a modernização nacional, a siderurgia seria a grande arrancada. Além da construção da Usina de Paulo Afonso, a drenagem do rio São Francisco e a construção de estradas de ferro e de rodagem. A compra de 12 navios para o Lóide Brasileiro, estruturando a Marinha Mercante integravam o seu plano de desenvolvimento qüinqüenal. Com a recusa da United Steel, norte americana, de participar da construção da siderúrgica de Volta Redonda, habilmente em pronunciamento a bordo do encouraçado “Minas Gerais” , Getulio sem nominar a Alemanha ou a Itália disse “as nações fortes que se impõem pela organização baseada no sentimento de Pátria e sustentando-se pela convicção da própria superioridade” , gerou uma interpretação de simpatia pelo Eixo. Logo a seguir Vargas recebe emissário do governo Roosevelt apoiando a construção de Volta Redonda e autorizando um crédito de 20 milhões de dólares. Em abril de 1941 era fundada a Companhia Siderúrgica Nacional, empresa de economia mista com capital majoritário do governo.

À eclosão da II Guerra, ampliou a aproximação dos Estados Unidos e a economia nacional teve acelerado o seu desenvolvimento. O Brasil acumulou reservas cambiais em função do programa aliado de aquisição de matérias primas e outros bens elaborados, além da entrada de capitais norte americanos após um longo prazo de efetivo desinteresse.

A decomposição do Estado Novo se inicia quando o Brasil participa do conflito mundial ao lado das nações democráticas.

A derrubada do chefe de Estado, era apenas uma questão de tempo. Getulio Vargas é deposto e retorna em avião militar para a estância de Itu, em S. Borja.

No seu “exílio” nos pampas gaúchos, permanecia como um pólo da política nacional. Dois partidos políticos o PSD e o PTB nasceram da sua articulação. Sua candidatura a Deputado Federal é lançada por vários Estados. No Rio Grande do Sul é lançado ao Senado, pelo PSD e em São Paulo, pelo PTB, sendo eleito nos dois Estados. Igualmente eleito Deputado Federal por sete Estados. A legislação eleitoral permitia essa situação. Obteve um total de 1 milhão, cento e cinqüenta mil votos. O Presidente eleito Gaspar Dutra que teve o seu apoio recebera 3 milhões duzentos e cinqüenta mil votos. Era o Presidente da República derrotando o Brigadeiro Eduardo Gomes.

Presidente Eleito

O Congresso Constituinte tomou posse em 2 de fevereiro de 1946. Eleito senador por 2 Estados, Getúlio fez a opção pelo Rio Grande do Sul. Somente em junho tomou posse como constituinte. Ante os discursos de condenação do Estado Novo e segundo o historiador Foster Duller “numa das sessões, o debate foi seguido de luta corporal. Getúlio, ouvindo as críticas que eram feitas ao seu governo, responsabilizando-o por todos os males do País, desafiou os seus acusadores a que o encontrassem fora do edifício, e abandonou o recinto” .

A Constituição de 1946, não teve a sua assinatura. Retornara a São Borja e não voltou mais ao Senado. Na inauguração da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, não foi convidado pelo Presidente Dutra, naquela que foi a obra do seu sonho. O estremecimento com o governo se tornara irreversível. A entrega de dois Ministérios à UDN e o isolamento do PTB era a senha do rompimento.

No seu auto-exílio de S.Borja, assistia ao governo costurar a sucessão com a aliança PSD-UDN, de corte integralmente conservador. É quando em 1949, o jornalista Samuel Wainer, dos Diários Associados, vai ao Rio Grande do Sul e procura obter uma entrevista com Vargas. Sua audácia jornalística teria êxito. Uma das perguntas teve uma resposta que iria sacudir o Brasil: “Sim, eu voltarei, não como líder político, mas como líder de massas” .

Diante das articulações nacionais Getulio recuou. Somente em abril de 1950, na estância de João Goulart em S.Borja, é lançado à Presidência, respondendo afirmativamente.

Em junho o PSD lança Cristiano Machado e a UDN, o Brigadeiro Eduardo Gomes como os seus candidatos presidenciais. Em 9 de agosto, em Porto Alegre, o PTB apresenta Getúlio Vargas tendo na vice, indicado por Ademar de Barros, governador de S.Paulo, pelo PSP, o Deputado Café Filho. Foram 53 dias de campanha. Em 3 de outubro de 1950, Getulio Vargas recebeu 3.849.040 votos; Eduardo Gomes, 2.342.384 votos; e, Cristiano Machado, 1.697.193 votos. A maioria do PSD sufragara o nome vencedor.

A explosão popular era traduzida na marchinha carnavalesca: “bota o retrato do velho outra vez/ bota no mesmo lugar/ o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”.

O início do governo diante da herança deixada pelo ex-presidente Dutra era difícil. É o respeitado e saudoso professor Otávio Ianni, da USP, que afirma: “Ele precisava enfrentar, de alguma forma, problemas tais como: a inflação, o desequilíbrio na balança de pagamentos, a necessidade de importar máquinas e equipamentos, a insuficiência de oferta de gêneros alimentícios para as populações dos centros urbanos em rápida expansão”.

