Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Covardia praticada contra moradores de rua na cidade de São Paulo.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. DIREITOS HUMANOS.:
  • Covardia praticada contra moradores de rua na cidade de São Paulo.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2004 - Página 27882
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REPUDIO, VIOLENCIA, VITIMA, MENDIGO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, AGILIZAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, ACUSAÇÃO, VINCULAÇÃO, GRUPO, NAZISMO.
  • ANALISE, IDEOLOGIA, PROVOCAÇÃO, VIOLENCIA, VINCULAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, SEXO, RAÇA, RELIGIÃO, REGIÃO, ORIGEM.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), APOIO, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, CRIME.
  • COBRANÇA, RECUPERAÇÃO, POLICIAMENTO, ATIVIDADE COMERCIAL, ZONA URBANA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveito a presença das Srªs Senadoras Heloísa Helena e Roseana Sarney, além da dos Srs. Senadores, para falar sobre algo muito triste, porque sei da sensibilidade e do grande coração das duas, principalmente do da Senadora Roseana Sarney. Quando S. Exª governou o Estado do Maranhão, tinha uma grande preocupação com os moradores de rua.

Como paulista, venho a esta tribuna envergonhado, Srªs Senadoras! O registro de mais de 16 agressões a pauladas a moradores de rua - e alguns deles vieram a falecer por causa disso - nos traz uma profunda amargura como pessoa humana e como cristãos que somos, e sei que V. Exªs também o são.

Alguns fatos realmente são históricos em são Paulo. Fiz um resumo do que já aconteceu neste campo de agressão aos menos favorecidos pela sorte, sem falar naqueles miseráveis que estão lutando por um emprego, tentando reenquadrar suas vidas e buscar uma razão para viver.

E eu me lembrava recentemente que, há 42 anos, Senadora, alguns monstros, no Rio de Janeiro, pegavam os mendigos e os jogavam no rio Guandu - não sei nem se V. Exª já havia nascido nessa época. Chamaram o que fizeram de “limpeza étnica”, que vem a ser jogar mendigos no rio para se acabar com a mendicância naquela cidade. Isso é profundamente amargo. Em vez de se ter a sensibilidade de agasalhá-los, de recolhê-los e de dar-lhes assistência, não; preferiram eliminá-los, o que é um aspecto nazista de comportamento.

Nunca poderíamos imaginar que, depois de tantos anos, essa sanha homicida viria a se manifestar na minha cidade, São Paulo, com um ímpeto de violência que incrementa o sentimento de repúdio não só da população paulistana, mas também de todo o Brasil.

Hoje, pela manhã - infelizmente não guardei o nome da cidade -, moradores de rua foram mortos a tiro; quatro moradores da capital de um Estado brasileiro - depois, vou verificar a cidade, porque só vi o final da notícia no jornal da manhã.

Entre as madrugadas de 19 e 22 do corrente mês, houve quinze ataques a marretadas na cabeça contra moradores de rua, enquanto dormiam. Covardia total! Seis deles, inclusive uma mulher, morreram com o crânio esfacelado.

Seria precipitação especular se estamos frente ao mesmo tipo de bestialidade que vitimou o índio Galdino aqui, em Brasília, à semelhança de ataques isolados contra moradores de rua em outros pontos do País. Importa, isto sim, investigar com rapidez e a fundo para descobrir os autores e impedir a repetição dessa estupidez.

Pistas não faltam. As mais consistentes apontam para os mesmos grupos de intolerância envolvidos em atos violentos como o que, em fevereiro de 2000, no centro de São Paulo, vitimou um treinado de cães e seu acompanhante, ambos gays. Aquele foi morto a socos e pontapés, este ficou internado em UTI. Dezoito suspeitos, todos integrantes de um bando de skinheads ou “carecas”, como eram rotulados, de confissão neonazista, foram identificados e presos. Nove receberam condenações por homicídio, tentativa de homicídio e formação de quadrilha.