A infra-estrutura econômica era caótica, onde setores vitais como energia e transporte estavam estrangulados. O trigo e o petróleo, importados, consumiam mais de 1/3 dos gastos no exterior. Daí o historiador Thomas Skidimore, da Universidade de Columbia, ressaltar que o seu governo adotou uma política econômica dual expressada na “ortodoxia e no nacionalismo” . Na Assessoria Econômica a orientação do economista Rômulo Almeida. Procurando adotar políticas desenvolvimentistas com forte presença estatal e do capital privado nacional. No Ministério da Fazenda, Horácio Láfer, buscando a direção de uma maior participação do capital internacional, como saída para retirar o País do seu estágio de subdesenvolvimento. Foi de Horácio Láfer a arquitetura econômica justificadora da intervenção do Estado naquelas áreas, onde a iniciativa privada se mostrasse desinteressada ou não tivesse fôlego em face dos investimentos exigidos.

Já em 1939, Getúlio Vargas afirmava que “Ferro, Carvão e Petróleo são esteios da emancipação econômica de qualquer País” . Ao final do primeiro ano de governo, manda ao Congresso projeto de lei criando a Petrobrás, como empresa de economia mista com controle majoritário da União, objetivando a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte de petróleo e os seus derivados, inclusive de xisto betuminoso e atividade afins. Somente dois anos depois foi aprovado, com intensa mobilização popular na campanha de “o petróleo é nosso”. O monopólio estatal foi acrescentado por emenda do Deputado Eusébio Rocha, com apoio radical da UDN e da sua direção. Ratificada e ampliada pelo deputado mineiro Bilac Pinto, da UDN.

O Plano Nacional do Carvão foi enviado ao Congresso, em agosto de 1951, com prévia aplicação de 735 milhões de cruzeiros num período de quatro anos. O Plano objetivou transformar os processos de mineração e beneficiamento do carvão, construção de portos e melhoria de ferrovias.

A Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia foi criada em 1953, vinculada diretamente à Presidência da República e dotada de autonomia administrativa, objetivando o desenvolvimento daquela vasta região.

O Banco do Nordeste foi fundado em 1952, com a finalidade de banco comercial e promotor de fomento e de investimentos na região, sendo Rômulo Almeida seu primeiro presidente.

A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, em 1952, foi um marco decisivo na participação governamental nas últimas décadas nas atividades econômicas. Foi criado para prover o financiamento do programa de crescimento e modernização da infra-estrutura brasileira.

O Plano Nacional de Eletrificação, lançado em 1953, foi importante avanço no desenvolvimento. Era alimentado por uma taxa a ser cobrada de todos os consumidores, o Imposto Único sobre Energia Elétrica. Entre os anos de 1951 a 1954, a capacidade instalada de energia elétrica cresceu 67%, indo de 1.883 para 2.805 megawatts. É dessa época, também, o projeto criando a Eletrobrás, empresa de economia mista, com capital de três bilhões de cruzeiros, destinada a ser uma empresa “holding” do setor energético. Ferozmente combatida por parlamentares e empresários do setor, somente em 1961 teve o projeto aprovado.

O governo Getulio Vargas, entre 1951 e 1954, acelerou o processo substitutivo de importação, mais intensamente. Entre os anos de 1940 e 1961, a produção industrial brasileira foi multiplicada por seis, um desempenho notável para se dizer o mínimo.

Foi nesse processo que seu governo sofreu o combate ativo dos derrotados no período democrático internamente. Pelo lado externo, a eleição em 1953, do republicano general Eisenhower, para Presidente dos Estados Unidos, a hostilização ao governo brasileiro passou a ser a política oficial da Casa Branca. Além das medidas tomadas em defesa dos interesses nacionais, o decreto que impunha um limite de 10% para as remessas de lucro para o exterior era outro ponto de discórdia.

Homem honrado e íntegro foi fatalmente golpeado e traído pela sua guarda pessoal, comandada por Gregório Fortunato, ao patrocinar o atentado da Rua Toneleros contra o jornalista Carlos Lacerda, vitimando o major da Aeronáutica Rubens Vaz. A conspiração existente contra o seu governo desde que voltara democraticamente ao Catete, ganhava a dimensão de uma crise militar profunda. A república do Galeão, instalada na base aérea, instaurou um Inquérito Policial Militar, devidamente autorizado pelo ministro Nero Moura, com amplos poderes. A bancada da oposição, a UDN à frente denunciava o “mar de lama” do Catete. Em discurso na Câmara Afonso Arinos, denunciava que “o seu governo é um mar de lama e um estuário de sangue”. Do qual se arrependeria logo depois, tanto que procurou retirar o discurso dos anais da Câmara.

Cinco décadas depois, estamos aqui para registrar que a bala da rua Toneleros também vitimou Getulio. Ao afastamento exigido pelos ministros militares cumpriu a advertência: “se me quiserem depor, só encontrarão o meu cadáver”.

O tiro que desfechou no peito naquela manhã de 24 de agosto, ainda ecoa pelo Brasil nos dias de hoje. O minuano getulista está presente na contemporaneidade nacional. Foi o estadista marcante do século XX, ao lançar as sementes e as bases para a construção do Brasil moderno e desenvolvido.

Nessa data é oportuno lembrar que, entre os anos de 1930 e 1980, portanto durante meio século, não foi nenhuma nação nórdica, saxônica, germânica ou asiática que mais cresceu economicamente no mundo. Foi o Brasil e isso não foi milagre, foi fruto do trabalho dos nacionais, a partir da arrancada da Revolução de 30.

E este exemplo haverá de ser um farol para o nosso presente, iluminando o nosso futuro, objetivando a construção de uma nação economicamente desenvolvida, socialmente justa e politicamente fundamentada no Estado de Direito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2004 - Página 27448