Em dezembro de 2003, indivíduos adeptos da mesma ideologia obrigaram dois jovens trabalhadores a saltar de um trem suburbano em movimento, na região de Mogi das Cruzes, proximidades da capital paulista. Um morreu e o outro perdeu um braço. Dois dos criminosos foram identificados, presos e estão sendo processados.

Naquele mês, um atentado vitimou moradores de rua. Foi nas proximidades da estação rodoviária de Mairiporã, região metropolitana de São Paulo. Apresentou, porém, alguns aspectos diferentes. Um desconhecido entregou a um grupo de mendigos garrafas de refrigerante misturado a inseticida. O envenenamento subseqüente matou um e levou três à UTI.

Senador Paulo Paim, veja que nível de miserabilidade de alma e de respeito ao ser humano essas pessoas têm. Eu não diria que são doentes ou loucas; são más, mesmo, com uma formação de caráter que foge a qualquer conceito de respeito.

Os sobreviventes descreveram o homicida como sendo negro ou mulato, o que, de certa forma, o afasta do padrão skinhead, embora houvesse um negro entre os matadores do amestrador de cães. O modus operandi, isto é, envenenamento, também é diferente.

O fato é que, desde os anos 80, existem gangues partidárias daquela ideologia, formadas por homens com mais de 16 anos. O movimento dividiu-se em duas facções, os chamados “carecas” e os white powers ou nazi-skins. Seus alvos principais são os homossexuais, negros, judeus, nordestinos e estrangeiros. A violência caracteriza esses bandos desde 1992, quando seis skinheads invadiram uma rádio nordestina em São Paulo, dispararam revólveres e picharam paredes com slogans racistas.

A Polícia de São Paulo possui todas as condições para desvendar a atual série de atentados. Melhor seria se ainda dispusesse do antigo Gradi (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância).

Senadora Heloisa Helena, há que se tipicar, no Código Penal, a conduta de intolerância como crime hediondo. Não podemos mais ficar silentes diante dessa violência que agride os menos favorecidos, os discriminados. Chegou a hora de o Congresso reagir e exigir das autoridades o cumprimento rigoroso da lei - falamos em rigor da lei, mas ela já é rigorosa em si mesma. O problema é cumpri-la.

Todavia, o banco de dados do Gradi ainda está atualizado e pode auxiliar as investigações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A apuração exige redobrado cuidado, pois, às vezes, as aparências podem enganar, haja vista o que aconteceu em 2000, quando um funcionário da Anistia Internacional no Brasil foi indiciado com autor de atentados à bomba contra entidades de direitos humanos, inclusive a própria Anistia. Para garantir o seu lugar, ele colocou uma bomba na instituição que representava no Brasil.

Repetem-se, enquanto isso, as manifestações e vigílias lideradas principalmente pelo abnegado padre Júlio Lancelotti, dirigente de várias organizações destinadas a dar apoio aos desafortunados, organizações essas que vêm, há muitos anos, atuando e defendendo de fato as minorias e os menos favorecidos pela sorte.

Logo após os primeiros homicídios, um ato ecumênico reuniu milhares de pessoas na Praça da Sé, defronte da Catedral Metropolitana de São Paulo. Então, o nosso Ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, prometeu, de público, o apoio da Polícia Federal às investigações, para o que, aliás, o DPF tem todo o respaldo legal. O insigne Cardeal-Arcebispo Dom Cláudio Hummes saiu em passeata, à frente da multidão, carregando uma cruz de madeira na qual estavam inscritos os nomes das vítimas mortas nesse terrível atentado.

Senador Paim, em São Paulo, há 12 anos existe um projeto chamado “Viva o Centro”. Recentemente, no mandato da Prefeita Marta Suplicy, foram liberados R$100 milhões para revigorar o centro de São Paulo e ficamos com uma interrogação. Passo pela cidade de São Paulo constantemente. Namorei na Barão de Limeira, onde havia um lugar de chá, com violino, muito bonito, no centro de São Paulo, onde o footing era feito. Essas ruas foram abandonadas aos poucos pelo medo e os bares, às 17h, estão fechando. Perguntei a donos de bares: “Mas por que fechar? Não pode atrair? O centro é tão bom para passear!” “Não, doutor, tem muito bandido por aqui e o policiamento é fraco”.

Então, chegou-se ao ponto de, no centro de São Paulo, terem liberdade para assassinar moradores de rua que não tiveram a assistência do poder público para serem recolhidos. Isso é uma afronta à inteligência e à dignidade do povo paulistano e brasileiro.

Senadora Heloísa Helena, com muita honra ouvirei o seu aparte.

            A Srª Heloísa Helena (PSOL - AL) - Quero saudar o pronunciamento de V. Exª, Senador Romeu Tuma. Já tive, por várias vezes, a oportunidade de aparteá-lo ou de receber seus apartes, bem como de conversar com V. Exª, na convivência fraterna e respeitosa do plenário, e sei da sua sensibilidade com relação a temas tão preciosos e caros para nós, independentemente das nossas convicções ideológicas, especialmente como cristãos. Essa questão é de alta complexidade e mexe diretamente com a nossa alma e com o nosso coração. Fiquei indignada, estarrecida e profundamente triste com o que vi na televisão, e é evidente que isso não acontece apenas em São Paulo. Já houve casos gravíssimos contra crianças de rua, mendigos, índios e pessoas pobres em vários lugares do País. Se V. Exª observar determinadas estruturas do crime organizado, verá que são uma coisa terrível. Ouvindo o pronunciamento de V. Exª, lembrava-me de uma bela passagem de uma das mais importantes filósofas da História da Humanidade, uma judia chamada Hannah Arendt, autora de um livro belíssimo sobre responsabilidade e julgamento. Em outra oportunidade, ela falou a respeito do julgamento de um dos mais importantes nazistas que coordenaram aquilo sobre o que V. Exª falou agora: a morte de milhares de judeus. Durante o julgamento, ao ver nele alguém tão comum, quase que uma pessoa simples, como as várias outras que encontrava, ela se perguntava se essas pessoas pensam. Para ela, era inadmissível que alguém pensasse, refletisse e fosse capaz de atitudes tão desumanas, que não são uma coisa qualquer. A Folha de S.Paulo entrevistou alguns desses moradores de que V. Exª fala. Os entrevistadores e os repórteres chegaram e não havia nenhuma estrutura para protegê-los - porque, de alguma forma, eles viram alguém. E chama a atenção o modo como eles comentaram a situação por que passaram. Então, ficam duas coisas - sem manipulação política, porque não se deve fazer manipulação política de uma fato como esse, gravíssimo. Não pode quem acompanha os noticiários, os embates e as contendas eleitorais querer atribuir a um ou a outro lado a responsabilidade disso. Se há problema gravíssimo na estrutura da polícia, há problemas gravíssimos no sistema econômico e não há políticas públicas e sociais: essas pessoas não foram acolhidas. O que é da responsabilidade da Prefeitura de São Paulo, do Governo de São Paulo e do Governo Federal. Então, não cabe a manipulação política para identificar a responsabilidade, como se uma autoridade quisesse fazer uma coisa dessas... Trata-se de uma situação extremamente grave, extremamente delicada. Portanto, quero me solidarizar com o pronunciamento de V. Exª. Espero que, cada vez mais, usemos o rigor da legislação, como bem mencionou V. Exª - porque a lei nem sempre é rigorosa quando se trata de determinadas personalidade políticas -, para dar o caráter hediondo ao crime. E sabemos também que outras coisas são necessárias. Os presídios do País - e V. Exª os conhece muito mais do que eu - estão abarrotados de pobres, de miseráveis, que são estuprados e tornam-se verdadeiros aprendizes de marginais, que acabam entrando na marginalidade com muito mais força. Há ausência de políticas públicas e sociais, razão por que essas pessoas estavam nas ruas e, portanto, estavam submetidas a qualquer desses criminosos. A degeneração do caráter, a desumanização das pessoas que foram capazes de fazer isso nem sabemos como efetivamente caracterizar. Quero me solidarizar com o pronunciamento de V. Exª, ao tempo em que me solidarizo, com muita emoção, com todas as crianças, idosos, adultos, mulheres, homossexuais, negros, mendigos, indigentes que estão expostos a risco, todos os dias, em função da existência de pessoas como essas - que já não são mais seres humanos. Alguém que é capaz de sair por aí batendo nas pessoas dessa forma já perdeu a condição de humanidade. Quero saudar e levar a minha solidariedade a todas as famílias, a todas as pessoas que estão em uma situação extremamente terrível como essa, e a todos os pobres e miseráveis do País, que são os que estão efetivamente sujeitos a esse tipo de risco. Quero me desculpar com V. Exª pelo tempo. Alonguei-me no aparte, mas foi porque esse assunto me tocou, me deixou extremamente emocionada. Sei que esse não é o único caso. Em Alagoas acontece isso, e em vários outros lugares também. V. Exª sabe que, em vários presídios do País, nos do meu Estado, há pessoas que cortam a cabeça do outro e fazem dela bola de futebol. São presídios abarrotados, desgraçados, com uma degeneração humana gigantesca. Essas coisas nos fazem refletir sobre o mundo que estamos construindo. Entra aí a questão da política econômica, do desemprego, da miserabilidade crescente, do empobrecimento cada vez maior das pessoas no nosso País. Portanto, mais uma vez, peço desculpa por ter me alongado neste aparte, Senador Romeu Tuma, e solidarizo-me com V. Exª.

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Senadora Heloísa Helena, tenho certeza de que minha alma manda encerrar o meu discurso com o aparte de V. Exª, porque provavelmente a minha própria emoção vai me impedir de continuar.

Sr. Presidente, como um homem que trabalhou 50 anos na polícia, sei o sofrimento daqueles que são discriminados e cujas famílias, às vezes, nem aparecem para reconhecer o corpo. Eles são realmente abandonados. E a disputa política feito sobre um cadáver revolta. Quem não soma, subtrai, Senadora Heloísa Helena. Precisamos buscar soluções, harmonia para a alma dos que governam. Quando se pensa em construir creches, está-se procurando um futuro melhor para as crianças; quando se pensa em fazer abrigos para os menos favorecidos, está-se pensando em dar uma vida digna para os que não conseguiram ter sequer estabilidade emocional, pois psiquiatricamente desequilibrados, às vezes fogem ou saem de casa e não conseguem voltar ao lar e à realidade. Passam a viver a ermo, às custas de uma migalha aqui, outra ali, com um pedaço de cobertor no inverno. Assistimos a tudo isso.

Lembro-me de que, na época em que entrei na polícia, o Delegado João Crisóstomo - a quem presto minha homenagem -, já falecido há alguns anos, desenvolvia um trabalho de proteção aos menos favorecidos. À noite ele ia para a delegacia, na Florêncio de Abreu, pegava as peruas que tinha e recolhia todos os moradores de rua. Ele tinha até um apelido não muito simpático, “Catador de Mendigo”, que resultou do trabalho que ele desenvolvia. Ele os levava para a delegacia, obrigava todos a tomar banho, servia uma sopa, arrumava uma forma de dormirem, abrigados sob um teto, pela manhã lhes servia o café e lhes dava liberdade de seguirem suas trajetórias, porque a maioria tinha um pouco de desequilíbrio psicológico.

Essas coisas marcam muito. Dirão que não é função da polícia. Mas é alguém que está fazendo. Se ninguém faz, faz o policial, faz o padre Lancelotti, não importa. São pessoas que se somam na busca de uma solução mais tranqüila, mais amorosa para aqueles que não sabem que caminho tomar.

Usar isso para fazer uma disputa política é subtrair o interesse público da verdade e do amor que se deve ter ao próximo. É preciso somar, é preciso que se sentem prefeito, governador, ministro, para ver o que podemos fazer para que não se repita o fato. Deve-se separar o homicídio daquilo que pode ser feito para não acontecer outra vez.

Encerro o meu discurso com as palavras de V. Exª e peço que o meu pronunciamento seja publicado na íntegra.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ROMEU TUMA.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2004 - Página 27882